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Para tempos de isolamento: Uniões, de Robert Musil

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Por Paula Luersen “Deveríamos todos estar sozinhos com aquilo que acontece e, ao mesmo tempo, deveríamos estar juntos, mudos e fechados, como um recinto de quatro paredes e sem janelas que formam um espaço onde tudo pode acontecer realmente.” Gravura do livro Uniões                  Descrever o que o leitor encontrará em Uniões , de Robert Musil, é um grande desafio. Textos e livros costumam ser apresentados a partir de alguns modos já bastante conhecidos do público e os contos do livro resistem à maioria deles. Eu poderia dizer, por exemplo, optando por inserir Uniões entre as obras do autor, que o volume apresenta dois contos que constituem algumas das experimentações mais ousadas feitas pelo escritor austríaco. Diferentemente de O jovem Törless ou O homem sem qualidades , o autor parece abrir mão aqui de toda a mediação entre a visão das personagens principais e sua compreensão objet...

Dor fantasma, de Arnon Grunberg

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Por Pedro Fernandes Dor fantasma foi publicado em 2000 e cinco anos depois ganhou tradução no Brasil; na ocasião, Arnon Grunberg circulava por aqui com o premiado Amsterdã blues , seu primeiro romance. A boa recepção desse título certamente favoreceu a rápida aparição do romance em língua portuguesa; os editores saltaram outros dois títulos que separam as duas publicações. Os movimentos no mercado editorial são meio inconsequentes. Se não tardou nosso contato com dois livros de um escritor promissor, tardou a continuidade da chegada de sua obra, visto que, depois de 2005, esperamos mais de uma década para uma reentrada dos livros do holandês no nosso circuito com a apresentação de Tirza , O homem sem doença e Marcas de nascença . Fantoompijn ― é este o título original deste que é o quarto livro de Arnon Grunberg ― integra a longa lista dos romances que tematizam o escritor em crise. Mas, a falta de novidade temática nunca deve ser um elemento motivador que permit...

Uma leitura do poema “Encontro”, de Alejandra Pizarnik

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Por Caio Marques Peçanha Alejandra Pizarnik. Foto: Lucrecia Plat Alguém entra no silêncio e me abandona. Agora a solidão não está a sós. Tu falas como a noite. Te anuncias como a sede. (Alejandra Pizarnik, em Os trabalhos e as noites  / Tradução Davis Diniz) Antes de tudo, há o peso do suicídio. Pizarnik tirou a própria vida. E se Clarice Lispector disse em algum momento não ser capaz de perdoar o ato derradeiro de Virginia Woolf, pois o único dever diante do mistério seria o de seguir em frente, Alejandra nos coloca de joelhos para que deixemos ao menos a poesia em paz. Para tanto, é necessário resistir à tentação de considerar a obra da argentina enquanto expressão irredutível de um fatalismo. Neste sentido, despejando biografias na latrina, não hesitaria em dizer que os escritos de Lispector e Pizarnik sofrem e fazem sofrer de dor comum: a negatividade. O fundamental, todavia, é mostrar como a insurgência do acaso contra o sujeito, através de eventos ...

O amor do pasto secado: Manuelzão e Miguilim

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Por Guilherme Mazzafera Em seu primeiro ano como novo arrancho editorial da obra de João Guimarães Rosa, a Global optou pela publicação de três obras de monta. Sua escolha, em um primeiro momento, parece ser a de repor, em novas edições com aparatos críticos inéditos, altamente relevantes ou consideravelmente esquecidos, as obras com que os leitores rosianos estão mais familiarizados, não deixando de lado, é claro, as listas do vestibular. Tendo iniciado o percurso com Sagarana e seguido até Primeiras estórias , que já tivemos a oportunidade de resenhar (veja aqui e aqui ), Manuelzão e Miguilim, primeira parte do tríptico em que Corpo de Baile veio a ser reforjado, conduz-nos a uma etapa intermediária da obra rosiana que o mero elencar de obras e datas não permite entrever. Para quem acompanhou Rosa apenas pelos livros, ignorando suas publicações em jornais e revistas entre 1947 e 1954, a data 1956 desponta quase como seu annus mirabilis . Com diferença de menos de ...

Sérgio Sant'Anna, um esteta da língua dos raros na literatura brasileira

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Por Pedro Fernandes Sérgio Sant'Anna. Foto: Daniel Ramalho. Arquivo do Jornal Cândido. Em 2019, Sérgio Sant’Anna pode comemorar, sem alardes, os cinquenta anos de carreira literária; é bem verdade que, como todo grande escritor, a data é simbólica. Não apenas pelos sentidos nela implicados ― a tradição com a palavra e a dedicação a um ofício ―, mas por que através dela foi possível estabelecer uma retrospectiva sobre o desenvolvimento de um universo, cujas fronteiras continuavam ainda em franca expansão.  “A cada nova obra, procuro fazer alguma coisa diferente. Do contrário, perderia a graça”, disse em 2018 ao jornal Cândido ; e sabemos que o escritor carioca seguia ativo na porfia da renovação literária. Na efeméride, a casa editorial que publicou a obra do escritor desde o fim dos anos 1980, reeditou por recomendação de uma amiga de Sérgio Sant’Anna, o romance Amazona . O livro sempre apresentado como uma ótima opção para o acesso ao trabalho criativo do mest...

Boletim Letras 360º #377

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DO EDITOR 1. Aqui está mais uma nova edição do Boletim Letras 360º. Esta publicação foi criada para o Letras há 374 semanas e reúne as informações disponibilizadas (ou não) na página do blog no Facebook. 2. Agora, mais ainda, reforçamos o pedido que se tornou universal: se puder, fique em casa. E estar em casa é sempre uma oportunidade de ouro para ler. Obrigado pela companhia e, boas leituras! A prosa breve de Bulgákov ganha edição no Brasil. LANÇAMENTOS O trabalho de vanguarda de Mihail Sebastian . A narrativa de Fragmentos de um diário encontrado é constituída em torno da figura de alguém que se entrega aos labirintos de circulação urbana em busca de algo tão perdido quanto indefinível: através das passagens desse diário o autor anônimo encarna o olhar do errante sobre a cidade. Obra de 1932, ambientada em Paris, escrita por Mihail Sebastian (1907-45), afinado com o caráter rebelde das vanguardas artísticas europeias das décadas de 20 e 30, que influ...