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Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, de Elvira Vigna

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Por Pedro Fernandes O termo que salta aos olhos do leitor nesse título de Elvira Vigna é, não o que parece ao olhar comum, o que encerra a expressão, e sim palimpsesto . Isso porque é essa a maneira como a narradora compõe a narrativa: uma variação sobre um mesmo tom, ora derivado de um acontecimento, ora uma repetição, ora ainda um acontecimento sobre outro, como se num processo de contínua recriação. Essa maneira que é, por fim, a composição da própria estrutura desse romance se não é um todo inédita no tratamento do fato ficcional é uma maneira muito original no âmbito da literatura brasileira contemporânea. Vejam: não se trata de uma narrativa estratificada pela diversidade de pontos de vista ou pela exploração de uma mesma situação por ângulos diferentes – para citar duas possibilidades estruturais há muito repetidas por escritores; trata-se de um conjunto de situações marcadas pelo mesmo tema que tanto se repetem, quanto se sobrepõem uma a outra; um texto construindo-se ...

Vida vaza: uma paideia da resistência

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Por Márcio de Lima Dantas A poeta Regina Azevedo em cena do curta Vida vaza . O curta Vida vaza está estruturado na cor azul, que predomina nas indumentárias dos atores, nas águas do mar, nas tomadas dos pequenos planos. A cor azul representa as estruturas presentes no Imaginário. Tudo que se apresenta com essa cor e suas tonalidades se reveste de um ethos de infinito, no qual o indigitado real concreto vem a demandar as fronteiras da comarca do Imaginário. O azul lança sua irradiação para contraditar as cores representantes do status quo . O azul é a vereda que conduz ao devaneio e à fantasia, lugares no qual repousa a morada da “louca da casa” (Gilbert Durand). Em suma, o azul ocupa, na geografia mental, as locas da irrealidade, onde pulsam as vontades e os discursos antípodas ao estabelecido, ao que nos obrigam a ser; pela linguagem, a dizer; ao que nos fazem querer parecer algo que não somos. Enfim, o azul se opõe ao ocre e ao vermelho, cor da terra, do cenário do c...

Ossos de eco, de Samuel Beckett ou um inédito que já nasce clássico

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Samuel Beckett não teve uma juventude comum e sadia; como observou mais tarde, aqueles anos 1930 foram-lhe os piores em todos os sentidos, porque a falta de dinheiro foi sua principal ameaça e porque, desajeito e tímido, foi sempre motivo de escárnio do público. Nesse época, já havia sido professor na École Normale Supérieure, em Paris, e vagado pela Alemanha e Inglaterra graças a uma pequena herança familiar. Foi quando tentou escrever seu primeiro romance. Dream of fair to middling women  fora escrito na França, mas ainda não havia encontrado uma editora interessada em publicá-lo mesmo depois de bater à porta de várias delas: Chatto &Windus, Hogarth Press, Grayson & Grayson. As sucessivas recusas e o fim do dinheiro, obrigou-o que voltasse para casa, em Dublin, onde se dedicou a revisar o manuscrito e daí começou a escrever uma coletânea de contos.  Tal como no romance, Beckett recriou uma diversidade de episódios da vida de Belacqua, um estudante irlandê...

As últimas palavras de Christopher Hitchens

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Por Vinicius Colares Christopher Hitchens era um confesso amante do bom diálogo. Entendia a importância do debate público e, um adorador de George Orwell, levava aos seus artigos uma prosa inspirada pelo autor de A revolução dos bichos . Sempre o respeitei por essas razões  -  embora não concorde com alguns dos posicionamentos que marcaram sua postura sempre “ofensiva” (como contrário de defensiva e não do vinda do verbo ofender). Em muitos momentos de sua vida intelectual, Hitchens foi acusado de um tom proselitista em favor do ateísmo  - acusações, em alguns casos, pertinentes.  Ainda assim, sua autobiografia Hitch-22 conta até hoje com um espaço reservado em minha estante. Ao lado dela, desde setembro de 2012, outro livro de Hitchens preenche mais um pouco do espaço reservado às biografias. Foi lançado nesse período o Últimas palavras (Globo Livros), organizado por Graydon Carter, editor e colega do autor na revista Vanity Fair . São menos de 100 páginas. ...

Flash de sangue engolfada pela boca

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Por  Lucas Miyazaki Brancucci E penso que há blocos sonoros e táteis onde essas criaturas-eventos ocorrem. Ali era o escuro da sala de cinema vasta pela sua solidão p&b. A música que fazem ecoar lá dentro me desloca para aqueles movimentos sonhados, a abertura de camadas sedimentadas pelos discursos dominantes, esfacelando-se, correndo pelo rio a paisagem interior; aqui eu te conheço, Manaus: brota-se um mundo, habita-o na língua alheia – o botânico alemão, o xamã caxinauá, os padres espanhóis, os portugueses com suas manias excessivas. O mundo é uma fera indizível, se diz numa canção. Nada; nem as mensagens piscando nos bolsos, ou as ligações perdidas de alguma urgência inútil e familiar, e-mail de noticiário catastrófico ou demissões, me tiram das imagens que estão rodando, sempre. Entre o filme e nossos silêncios me intriguei com o corpo na outra extremidade da mesma fileira. Traços que se recortavam líquidos, com o lançar imprevisível das luzes da tela....

Boletim Letras 360º #184

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Mais alguns papéis digitalizados e já teremos online boa parte do arquivo de Gabriel García Márquez; esta semana novidades sobre o intenso andamento desse trabalho foram divulgadas, claro, com alguma amostra do já-feito. Aqui, copiamos todas as notícias relacionadas ao núcleo de interesse do blog, que estiveram ao nosso alcance e foram postadas em nossa página no Facebook. Em breve iremos divulgar nossa promoção - há muito prometida. Aguardem só mais um pouco. É que iremos aproveitar as ocasiões de coisas boas que pensamos já para o aniversário de 10 anos do Letras e gostaríamos de inserir essa big  promoção. Segunda-feira, 22/08 >>> Brasil: Livro-referência de Eduardo Lourenço ganha edição no Brasil Em meados de 2016, publicamos por aqui que a editora portuguesa Tinta-da-China, com sede no Brasil, passaria a editar uma coleção com autores de Portugal há muito conhecidos no nosso país mas pouco ou já não editados. Os três primeiros títulos vieram a lume:...