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Miguel Ángel Asturias: o homem e a obra

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  Por Giuseppe Bellini Miguel Ángel Asturias. Foto: Jean Marquis   Poucos meses após a morte de Pablo Neruda, outro gigante das letras hispano-americanas morreu em Madri em 9 de junho de 1974: Miguel Ángel Asturias, Prêmio Nobel de 1967. Com ele desapareceu um dos maiores narradores da língua espanhola, talvez o maior do século XIX, e um homem que ao longo da vida deu o exemplo de uma resistência que nunca cedeu à ditadura ou à bajulação do dinheiro e do poder.   Ele nasceu em 19 de outubro de 1899 na Cidade da Guatemala; os seus pais ― ele advogado e ela professora ― demitidos pelo ditador Estrada Cabrera, a quem se opunham implacavelmente, tiveram de se refugiar numa pequena cidade do interior onde se dedicaram ao pequeno comércio para sobreviver. No contato com o mundo rural e com a dura vida dos camponeses, Miguel Ángel Astúrias escolheu o seu caminho, que será sempre o de defender os fracos e se colocar em oposição aos tiranos. Quando volta à capital para iniciar os ...

A lua e as fogueiras, de Cesare Pavese

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Por Pedro Fernandes   Todo aquele que saiu de sua terra de origem carregará consigo, no mais íntimo, o desejo do retorno. Uns, talvez desavisados porque seduzidos demais pelas artimanhas do saudosismo, cumprirão o caminho de volta; outros, errarão continuamente, como quem perdeu alguma coisa e a cada vez que dela se aproxima lhe escapa; outros ainda, céticos demais, preferirão constituir suas raízes no lugar de destino. O narrador de A lua e as fogueiras perfaz uma síntese dessas três maneiras de estreitamentos do homem com seu lugar origial, ainda que não consiga precisar com rigor o ponto do início de tudo.   Colocado em criança para a roda dos enjeitados, é uma família camponesa dos arredores de Canelli que o toma como cria da casa não pelo interesse de acrescentar ao ajuntamento um filho e sim a renda de cinco liras pagas uma vez ao mês pelo Estado. O agravamento da miséria se passa com a destruição da lavoura numa geada repentina; sem condições de honrar com os compromi...

Clarice Lispector ou a alegria do descobrimento

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Por Christopher Domínguez Michael No dia 15 de janeiro de 1944, o crítico literário brasileiro Sérgio Milliet observou em seu Diário crítico : “Raramente tem o crítico a alegria da descoberta. Os livros que recebe dos conhecidos consagrados não lhe trazem mais emoções. Já sabe o que contêm, seria capaz de sobre eles escrever sem sequer folheá-los. Quando porém o autor é novo há sempre um minuto de curiosidade intensa: o crítico abre o livro com vontade de achar bom, lê uma página, lê outra, desanima, faz nova tentativa, mas qual! As descobertas são raras mesmo. Pois desta feita uma que me enche de satisfação.”   Milliet (1898-1966), paulista que descobriu sua vocação crítica como jovem testemunha da mítica Semana da Arte Moderna, acabava de descobrir Clarisse (sic) Lispector e seu primeiro romance, Perto do coração selvagem . Seria um pseudônimo? ― perguntou a si mesmo em seu Diário crítico . E logo soube que Clarice Lispector (1920-1977) era uma emigrada judia ucraniana que chego...

Pequeno-burgueses, de Maksim Górki

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  Por Joaquim Serra   Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, Mas foram os reis que transportaram as pedras? “Perguntas de um Operário Letrado”, Bertolt Brecht. Maksim Górki. Foto: General Photographic Agency / Getty   Dois nomes, Anton Tchekhov e Maksim Górki, marcariam de forma diversa a literatura russa da passagem do século. De um lado, o escritor contido, já inovador do gênero conto e da dramaturgia, dono de uma prosa concisa “também testemunha por excelência, sutil, e aparentemente imparcial, de uma época sombria, a Rússia das duas últimas décadas do século XIX” (Angelides, 2002, p. 27). Do outro lado, Górki surge com um evidente sucesso nos fins dos anos 1890, com suas personagens saídas do submundo, vigorosas e obstinadas, que marcariam definitivamente o imaginário russo e abririam espaço para uma nova forma de realismo nos anos seguintes. Os dois escritores mantiveram um diálogo epistolar intenso. Górki mostra grande entusiasmo pe...

Fisionomia afetiva das estantes

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Por Guilherme Mazzafera Biblioteca de Antonio Candido. Foto: André Seiti   A estante é o homem: eis a máxima imperecível. Não se trata de apostasia pelas verdades transcendentes, mas daquela devassa ao material que nos define como seres históricos, enraizados nas palavras de romances que nos levam... às verdades transcendentes. Ou ao Japão feudal, à Samoa do tísico Stevenson, e, quem sabe, a algum lugar em La Mancha de cujo nome não me quero lembrar.       Todo leitor se depara com aquele momento crucial de adquirir (ou mandar fazer) uma ou mais estantes. Quando perguntados sobre o sentido de estocar material já lido (falarei dos não lidos adiante), não há melhor resposta que a do cético George Costanza ― o mesmo que, perenemente corrompido pelos hábitos televisivos, não conseguiu encarar mais de duas páginas de Breakfast at Tiffany’s ― diante do esgar prático de seu amigo Jerry Seinfeld: it’s a book ! Há todo um universo vocabular próprio para o armazenamento ...

Boletim Letras 360º #404

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    DO EDITOR   1. Saudações, caro leitor! Neste 27 de novembro de 2020, o blog Letras in.verso e re.verso ultrapassa a linha para os 14 anos online. Neste tempo muita coisa aconteceu ― boas e ruins. Se olharmos de perto, não é gratuito que primeiro apareçam as coisas boas. Um espaço que nasceu sem quaisquer pretensões alcançar os limites que alcançamos talvez seja a melhor delas. 2. Vale partilhar com vocês alguns números que ainda servem de espanto para um blog num país acusado reiteradamente de pouco afeito à leitura. Pelo Letras, os leitores passaram 2,7 milhões vezes (dos recantos mais variados do mundo, p.ex., Hong Kong nos visita mais que o país-irmão Portugal e nosso maior público visitante depois do Brasil é dos Estados Unidos). 3. Em termos de conteúdo, já editamos mais 3,7 mil textos sobre livros das mais variadas feições literárias, perfis de escritores, comentários sobre filmes, listas de leituras e de filmes, ensaios sobre temas e questões das mais variadas...