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Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro

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Por Rafael Kafka Na tradição literária, sabemos que o épico origina o romance em um processo complexo que para ser explicado exige mais espaço e base intelectual do autor desta pequena post. Mas basicamente, podemos dizer que o épico é o primeiro exemplo mais claro de narrativa dentro do campo literário que se volta para uma questão mais temporal, enquanto o drama foca mais nas ações das personagens. O épico narra fatos heroicos e se passa, como bem mostra Lukacs em A teoria do romance , em um mundo no qual existe harmonia entre o indivíduo e o universo no qual reside. O romance já se configura como gênero em uma Europa saída da Idade Média e começando a ter as crises de identidades que marcarão a história da civilização ocidental desde então. Ao contrário das epopeias, o romance se dá em um plano mais individualizado, servindo de expressão ao universo pessoal de um sujeito de carne e osso, que por ter em sua essência a identidade entre escritor e herói ou não. De qualquer...

Novos traços da última poeta maldita

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Por Inês Martin Rodrigo Era noite, embora sempre seja na escuridão da alma. Não fazia muito frio, mesmo o clima em Buenos Aires no mês de setembro sempre ser severo. O dia anterior havia chovido e as ruas ainda conservavam a umidade do temporal. Alejandra Pizarnik (1936-1972) fazia horas deitada na cama fumando um cigarro depois de outro. Logo, se levantou, alisou o cabelo emaranhado pela modorra, apagou a última bituca no cinzeiro de sua mesa e caminhou, pausadamente, até o quarto de trabalho no apartamento que tinha em Buenos Aires, no edifício de Montevideo 980. Aí, pegou um giz e escreveu alguns versos no quadro-negro que tinha no local: “Não quero ir nada mais que até o fundo”. Foi o último rastro que a poeta deixou e só o encontraram apenas uma semana depois. Na madrugada de 25 de setembro de 1972, Pizarnik ingeriu uma overdose letal de barbitúricos e morreu. Acudiu-lhe uma amiga, que a levou já sem vida, ao Hospital Pirovano. A morte, tantas vezes insultada p...

Nobel 2016: para o Philip Roth africano

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Por Javier Rodríguez Marcos Ngũgĩ wa Thiong’o , o africano sempre cotado ao Prêmio Nobel quando os apostadores lembram da injustiça da Academia sueca com aquele continente. Neste dia 13 de outubro todos saberão quem ganha o Prêmio Nobel de Literatura – um galardão que a cada ano produz um maremoto de especulações estimuladas em grande parte por dois sentimentos: o narcisismo e o nacionalismo. É o narcisismo que faz com que no instante seguinte da premiação uma porção de leitores lamentem que não tenha ganhado nosso escritor nova-iorquino favorito. A satisfação de dizer “eu vi primeiro” é quase maior que a curiosidade por descobrir um novo autor cujo nome sequer sabemos pronunciar. Às vezes, com o pecado vem a penitência. Cuidado com desejar que ganhe quem mais você goste: o desejo pode não se cumprir e levar nosso candidato a durante doze meses ser condenado a receber honoris causa ou não escrever mais manifestos contra Donald Trump.   O segundo fator...

Saint-Exupéry inédito

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Por José María Plaza Os encontros de O pequeno príncipe – “Este é um planeta diferente”, disse para si o pequeno príncipe enquanto viajava. Havia ido direto do deserto até o Himalaia. Desejava há tanto tempo conhecer uma montanha de verdade! Possuía três vulcões, mas chegavam aos seus joelhos. Apoiava-se frequentemente sobre o que estava adormecido, mas apenas lhe servia de assento. – “De uma montanha alta como esta montanha – disse –, poderia ver toda a humanidade de uma vez”. Mas não viu nada, só picos de granito bem afiados e grandes destacamentos de terra amarela. Se reunisse todos os habitantes deste planeta um ao lado do outro, apertados como numa plateia, os brancos, os amarelos, os negros, as crianças, os velhos, as mulheres e os homens sem esquecer um só, a humanidade caberia inteiramente em [ palavra ilegível ] da ilha de Long Island. – Se buscas um mapa-múndi escolar e perfuras com uma agulha, a humanidade se abrigaria toda ela na superfície deste orifício de ag...

Natália Correia: um sopro de liberdade na poesia portuguesa

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Por Maria Vaz Confesso aquilo que o ‘dever ser’ evitaria: não sabia bem sobre quem escreveria desta vez. Contudo, há sempre qualquer coisa de correspondência anímica que nos envia para aquilo que amamos em alguém. A inconvencionalidade que só tem quem é tocado pela liberdade. Uma liberdade que é amor. Um amor abstracto e nada mesquinho. Pelos Direitos Humanos. Pela emancipação feminina. Pela preocupação com genuinidades, e não com o politicamente correcto: que nunca é para nós, mas para o que os outros possam pensar; que, paradoxalmente, não é altruísmo de nenhum tipo, mas egoísmo e vaidade. Enfim. Para quem passe os olhos pela biografia de Natália Correia torna-se facilmente visível o brilho ontológico que carregava consigo: um brilho que a perseguia em palavras ordenadas em estrofes ou, simplesmente, na liberdade que a sua existência sempre exalou. Era uma existencialista. Uma rebelde. Não lhe chamemos poetisa, afinal sempre defendeu que a poesia era assexuada. A sua exa...

Boletim Letras 360º #190

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Octavio Paz. Encontrados papéis inéditos do poeta mexicano no arquivo da censura na guerra civil espanhola. Antes de apresentar as notícias que fizeram a semana do Letras no Facebook, apresentamos que estão abertas as inscrições para participação na promoção sobre os 10 anos do blog. Entre os brindes está toda a obra do Valter Hugo Mãe publicada em 2016 pela Biblioteca Azul e a obra completa de Raduan Nassar. Saiba mais aqui .  Segunda-feira, 03/10 >>> Portugal: Flores , o romance de Afonso Cruz, ganha o Fernando Namora de 2016 "A elevada qualidade estética", "o domínio da linguagem de ficção, a capacidade de construção de uma história e das suas personagens, sabendo lidar com a introdução do aleatório numa estrutura bem montada", o "registo lírico de apreensão do real", a relação entre "a cultura clássica a referências correntes - através de uma assinalável compreensão do quotidiano e da sua riqueza multifacetada" - eis al...