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Robert Walser ou a escrita como caminhada

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Por Luigi Amara As vezes a escrita se converte numa espécie de traição. A ironia de tornar em borrão centenas de páginas para a evocação de uma memória insistente, ou o paradoxo de recorrer à uma linguagem própria a fim de marcar suas limitações ou ainda sua impossibilidade, deixam um sabor amargo de incongruência e desconcerto, a sensação de estar brincando com fogo, de haver preparado a armadilha na qual logo haveremos de cair; talvez de algum modo essas inevitáveis traições nos remetam aos mecanismos que se autodestroem em cinco segundos. Escrever sobre Robert Walser comporta algum desses perigos. Elias Canetti conjeturou que a insistente rejeição do escritor suíço acerca da grandiosidade se deve justamente a fato de que nada parece mais alheio ao seu estilo que a grandeza, que à frente de qualquer forma, o reconhecimento se torna uma saída torpe, imprópria, remendada. Como seja, a opção de respeitar a todo custo a relutância de Walser em não se destac...

Boletim Letras 360º #174

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Um caderno de inéditos de Van Gogh ganhará publicação em novembro. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Aqui estamos, caros leitores, em mais uma edição que copia as notícias que circularam durante a semana em nossa página no Facebook. Deliciem-se e recebam os nossos agradecimentos por nos acompanhar diariamente. Segunda-feira, 13/06 >>> Espanha: Tudo sobre Cervantes online Numa das celebrações passadas o Google Cultural Institute favoreceu a leitura em vídeo através do canal no Youtube de Dom Quixote ; agora com o apoio do governo espanhol inaugura “As rotas de Cervantes”, uma das maiores mostras virtuais sobre o escritor espanhol. São 18 exposições organizadas em parceria com oito instituições que disponibiliza aos leitores 1 000 documentos sobre o autor.  O projeto pretende colocar à disposição dos leitores de qualquer parte do mundo materiais diversos em áudio, imagem e uma linha do tempo com a biografia de Cervantes. Entre as exposições já disponív...

O fascismo nasce da falta de leitura

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Por Rafael Kafka Quando li Admirável mundo novo  de Huxley há uns dez anos não imaginava que viveria em um mundo que odiasse os livros, que os vissem como algo inútil, nocivo. A massa de não leitores brasileiros para mim se explicava e ainda se explica pela rotina cheia de trabalho e vazia de dinheiro que muitos de nós temos de passar diariamente, complementada com uma vida sem incentivo à leitura e outros processos sociais mais amplos. Imagine isso, caro leitor: você é um trabalhador braçal, do varejo ou autônomo, áreas em que mais vi empregados em minha rotina de morador de periferia. Passa umas dez ou doze horas por dia indo e voltando do trabalho e trabalhando. Chega em casa, precisa dar atenção à família e, muito provavelmente se for mulher por ser cobrada a isso por nossa estranha sociedade patriarcal, terá de fazer uma quantidade imensa de tarefas que não deixam tempo para mais nada. No máximo, você se sentará em frente à TV, verá aquele jornal que vende a imag...

Nos tempos da grande mentira

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Por Carles Geli Não há quem sustente que a literatura tem a força para criar uma vida real? Não é o maior encanto da ficção nos permitir convertermo-nos em outros? Em todo caso, não fomos todos enganados – desde 2008 e ainda hoje – com a bolha financeira? Nessa linha, o escritor Jorge Volpi criou uma macrometáfora criando em seu livro  Memorial da fraude  (Alfaguara) “um narrador que é, aos olhos do leitor, uma fraude”. Completamente. O romance não é escrito por ele, mas por um tal de J. Volpi, nascido em Nova York em 1953 e não no México, em 1968;  não um escritor reconhecido mas o fundador e diretor geral da J V Capital Management; uma figura de paradeiro desconhecido e fugitiva da justiça depois de uma fraude bilionária em 2008. O vigarista entregou uma espécie de memórias ao seu agente literário A. W., seguramente o temível Andrew Wyle (ex-agente verdadeiro de Volpi escritor) que torna público este relato com a tradução de um tal de Gustavo Izquierdo e seguido ...

Lawrence Ferlinghetti

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Lawrence Ferlinghetti numa leitura pública no Jazz Cellar A Geração Beat não está tão longe de nós – espacial e temporalmente. Ainda que muitos continuem a acreditar que todos os nomes que deram forma a uma das estéticas mais importantes da literatura estadunidense contemporânea só estão acessíveis pela leitura de suas obras ainda é possível citar pelo menos numa ocasião dessas que ainda há alguém biologicamente vivo. Clássico e muito bem vivo, diga-se, porque está em pleno estado de lucidez e em atividade: com 97 anos, há alguns meses fez uma participação num sarau em San Francisco e seu livro – o segundo – Um parque de diversões (publicado em 1958) – ainda é lembrado como uma obra inquestionável para a poesia contemporânea na literatura dos Estados Unidos. Agora, além dessas qualidades, todas elas grandiosas, qual a importância de Lawrence Ferlinghetti, é este seu nome, nessa ocasião? Ele foi – respondendo com mais atrativos sobre seu trabalho – o editor do popular e ta...

Borges antes e depois de Borges

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Por Jorge Carrión A obra de Borges é repleta dessas personagens subalternas, um pouco obscuras, que seguem como sombras o rastro de uma obra ou uma personagem, ambas mais luminosas. Tradutores, exegetas, estudiosos de textos sagrados, intérpretes, bibliotecários, incluindo sedutoras figuras e arruaceiros. Borges define a autêntica ética da subordinação [...] Se uma nota de pé desse texto que é a vida do outro: não é essa a vocação parasitária, a um só tempo irritante e admirável, mesquinha e radical, a que prevalece quase sempre nas melhores ficções de Borges? Alan Pauls, O fato Borges 1 A lápide de Jorge Luis Borges em Cimetière de Rois de Genebra, com sua inscrição em inglês arcaico e à sombra de uma árvore que só floresce em anos ímpares, encontra-se ao lado da tumba de uma prostituta. A de quem escreveu “Pierre Menard, o autor do Quixote ”, um conto cujo protagonista escreve em francês a cerca de mil quilômetros daqui, é kitsch : ninguém entende essa homenagem ...