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De poesia e de poetas

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Por Márcio de Lima Dantas Anjos rebeldes. Bruegel. Gostaria de que os leitores não inscrevessem este artigo no que habitualmente se chama de crítica da cultura. Uma vertente da crítica que aponta as mazelas e os simulacros do mundo contemporâneo e que tem sido, sem dúvida, muito útil à compreensão de fenômenos correntes, embora os mais desavisados vejam nela uma nota ressentida ou pessimista. Sucede, aqui, muito mais um pequeno diagnóstico do ambiente literário da cidade. Ao fazê-lo - chamando a atenção para o resguardo de nossa memória cultural e, consequentemente, para a importância da responsabilidade com a herança do passado - , tenho em mente um referencial de autores, de obras e de público constituidores de um circuito que confirma o nosso argumento. Longe de prescrever uma idealidade com relação a autor, a um tipo de obra e a um público modelo-fruidor de arte, mantenho intacto um marco teórico mais condizente com a especificidade deste objeto chamado literatura. Acred...

Boletim Letras 360º #210

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Walt Whitman. Nos EEUU publicam um inédito do poeta quando este se aventurou pela prosa. Estas foram as notícias publicadas durante esta semana em nossa página no Facebook.  Segunda-feira, 20/02 >>> Portugal: Um site disponibiliza informações notáveis sobre o escritor português Raul Brandão. Em 2017, cumprem-se 150 anos do seu nascimento As celebrações começaram ainda em 2016 com a primeira edição do Húmus — Festival Literário de Guimarães. No dia 8 de março, o evento regressa, pouco antes da data oficial do aniversário. A grande novidade antes disso é o lançamento de um site inteiramente dedicado a Brandão, que procura “agregar informação sobre o autor”. A sua biografia, a sua bibliografia, informação sobre os seus lugares, o seu espólio e um arquivo onde possam se guardar tudo o que se vai publicando sobre o escritor e sua obra. Tudo fará parte do arquivo online. Além de vídeos com textos de Raul Brandão lidos por autores como Lídia Jorge, Afonso Cr...

Enclausurado, de Ian McEwan

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Por Javier Aparacio Maydeu Existem labirintos pelos quais dá gosto se perder. O que vem construindo Ian McEwan com conflitos morais transformados em frondosas ramagens é um deles. A casca de noz mencionada por Shakespeare em Hamlet (“Eu poderia viver recluso em uma casca de noz e me considerar rei do espaço infinito”) é o útero materno de onde um feto se sente efetivamente rei do espaço infinito da consciência e de onde exerce-se enquanto narrador desta história sombria de traição e falsidade sobre qual reluz com frequência os raios de sol do humor e os gestos com que McEwan ilumina seus extraordinários emaranhados éticos. Como em Hamlet , Claude assassina seu irmão, pai do protagonista; o feto narrador de Laurence Sterne vem-nos à mente e a melhor narrativa de Juan Marsé, Rabos de lagartixa , também; “manuscritos datilografados, lápis apontados, dois cinzeiros de vidro bem cheios, uma garrafa de uísque escocês, uma do suave single malte Tomintoul com dois dedos no fu...

Estrelas além do tempo, de Theodore Melfi

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Por Maria Vaz Não tenho a pretensão de deambular por conceitos absolutos e ideais que facilmente poderão ser catalogados como utópicos. O bom de escrever como espectador de um filme (que é arte) é não ter de atender a métodos científicos: aqui ‘sou’ eu, o pensamento, o papel em branco e toda a liberdade que algumas constituições ainda protegem, como a de expressão ou outras, inerentes ao livre desenvolvimento da personalidade. E dizer isto pode parecer deslocado, mas não o é. Este filme roda em torno da luta emancipatória de minorias, que eram cidadãs americanas, mas que possuíam menos direitos e liberdades do que aqueles que nasceram no mesmo país, com outro sexo ou outra cor de pele. O filme faz-nos regredir no tempo. A um tempo pior do que este, em que, além de existir desigualdade entre géneros, era disseminada a discriminação com base na cor da pele. Agora imaginem um enredo em torno de três mulheres, de cor (com toda a ridicularidade desumana da expressão que empre...

Os 50 anos de “Três tristes tigres”

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Por Juan Cruz  Para quem havia lido Três tristes tigres (publicado em 1967, Prêmio Biblioteca Breve no mesmo ano e censurado) haveria de ficado estupefato cinco mais tarde ao ver sentado, quase mudo, seu autor, que com esse romance mudou o humor da literatura hispano-americana. TTT , como era abreviado, chega aos cinquenta anos da sua primeira edição e na reedição da obra inclui um apêndice com os registros da censura espanhola da época que não quis o romance publicado na versão original. “O conteúdo é pornográfico às vezes, desrespeitoso outras, imoral sempre”, disse o censor José Vila Selma. “Irreligiosidade, antimilitarismo, grosseria... O romance é realmente ileíble [sic]”, reafirmam os censores. Guillermo Cabrera Infante nasceu em 1929, em Gibara, uma pequena cidade na costa leste de Cuba, e morreu em Londres, em 2005. Quando estava sentado assim, era 1972 e já então vivia no exílio com sua companheira, a atriz Miriam Gómez. Havia sido vitimado por um ata...

Yves Bonnefoy

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Por Álex Vicente Yves Bonnefoy terminou baixando a cabeça para essa “morte que diz não a toda metáfora”, como escreveu num de seus versos mais enigmáticos. O grande poeta francês, além de ensaísta e crítico de arte, professor universitário, tradutor de William Shakespeare e eterno candidato ao Prêmio Nobel de Literatura, morreu em Paris aos 93 anos no dia 1º de julho de 2016. Ficou para trás uma vida dedicada à linguagem poética que considerava um instrumento com o qual buscava iluminar a penumbra. Para Bonnefoy, a poesia era uma forma de “libertar as relações entre os homens dos prejuízos, ideologias e ilusões que os empobrecem”. Autor de um conjunto de obras traduzidas para trinta línguas, Bonnefoy propôs uma poesia ligada à realidade, que desconfiava de abstrações, conceitualismos e dogmas que havia visto fracassar. Temia pela desaparição de uma arte que considerava inerente à experiência de existir e acreditava que, se acontecesse, a própria sociedade sucumbir...