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Uma visita à sólida catedral poética de Carlos Drummond de Andrade

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Carlos Drummond de Andrade Carlos Drummond de Andrade parece que teve desde cedo uma consciência muito bem elaborada sobre o exercício da escrita ou mesmo certa segurança sobre o êxito de seu trabalho. Pode ser que isso tenha sido, primeiro, produto de uma intuição alcançada não sem o custo de conhecer muito bem a literatura brasileira e por quais lugares alguém interessado em construir um projeto literário poderia tatear para se estabilizar; segundo, uma extensa preocupação e, sobretudo, zelo com o ofício da palavra, capaz então, de lhe determinar uma consciência lúcida sobre sua obra. Entre as duas observações, de serventia a qualquer interessado na escrita, está a capacidade de acreditar no trabalho e persistir, sem apelos, pela feitura do reconhecimento. Alguém já terá definido que escrever é uma missão e a recompensa vem do empenho por aquilo que faz; claro, não sem uma pitada de sorte pelo caminho. A impressão que fica de Carlos de Drummond de Andrade é ainda a do escr...

A Ilíada, a guerra de todos nós

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Por Guillermo Altares "A apoteose de Homero", de Jean Auguste Dominique, 1827 O deus Zeus idealizou uma estratégia para ajudar aos troianos: enviar um falso sonho de vitória ao líder grego Agamenon, que além de tudo acabava de ter um combate com o herói Aquiles. Não há nada tão destrutivo, tão letal, como a confiança cega em seu próprio triunfo, a crença absoluta na vitória. Essa é uma das muitas histórias universais contidas na Ilíada . Nunca saberemos com segurança quando e como foi composta – os especialistas preferem o verbo “compor” a “escrever” porque não está claro o papel que a escrita teve na sua criação. Sobre seu autor, Homero, que a tradição descreve como um poeta cego, existem mais dúvidas que certezas. Contudo, por aí segue sua obra, ancorada mais do que nunca na memória viva de nossa cultura. Como escreveu Gore Vidal em suas memórias: “Como as diferentes camadas de Troia, onde em algum lugar profundo estão essas cidades amontoadas sobre outras ...

Boletim Letras 360º #135

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Em outubro as livrarias estadunidenses recebem um conjunto de textos inéditos de Truman Capote; escritos ainda antes da fama, a obra deve ser publicada no Brasil em 2016. Mais informações ao longo deste boletim. (1) Muito lentamente (e poderia ser diferente com a quantidade de amigos que nos acompanham) vimos chegar novos rostos em nossa página no Facebook. Nunca é demais agradecê-los! Mas, torcemos para chegar logo aos 20 mil e podermos revelar a surpresa que está pronta desde quando atravessamos mais uma milhar. (2) Já revisamos, dentro de nossas possibilidades, mais de 40% do nosso conteúdo (os serviços feitos são principalmente os de correção de imagens e exclusão de alguns materiais que já não são do interesse do blog). Será que até o nosso aniversário conseguimos rever tudo? Muito difícil! Mas, boa parte, sim. (3) E, temos uma nova colunista! Ela já publicou, inclusive, vários textos conosco, mas está oficializada no nosso time e estreia até o final de setembro; ficamo...

Por outros meandros da Geração Beat

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Peter Orlovsky e Allen Ginsberg na Índia. Quando Allen Ginsberg chegou à Índia com seu companheiro, Peter Orlovsky, em 1961, para passar 15 meses, havia acabado de publicar Kaddish , um extenso poema dedicado à sua mãe que já havia morrido; o poema é sua obra-mestra e algo mais: o testemunho de que havia deixado de ser uma criança e que, portanto, tem que fazer algo para merecer uma idade adulta, que necessita estar à altura de seus objetivos. Esses objetivos, claros desde que William Blake lhe falara há uma década, numa visão que marcou o resto de sua trajetória literária e existencial, não eram outros que converter-se na “voz das multidões” e em “um santo”. A Índia tinha que ajudar-lhe nisso, tornando-o um mestre e modificando sua percepção da realidade. Também lhe falando em outro tom da morte: a de sua mãe, que levou toda sua vida morrendo por causa das suas desordens mentais, e a do próprio filho, que parecia aos olhos dela como um fantasma preso nas drogas, nos amant...

Um grão de trigo, de Ngũgĩ wa Thiong’o

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Por Pedro Fernandes O que mais poderá tocar um leitor na literatura de matriz africana é sua diversidade. Qualquer um que se aventurar ensaiar uma breve incursão que seja por este vasto território logo será tomado por essa impressão. A chegada ao Brasil da obra de Ngũgĩ wa Thiong’o vem novamente reforçar essa certeza; é supostamente a primeira vez que é publicada por aqui a obra de um escritor do Quênia, ao menos com essa consistência. A entrada das chamadas letras periféricas traz alguns sinais que, se o mercado editorial não terá pensado porque está (infelizmente) mais interessado nos lucros, merecem ser lembrados em ocasiões como estas: a necessidade de formar leitores abertos à recepção de outras culturas e, obviamente, inscrever outras literaturas no chamado cânone literário. Ao referir-se ao interesse capital do mercado editorial sobre obras como a de Ngũgĩ wa Thiong’o este texto compreende que elas só chegam aqui porque o autor ultrapassou já uma longa ...

Os contos completos de Liev Tolstói

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Por Pedro Fernandes A editora Cosac Naify destacou-se no mercado editorial brasileiro por ambiciosos projetos de edição. É fato que sua existência entre nós talvez se deva à formação de profissionais qualificados nos vários setores da cadeia do livro e com outra maneira de enxergar este objeto, ainda que, os leitores estejamos presos entre condições paupérrimas: somos poucos e extensa a miséria financeira oprime ampla maioria o consumo de obras como as publicadas pela casa de Charles Cosac.   Três anos depois do belíssimo projeto que trouxe ao Brasil, pela primeira vez, uma tradução direta do russo de Guerra e paz , obra-prima da literatura russa, a casa anunciou em seu site a chegada de outro grande feito: os contos completos de Liev Tolstói. A proeza é graças ao mesmo Rubens Figueiredo, quem, muito antes do monumental romance publicado em 2012, já se destacara entre os nomes de uma geração de exímios tradutores de literatura russa. O projeto de agora levou pouco mais de três anos...