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Um romance com treze títulos

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Por Pedro Fernandes Clarice Lispector, graças ao trabalho ardiloso de pesquisadores, e antes disso, de leitores apaixonados por sua obra alcança os lugares mais interessantes da cena literária dentro e fora do Brasil. Sim, é graças ao trabalho dos pesquisadores porque o mercado editorial (para este salvam-se raras exceções) e o Estado brasileiro pouco ou quase nada têm contribuído nesse processo de reconhecimento. Tanto é verdade que, só agora, tanto tempo depois de sua obra ter sido publicada – seu último romance, A hora da estrela , faz 40 anos da primeira edição em 2017 – que esses lugares mais interessantes são ocupados pela escritora. Referente ao mercado editorial, é bem verdade que no passado sua obra ganhou edição bem trabalhada – vale recordar as edições em capa dura editadas pelo então Círculo do Livro – mas, desde quando passou a ser publicada pela Editora Rocco, é bom dizer, a qualidade editorial muito ficou a desejar. Tantos anos depois, finalmente esta casa editor...

As mulheres do boom

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Por Rafael Ruiz Pleguezuelos Clarice Lispector Sempre é um bom momento para recordar o boom . E para revisá-lo. É algo tão nosso que ainda há quem possa julgar o quanto quiser seu conceito. Os que viveram aqueles anos do boom ou do postboom foram presenteados com algo que não tinha preço: a possibilidade de sonhar que eram testemunhas de certa grandeza. De um dia para o outro, algo muito importante acontecia às letras em língua espanhola. Ia-se à livraria comprar o novo livro de Carlos Fuentes, García Márquez ou o que lhe tocasse e, quando, por fim, estava em casa e mergulhava na leitura, sentia-se que com aquele livro estava se abrindo para si a história da literatura, de modo que ninguém era como esses arqueólogos que entram pala primeira vez na tumba de um faraó que soube ser mais hábil que os saqueadores. O boom foi importante sobretudo porque nos transmitiu essa grandiosidade. Reconheçam ou não, não houve membro deste circo de pulgas que é a literatura que não tenha desf...

Juan Goytisolo

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Certa vez, numa crônica em homenagem a Juan Goytisolo publicada na revista Espacio / Espaço escrito , José Saramago se referiu ao escritor espanhol como dotado “por uma consciência muito clara, e não raro dolorosa, da responsabilidade de cada ser humano perante si próprio e perante a sociedade, tomada esta, não como uma abstracção cómoda, mas na sua realidade concreta de conjunto de indivíduos e de pessoas”. Certamente, outra definição mais atenta e satisfatória que essa ficará por ser escrita sobre uma das vozes mais ativas e incansáveis – seja na construção de uma obra ampla e heterogênea, seja na maneira como se posicionou ativamente em nome de uma revisão da história do homem e da humanidade, perfazendo um lugar muito caro a qualquer intelectual, o do engajado politicamente. Em 2014, seis anos depois de aposentar-se da escrita ficcional, Juan Goytisolo ganhou o Prêmio Cervantes, o mais importante das letras em espanhol. O romancista barcelonês, um dos autores mais cervan...

Boletim Letras 360º #224

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No último dia 31 de maio concluímos uma chamada para receber textos a fim de compor um dossiê sobre a obra de Lima Barreto; foram 18 textos enviados por estudiosos de todo país; desses, cinco serão selecionados e publicados a partir de julho, ponto alto do ano dedicado ao escritor, quando é homenageado durante a Festa Literária Internacional de Paraty. Por falar nisso, o programa do evento foi divulgado nesta semana e está entre os destaques desta edição do Boletim Letras 360º. Enquanto isso, continuam abertas as inscrições para o sorteio de um exemplar com todos os contos de Dostoiévski .  Jorge Amado e José Saramago. A estreita amizade dos escritores será lembrada durante a FLIP com a edição das cartas dos dois. Mais detalhes ao longo deste Boletim.  Segunda-feira, 29/05 >>> Brasil: Uma antologia com a poesia de José Luís Peixoto Além dos romances, o escritor português também é conhecido pela sua produção do gênero poesia. Pela prim...

Na tua face: Vergílio Ferreira constrói a complexidade feminina em Ângela

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Por Marina Rufo Spada Boyd Em Na tua face , romance escrito em 1993 pelo português Vergílio Ferreira, é-nos exposto duas figuras femininas de características ímpares, psicológica e fisicamente. Embora tais figuras sejam de complexa análise – dado o característico uso de Vergílio Ferreira das analepses, prolepses, elipses, monólogos interiores dentre tantas outras ferramentas de difícil descodificação – o narrador não deixa muitas ferramentas à mão do leitor, e assim nos cabe a tarefa de desatar os nós que as mantém ligadas – e amarrá-las quando necessário. Sendo assim, fica ao leitor reconstrução de elementos diegéticos a partir da seleção de fragmentos de informações que o texto oferece. Apesar das duas personagens femininas complementarem-se ao longo do romance, cabe aqui analisar a construção de apenas uma delas: Ângela. A figura de Ângela aparece-nos logo ao primeiro capítulo da trama, já formada quase que em toda sua completude. Como sendo as personagens im...

A bagaceira, de José Américo de Almeida

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Por Pedro Fernandes Houve um tempo não muito distante que o Brasil em sua boa parte era rural – sobretudo as regiões Norte e Nordeste porque quase dotadas de uma incumbência cultural (e também histórica) de produzir para a subsistência e o consumo urbano e, logo, do restante do país. Nesta última parte, duas vistas se destacaram, as extensas monoculturas no sertão e no litoral, em que as produções se concentravam entre os grandes senhores de terra, os donos dos latifúndios, estes que se beneficiavam além das benesses trocadas das estreitas relações com os setores da política ruralista do esforço sem fim dos trabalhadores do campo que eram despossuídos de terra ou de recursos para o cultivo, visto que os investimentos econômicos estavam intimamente ligados às tais relações políticas. Quer dizer, houve esse tempo ou esse tempo ainda é atual?  Entre esse tempo e o atual o que se modificou mais acentuadamente foi a paisagem rural pelas extensas migrações para a zona ...