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De fotobiografias. A formação de Antonio Candido

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Por Pedro Fernandes Uma fotobiografia é um arquivo pessoal aberto para o mundo. Quando o registro fotográfico abandona o espaço íntimo todo um sentido é ampliado ou tornado outro. E na era da reprodutibilidade, toda fotografia encontra-se suscetível à manipulação e revisão de seu estatuto. O que dizer das centenas de milhares de partilha de não fotografias de Clarice Lispector, ou do retrato manipulado de Frida Kahlo como a adolescente sensual de arma na mão, ou da montagem dos encontros de Rimbaud e Verlaine sobre os quais não sobram o registro por foto, ou a falsa imagem de um George Orwell no front depois de adotar um cão abandonado? Tudo isso significa que a ideia original segundo a qual uma fotografia é a transformação de um instante em força perene não é mais, sozinha, um conceito sobre o seu papel. É óbvio que a lógica do mais puro realismo a ela atribuída começou por se modificar desde o aparecimento do cinema e das diversas técnicas de manipulação da imagem, nascid...

Da releitura como habitação

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Por Guilherme Mazzafera “Ler é cobrir a cara. E escrever é mostrá-la” Alejandro Zambra, Formas de voltar para casa Sem título. Gianni De Conno. Há um pequeno gesto que fazemos ao querer dissipar um pensamento incômodo: um menear de cabeça, um estalar de dedos, um raspar de dentes. O vincar da unha na carne para impedir o espirro. No meu caso, é forçoso dizê-lo, tenho crises de releitura. Elas surgem sem aviso: irrompem em meio ao rijo tecido de uma rotina estrábica, avultam sem refreio, exigem controle do parco tempo administrável. Muitas vezes, basta ver o nome de um autor querido, há muito olvidado, em texto alheio. Outras, o rápido vislumbre de sua lombada esquiva no amealhar-se da estante. Em suma: saudade. Do texto, do autor, de nós mesmos enquanto lemos. No primeiro volume dos diários de Emilio Renzi há uma passagem que fala da pungência mnemônica do leitor, que resguarda não tanto versos, enredos, personagens, mas o lugar em que lê determinado livro e, ...

Rei Lear na pandemia

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Por Santiago González Sosa y Ávila Rei Lear. Benjamin West (1788). Museu de Belas Artes, Boston Que imagem mais sugestiva do que a de Londres em 1606, atingida pela praga? As ruas desertas, as lojas fechadas, um ou outro cachorro sem dono, os teatros vazios, o estrídulo dos sinos que dobram diante das dezenas de mortos e William Shakespeare isolado escrevendo Rei Lear em seu ócio produtivo. Sem dúvida, uma lenda demasiado romântica para não repetir até a exaustão. Ou seria, se ao menos não falássemos da mais tremenda tragédia shakespeariana, a mais excruciante, aquela que “melhor reflete a mentalidade apocalíptica e o medo do declínio do mundo”. Vários meios de comunicação se envolveram na divulgação dessa anedota, talvez para nos inspirar ou discutir a probabilidade de que isso realmente aconteceu. Até James Shapiro, o especialista que serviu de fonte para muitos desses artigos, esclareceu que Shakespeare não compôs a peça quando a praga atingiu os londrinos, mas dura...

Breve história da ficção científica soviética e russa

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Por Rémy Bastien van der Meer O comunismo é o poder soviético mais a eletrificação de todo o país. (Lênin) A Terra é o berço da humanidade ― mas ninguém pode viver no para sempre. (Konstantin E. Tsiolkovski) Se considerarmos o romance utópico  O que fazer?  (1863), em tradução livre, como os demais títulos referidos neste texto, de Nikolái Chernishevski como literatura investigativa ou fantasia científica (o termo russo original que seria equivalente a ficção científica nos Estados Unidos a partir de 1926), então ― sabendo que Lênin foi profundamente influenciado por esse trabalho, e que ele escreveu em 1902, um tratado político com o mesmo título ― este poderia ser incluído entre os livros mais influentes da história da literatura soviética e russa. 1 E, por mais curioso ou estranho que possa parecer, é provavelmente na União Soviética e na Rússia que esse gênero literário teve a maior influência, em todos os aspectos, e particularmente na h...

Boletim Letras 360º #386

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DO EDITOR 1. Caros leitores, abaixo estão as notícias divulgadas durante a semana na página no Facebook (ou não) e a atualização das demais seções deste Boletim com as recomendações de leitura, assuntos de arredores do campo de interesse do blog e a sugestão de visita a algumas das publicações apresentadas aqui. Obrigado a todos pela companhia ― sigamos juntos. Boas leituras! Alexandre O'Neill. Foto: Nuno Calvet. Obra do poeta português é publicada pela primeira vez no Brasil.  LANÇAMENTOS Nova edição e tradução de um clássico de Robert Louis Stevenson . Nas sombrias ruas de Londres, um criminoso sem escrúpulos espreita. Seu nome é Sr. Hyde, e sua conexão íntima e injustificada com um respeitável médico da vizinhança, o Dr. Jekyll, é motivo de suspeita. Publicado pela primeira vez em 1886 com o título Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde , esta novela é um clássico do autor escocês Robert Louis Stevenson. Seus personagens se tornaram célebres e influ...