Postagens

Escrever, de Marguerite Duras

Imagem
Por Paula Luersen Marguerite Duras. Foto: Hélène Bamberger.   Chega às livrarias nesse final de 2021, pela Editora Relicário, a coletânea de textos Escrever de Marguerite Duras. É um livro mandatório para os leitores da autora. A força arrebatadora presente em obras como O amante e Hiroshima mon amour aparece ali concentrada, com precisão e franqueza ímpares. Cada texto contribui para o panorama de uma atuação que se desdobrou em ensaios, roteiros, peças, romances, colaborações e direções de cinema. Mas não à toa o primeiro texto, “Escrever”, é também o que confere título ao conjunto. Meias palavras, relatos desinteressados ou quaisquer subterfúgios são dispensados nesse ensaio, dando lugar a um autorretrato de Marguerite, inteiro e sombrio, como uma mulher escritora no contexto do pós-Segunda Guerra.   Antes de comentar esse ensaio em específico, cabe sublinhar que o livro chega em um momento interessante para os leitores brasileiros por diversos motivos. No ensaio “O...

Uma vida comum, de Uberto Pasolini

Imagem
Por Solange Peirão Causa impacto esse filme, criado e dirigido pelo cineasta Uberto Pasolini, começar com cenas de serviços fúnebres religiosos de crenças variadas. No espaço, o morto, o celebrante e uma pessoa que se conhecerá mais adiante. Trata-se de John May, o funcionário público londrino, acionado para inspecionar a casa dos que são e morreram só. A princípio, lembra um perito procurando as provas de um crime. Paramentado, cauteloso, vasculha o ambiente da casa, que em geral já encontra revirado. E nessa procura, o cineasta expõe as marcas, ainda frescas, de uma antiga vida solitária: um pote de creme com a marca dos dedos, um travesseiro afundado no centro, um varal com calcinhas. E fotografias. E elas, as fotografias, vão compor a mola mestra que costura a narrativa desse belo filme. Servem para dar pistas sobre a identidade do morto. Mas, para esse obcecado perito, são o caminho também para localizar seus entes queridos. Afinal, ambos merecem esse derradeiro encontro. Em ...

Três guerras, três tempos: “Cândido”, “A cartuxa de Parma” e “14”

Imagem
Por Michele Soares “The Night Window”, de 1917 (2019, Dir. Sam Mendes) No começo de “O contador de histórias” 1 , Walter Benjamin parte do óbito da qualidade da experiência para escrever sobre a agonia e a morte do contador de histórias. O exemplo ao qual recorre está bastante próximo dele mesmo, Benjamin, que atravessou o tempo de uma guerra (a Primeira), para morrer, encurralado e suicidado, antes de assistir ao final da Segunda. Diante da disjunção entre experiência da guerra e arcabouço simbólico não reafirmado, os soldados — ao menos os que tiveram a sorte de voltar da guerra — teriam retornado mudos, sem ter como (ou por que) dar forma verbal ao que viveram nas trincheiras. Assim como Benjamin aponta que a morte do contador de histórias não é fato novo/contemporâneo, também podemos inferir que a pobreza da experiência pode ser anterior ao ano de 1914. Para fins de exercício, vamos estreitar o olhar em três romances, de três autores franceses, em atividade em três séculos diferent...

Boletim Letras 360º #461

Imagem
    DO EDITOR   1. Caro leitor, a semana que agora finda foi a nossa última com atividades diárias aqui no Letras. De agora até o final de janeiro, as publicações entram em ritmo lento, uma ou outra post, ou nenhuma. E este boletim, passa a circular em formato reduzido, sem as seções de costume. As redes sociais que têm presença do blog continuam a funcionar normalmente.     2. E, em quase gesto de despedida de 2022, aproveito para lembrar à solidariedade de final de ano sobre o segundo sorteio do pequeno clube de apoios ao Letras. Desta vez, o leitor premiado receberá três excelentes livros da Pontoedita: Ida Um romance , de Gertrude Stein; Faça-se você mesmo , de Enzo Maqueira (anunciado por aqui na edição anterior deste Boletim); e Desvio , de Juan Francisco Moretti.   3. Para saber como se inscrever para sorteio que acontece em janeiro visite aqui . E caso busque algo mais sobre esses títulos pode consultar o site da editora ou visitar uma das publicaç...

Christopher Isherwood, a memória alegre

Imagem
Por Manuel Hidalgo Christopher Isherwood. Foto: Peter Schlesinger.   Os gêneros literários, como se sabe, não se configuram segundo a sexualidade, hétero ou homossexual, dos escritores, embora se fale da literatura gay ou da poesia sáfica, o que seria, antes, identificar rótulos de uma predileção temática, obviamente ligada à um ponto de vista que sem dúvida parte de identidades outras.   Uma certa classificação de Christopher Isherwood (1904-1986) — e de outros — como autor gay tem muito a ver, é claro, com a ênfase das manifestações literárias e pessoais do escritor britânico em relação à sua sexualidade. Não apenas seu olhar e conteúdo homossexual são explícitos em seus livros, mas ele foi um dos primeiros escritores do século XX a reconhecer publicamente sua posição sexual em entrevistas, em militar abertamente a favor dela e, isso é importante, em dotar seus livros de uma farta e franca carga autobiográfica relacionada às suas experiências sexuais. Sem pertencer orig...