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Nenhum olhar, de José Luís Peixoto

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Por Pedro Fernandes Sempre estivemos acomodados à compreensão de que o romance é, por relação à epopeia, produto da mimesis , isto é, uma reabsorção do mundo palpável pelos sentidos e lhe é externo. Mas, com o advento das novas estratégias de enunciação da ficção – sua assunção transgressora do epíteto de mentira , fabrico da imaginação criadora – revolucionaram a percepção de que o mimético, apenas ele, não valida o romanesco e este é, em situações diversas, como a poesia, gênero com o qual mantêm agora estreitas relações, transfiguração. A observação é para dizer que Nenhum olhar se situa no âmbito dessa não tão nova força da criação romanesca. Prefigurado como um universo à parte do universo extratextual, embora não se deixe de fazer associações como as que considera a recriação do Alentejo, no mundo engendrado por José Luís Peixoto convivem numa mesma ordem, qual os antigos universos da epopeia, as forças naturais e sobrenaturais. Tal tratamento, ao passo que...

O retorno do herói, de Laurent Tirard

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Por Pedro Fernandes Este filme é uma leve, descontraída e doce comédia de época que está distante da bestialidade das comédias de entretenimento de cariz hollywoodinesco, mesmo aquelas espécies de cópia desnecessária realizada pelo cinema francês contemporâneo. Ou seja, o espectador tem a possibilidade de saborear uma história à maneira do jeito de fazer cinema da terra dos irmãos Lumière. Em parte, não é apenas o retorno a um modelo de riso que cada vez mais tem descambado para o bestial porque alimentado pela piada de mau-gosto ou preso no acentuar do traço caricaturesco cujo propósito finda por se constituir quase sempre num sublinhado à técnica do preconceito e do estereótipo. Em parte, porque este retorno parece se reapropriar de um riso um bocado caro para a boa comédia: o do destronamento de um ideal substituindo pelo que, no mais íntimo, é a sua verdade (ou ao menos a possibilidade, diríamos, mais coerente). No caso do filme de Laurent Tirard, a figura des...

Séries, sagas, ciclos... que tal chamá-los “romances-rio”? Um jeito diferente de pensar o narrar maximalista

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Por Kent Wascom Yukio Mishima, do culto ao corpo a autor de um romance-rio. Dizem que o escopo de atenção de leitores encolheu, se não desapareceu de todo. Dos cronicamente distraídos não se pode sequer esperar que sentem e leiam um romance, ainda mais um romance que gera outros romances. E, no entanto, olhe em volta na sua livraria favorita e você nos verá: os Ferrante-febris, os   Knausgård-exaustos , amantes do romance em sua forma mais esgotada e potencialmente exaurida. Aguardamos ansiosamente o último fascículo dos romances Cromwell ,   de Hilary Mantel e o primeiro de Dark Star , de Marlon James¹. E nós dificilmente somos minoria. De fato, como Alexander Chee apontou anos atrás aqui , nossos primeiros amores narrativos são frequentemente seriais, nossa afeição livresca nascida em Nárnia, Arrakis ou Hogwarts. Não importa quão diminuto nosso escopo de atenção, ainda lemos (e mesmo escrevemos ou desejamos escrever) ficções que se espraiam por múltiplos...

Breve elogio do sexo

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Por Carlos Mayoral  La Nouvelle Justine ou Les Malheurs de la Vertu, de Sade Como alguém tende, comumente, a buscar na literatura o que não encontra na vida, é muito comum que o leitor (ou o escritor, se é que não é o mesmo) idealize a página por sobre suas possibilidades. A arte é uma vida hiperbolizada. O amor é mais amor se o descobres num soneto medieval, como a amizade é mais amizade se serve para que cavaleiro e escudeiro lutem com gigantes ou a infidelidade é mais infidelidade se aparece num romance russo. Também Londres é mais Londres se narrada sob a pena de Dickens ou, a vida em um mosteiro dos Apeninos é atrativa se a descreve Umberto Eco. E este exagero não tem por que ter somente um tom alegre. Também o medo é o mais medo sob as letras de Maese Pérez, o assassinato dói mais nas linhas de Capote que durante os trinta e cinco minuto s do jornal e a agonia se saboreia com mais amargura se é Ivan Ilitch que a padece. Até aqui, tudo bem. Agora, e o que ocorre...

Boletim Letras 360º #284

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Gostaríamos de aproveitar a ocasião deste Boletim para lembrar algo que sempre dizemos em nossa conta no Twitter @Letrasinverso: este blog recebe textos com possibilidade de publicação. Nas guias Contato e  Expediente  (ou diretamente aqui ) o leitor encontra informações sobre como enviar seus trabalhos e quais nossas linhas editoriais. Aviso dado, vamos às notícias que foram divulgadas esta semana em nossa página no Facebook . A descoberta de um recibo que esclarece qual o primeiro comprador de um livro de Jane Austen. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 23/07 >>> Brasil: Primeira biografia do escritor Wander Pirolli De janeiro a outubro de 2017, o biógrafo Fabrício Marques investigou a história de vivacidade do autor belo-horizontino. O resultado está no livro Wander Piroli: uma manada de búfalos dentro do peito  que sai pela Conceito Editorial. A biografia explora a destaca a importância do escritor para a literat...

White e Pink, de alunos de Cães de Aluguel a traficantes de Breaking Bad

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Por Wagner Silva Gomes No filme Cães de Aluguel , o mandante do crime, o que organiza a quadrilha, ao contratá-la e reuni-la para passar a tática do assalto a joalheria, discutindo como seria o processo para a execução do crime, numa espécie de aula, com quadro-negro, giz e tudo o mais, no estilo clássico de sala de aula, dá a cada um dos contratados um codinome. Dentre eles está White e Pink, os dois parceiros de Breaking Bad . O então Pink, um jovem rapaz, recusa o apelido, manifestando uma atitude de adolescentes machistas que internalizaram a moralidade patriarcal burguesa comumente externada em ocasiões do tipo para reforçar sua masculinidade para se autoafirmar ou se impor diante de um grupo de perfil igual. Com isso o então White, um homem já de meia-idade, maduro, o aconselha como um pai, que zela pelos rebentos e quer ensinar o filho a respeitar as regras, começando por saber brincar com os coleguinhas, aceitando o tal apelido, pois é apenas um dentre...