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Yorick, embaixador da morte

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Por Rafael Ruiz Pleguezuelos cena de Hamlet , adaptação cinematográfica da célebre peça de Shakespeare por Grigori Kozintsev  Não nada que eu goste mais na literatura que sua capacidade em produzir mitos. E de todos os mais conhecidos (os moinhos de Dom Quixote e a loucura, Moby Dick e a ambição do homem, os círculos do inferno de Dante e o castigo justo por nossas vidas), nenhum me seduz mais que a caveira de Yorick, uma imagem capaz de resumir toda uma história da literatura. Quando uma obra é tão popular como  Hamlet , no momento em que o público se senta no teatro não decide ver uma representação, mas uma atualização do mito . O espectador deseja, de uma maneira consciente ou inconsciente, que esse novo avatar do enredo responda à altura pela imagem idealizada que tem do texto. Como consequência, cada nova montagem da obra luta – desde há séculos, não esqueçamos – por se defender a si própria como projeto e ser capaz de estabelecer um diálogo satisf...

Boletim Letras 360º #217

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Uma semana intensa para o universo dos livros no Letras in.verso e re.verso. Poderá o leitor comprovar pela leitura deste Boletim de Páscoa. Que o feriado seja repleto de leituras e chocolates. Merecemos, que a realidade já é crua e amarga.  Sylvia Plath e Ted Hughes. Um conjunto de cartas que reafirma a conturbada relação do casal. Segunda-feira, 10/04 >>> Brasil: Um conjunto de documentos considerado secretos sobre a vida de Pedro Nava, mais de trinta anos depois de sua morte, está agora aberto à consulta dos pesquisadores. São anotações de Nava sobre homossexualidade e faziam parte de seu acervo não aberto guardado na Fundação Casa de Rui Barbosa. A liberação do arquivo se dá pouco depois de revelada uma carta de Mário de Andrade sobre o mesmo tema e mantida em censura por quatro décadas. Em reportagem para o jornal Folha de São Paulo , Maurício Meirelles afirma que grande parte dos papéis não estão datados. “Em um deles, Nava ...

O romance como escrita e leitura dissidentes

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Por Rafael Kafka Milan Kundera, em seu livro de ensaios Os testamentos traídos , analisa a moralidade do romance como ligado à suspensão de qualquer juízo moral. Tal estatuto pode ser afirmado como pertencente a qualquer gênero de arte, mas por seu caráter de escrita em prosa e narrativa o romance pode enganar leitores incautos e soar como algo didático. Mas a arte ensina sem querer ensinar por meio da provocação, da catarse e da descompressão do ser. Entendemos melhor a amoralidade do romance ignorada por muitos leitores – e eu diria até mesmo por alguns escritores que se querem sacerdotes da sabedoria moral – quando comparamos a escrita romanesca com a do poema: o gênero lírico é altamente imagético e é lido por nós mais como uma pintura escrita do que como literatura em si mesma. Somos tocados pelo poema pelo poder catártico de uma escrita feita para encantar e que não esconde o seu intento. Por esse motivo, Sartre disse ser impossível falar em engajamento da poes...

O espírito da ficção científica, de Roberto Bolaño

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Por Pedro Fernandes Como se faz um romance? A pergunta cuja resposta terá motivado um extenso grupo de pensadores, entre críticos, teóricos e mesmo romancistas, está longe de um fim. Não porque seja uma indagação sem resposta definitiva ou que as diversidades de reflexões e conceitos sejam insuficientes. Desde quando apareceu, sem nome e aparência próprias, o romance tem se transformado e na mesma medida tem se inventado novas perspectivas de pensá-lo. Mas a pergunta aqui não tem o efeito de servir de uma linha a mais nesse debate. Sua função é outra: compreender como O espírito da ficção científica , um romance dentre os póstumos de Roberto Bolaño e que possivelmente não ficou para ser publicado e mesmo assim publicou-se, não sem uma celeuma, ao menos entre os da América Hispânica, é fundamental para colocar a nu a tessitura estrutural com que o escritor modelou seu universo ficcional. A resposta, se oferecida, nasce de uma aproximação indireta da obra romanesca do ...

Antonio Di Benedetto, um escritor do anti-Boom

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Por Jimena Néspolo Pode uma ficção repetir nosso presente? Talvez as dobras do tempo aquela especulação científica que fabula sobre a existência de curvaturas espaciotemporais seja com os cachos dessa mulher abismal e fantasmática que aparece no coração de Zama só para mostrar no espelho todos os terrores que habitam o protagonista. Uma mulher de idade indefinida e sensualidade dominadora, capaz de cavar até deixá-lo no vazio ou levá-lo ali onde tudo “é um acolhedor e dilatado silêncio”. O tempo sem tempo da morte. De fato, a leitura deste romance de Antonio Di Benedetto, publicado em Buenos Aires em 1956 mas ambientado na América colonial, é como uma viagem no tempo do qual se regressa só para comprovar o engenho ou a clarividência da máquina. O elogioso artigo de dez páginas, “Um grande escritor que deveríamos conhecer”, escrito por J. M. Coetzee na The New York Review of Books e a resenha de Benjamin Kunker no The New Yorker , a inserção da obra entre as 20 melhores de ...

Onze livros para ler na estrada

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Reiteradas vezes, o Letras visitou o tema literatura e viagem para compor listas como estas (veja o final desta postagem). Mas, depois de nos concentrar tanto nos livros que nos situam em trajetórias, vividas fisicamente ou pela imaginação e sobretudo naqueles que dizem de um lugar e-ou de uma cultura, gostaríamos de dedicar atenção aos livros de itinerários, aos livros que foram escritos em viagem ou aqueles cuja narrativa se constitui itinerário por estradas diversas. Sim, o trânsito e as viagens por estradas têm sido fonte de inspiração para muitos escritores. Está na base de um segmento de obras literárias conhecidas como road trips ou road novel  e tem sua origem, adivinhem, nos Estados Unidos. Os dos títulos aqui citados oferece um panorama que atravessa desde a primeira geração das viagens em carros, aos do tempo de um sonho de singrar o país ou mesmo continentes numa boleia e aos itinerários de perdição dos sujeitos em perquirição na narrativa contemporânea. ...