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Itinerário do tempo, de Jonas Leite

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Por Pedro Fernandes   O nascimento de um poeta deveria ser um motivo de celebração. Mesmo num país feito de um poeta a cada esquina e um leitor em cada estado; mesmo num país que muitos dos seus poetas não se leem ou apenas os de um reduto se contemplam, se acarinham e se autoconsideram os senhores poetas do país, os continuadores de uma estirpe ou os seus negadores. Tudo isso mais o espalhamento dos tentáculos que constituem o estamento dos desumanos reforçam que, sim, o nascimento de um poeta deve ser celebrado.   Como é recorrente na maioria dos casos, isso que encontramos como o livro de estreia e que sempre tratamos como o ponto de nascimento do seu autor, é sempre uma pequena ilusão. Afinal, é quase sempre impossível determinar precisamente o começo de tudo. A criação poética não é pura revelação. Embora alguma vez se tenha acreditado nisso, contemporaneamente quando entendemos a escrita como um ofício e seu produto como uma parte desse esforço, não nos resta qualquer d...

Jauja, de Lisandro Alonso

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  Por André Cupone Gatti   Viggo Mortensen está ali como um tal de Gunnar Dinesen, um expedicionário dinamarquês, um cavaleiro quixotesco ou um John Wayne dos filmes de John Ford. O cinema western e a literatura romanesca são as principais referências da primeira metade de Jauja . Os planos bem abertos, as paisagens grandiloquentes, a pose do herói, os gestos do vilão, os boatos sobre um facínora, a tragédia amorosa da mocinha, tudo nos conduz a uma espécie de farsa ou fábula construída com signos enxutos e claros.  Lisandro Alonso, no entanto, retorce algumas referências em prol de seu estilo ou da produção de novos significados: a dinamicidade é diluída em longos planos sequência, a câmera movimenta-se pouco, os planos são quase sempre abertos, e a proporção de tela é a menor possível (1:33:1), remetendo não só ao cinema clássico até 1950, mas principalmente aos fotogramas do cinema primitivo — aqui também estão as bordas abauladas a aumentar o domínio da câmara es...

Henryk Sienkiewicz: um prêmio Nobel perfeitamente desconhecido

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Por Alessandra Miyagi Henryk Sienkiewicz em seu apartamento em Varsóvia em Wspólna, meados da década de 1890.   Numa manhã de 1888, o escritor mais famoso da Polônia acordou em sua casa em Varsóvia, bebeu uma xícara de café preto e abriu sua caixa de correio. Entre as cartas, contas e notificações, descobriu um envelope comum, mas curioso. Não possuía endereço de remetente e o verso dizia apenas “Para o Sr. Henryk Sienkiewicz”. E embora o conteúdo exato dessa carta tenha se perdido para sempre, provavelmente dizia algo como:   Caro Litwos:   Você não me conhece, mas eu certamente te conheço. Sou um grande admirador de seu trabalho. Acompanho sua carreira desde quando começou a publicar artigos e crônicas de viagens, até o último de seus romances.   Peço que aceite os 15.000 rublos que lhe envio junto com esta mensagem, como um agradecimento pelas horas de infinito prazer que me proporcionou com seus livros. Sei que você não precisa do dinheiro, mas considere como a c...

Como J. R. R. Tolkien impediu que W. H. Auden escrevesse um livro sobre ele

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Por Emily Temple   Como muitos de nós, W. H. Auden foi um grande fã de Tolkien em sua época. Em 1954,  o celebrado poeta glorificou   A Sociedade do Anel no The New York Times , dizendo que “Nenhuma ficção que li nos últimos cinco anos me deu prazer maior”. Depois disso, os dois passaram a se corresponder com frequência; Tolkien enviou a Auden cópias antecipadas das próximas duas partes e os dois discutiram a obra de Tolkien  com algum vagar. ( Auden pensava , por exemplo, que Tolkien deveria se livrar do romance entre Aragorn e Arwen, mas no final  o poeta não parecia muito incomodado com isso .) Dez anos mais tarde, no entanto, quando Auden se propôs a escrever um livro sobre Tolkien para a editora cristã Eerdmans, como parte da série “Autores contemporâneos em perspectiva cristã” (cujo escopo incluiria nomes como J.D. Salinger, John Updike, Saul Bellow e C.S. Lewis), Tolkien categoricamente recusou. Enquanto Auden é frequentemente apontado como uma das ...

Boletim Letras 360º #430

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DO EDITOR   1. Caro leitor, esta foi uma semana atípica, das que acontecem uma ou duas vezes por ano no calendário de novidades literárias . Se acompanha nossa conta no Facebook, viu isso. 2. Com tanta coisa, ficou decidido dividir as informações entre duas edições do Boletim Letras 360º: o material total resultaria mais de vinte páginas em arquivo Word. Então, a seguir, está parte das notícias apresentadas durante a semana na página do blog no Facebook e o conteúdo das demais seções de leitura criadas em momento posterior à existência deste Boletim. 3. Se a curiosidade não permitir esperar o próximo sábado para o restante das notícias e se estiver na referida rede social, o convite é feito para acompanhar o Letras aqui . A garantia é certa: se gosta de livros, saber sobre livros, não se arrependerá. 4. Reitero os agradecimentos pela companhia do nosso trabalho. Boas leituras! Julio Cortázar. Foto: Ulf Andersen.   LANÇAMENTOS Pela primeira vez no Brasil, todos os contos do a...

José Donoso e o pássaro que devorou suas entranhas

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Por Aurora Villaseñor José Donoso. Foto: Miguel Sayago. Nem a vocação para a medicina do pai e dos irmãos, nem a aplicação à lei dos avós advogados conseguiram oferecer a José Donoso um interesse genuíno pelas pessoas. Em entrevista concedida em 1989, aos 65 anos, declarou: “Não de estar comprometido, confesso, mas não sou um homem político. A polis para mim é outra coisa, é um interesse. Sou muito mais egoísta do que tudo isso, muito mais individual, muito mais focado em mim mesmo. Estou muito mais interessado nas minhas doenças do que nas doenças da sociedade”, disse o escritor.   A intensidade com que parava de escrever era paralela a um sofrimento de úlceras que o faziam cair de cama, e que o tornaram um doente focado em seu próprio desconforto. Mas muitos anos antes de somatizar os contratempos da escrita, o chileno que fez parte do Boom latino-americano foi um inconformista que deixou sua cidade natal Santiago e fugiu para Magalhães, onde chegou resignado por não poder embarc...