Postagens

A história sonora de “Nosferatu”, um clássico do cinema mudo

Imagem
Por Silvia Cruz Lapeña   Quando criança, Friedrich Wilhelm Murnau sonhava em ser como Gustav Mahler. Em Nosferatu , o clássico do cinema mudo que marcou o caminho dos filmes de vampiros e que este ano marca o centenário de sua estreia, é possível ver essa vocação até no subtítulo: Sinfonia do horror . Não foi a única vez. Em sua outra grande beleza cinematográfica, Amanhecer (1927), Murnau optou por completar o título de forma semelhante : Sinfonia de duas pessoas . E de acordo com Edgar G. Ulmer, que trabalhou para ele como cenógrafo e depois se tornou diretor de cinema, ambos foram filmados por seu mestre com um metrônomo na mão, dispositivo usado para medir o ritmo de composições musicais.   Por isso, embora o filme seja mudo, teve uma paisagem sonora que se perdeu, mas ainda pode ser ouvida prestando atenção nos detalhes do filme, lendo os diários de pessoas ligadas ao filme, as crônicas da estreia e alguns dos livros dedicados à obra de Murnau.   Para começar, o fil...

Escritores em viagem e romances de viagem

Imagem
Por Joaquín Pérez Azaústre Caspar David Friedrich, Caminhante sobre o mar de névoa , 1817.   Você precisa de uma viagem, mas ainda não sabe para onde. Diz o seu corpo, lhe diz o medo diante de uma sala que se torna cada vez menor, mesmo quando escreve. Essa febre de luz e palavras que chegam em torrente agora se torna espessa. Porque é disso que você sente falta quando estende os olhos além do limite do texto: distância, horizonte. Isso que lhe dá pano de fundo e perspectiva em contraposição de vozes.   Você precisa se mexer com urgência: impossível pensar em tudo isso sem considerar os dois últimos anos de pandemia, porque o confinamento tem sido um sufoco moral. Precisamos nos expandir além de nossos ambientes, para que possamos voltar e suportá-los novamente: até mesmo celebrá-los, se ficarmos tranquilos. E os escritores que sobreviveram à tentação de escrever seu romance sobre a Covid precisam seguir o caminho para encontrar, mais uma vez, seu lugar de escrita no regresso....

O compromisso de Zelda Sayre e F. Scott Fitzgerald

Imagem
Por Beatriz Eduarte Zelda Sayre e F. Scott Fitzgerald. Arquivo Antibes. Quem foi Zelda Sayre, além da senhorita nascida em 24 de julho de 1900 em Montgomery (Alabama), companheira de um escritor e personagem recorrente na ficção dele? Pronunciar “Zelda” é evocar uma espécie de conjuração, fantasia, ou uma princesa trancada na torre mais alta, refém da pior prisão chamada Mente. Esse cubículo às vezes escuro, às vezes cheio de luz e, às vezes, de uma neblina que dificulta a clarificação de nossos pensamentos, realidades e emoções, e cuja fuga — se conseguida — resulta muito mais trabalhosa do que qualquer outra que se tenha visto em Alcatraz.   No entanto, regressemos. Aos primeiros anos da juventude em que a depressão não era conhecida nem esperada, porque as únicas coisas que pulsavam nas ruas de Montgomery eram as festas, os bailes, o vai-e-vem das bebidas compartilhadas e a marcha dos jovens bem-vestidos que procuravam a amante, a mulher ou a “garota perfeita”. Foi assim que F....

Boletim Letras 360º #492

Imagem
    DO EDITOR   1. Caro leitor, se você está entre os apoiadores do trabalho do Letras in.verso e re.verso estejam atentos: no dia 31 de julho sortearemos um exemplar da edição especial de Ensaio sobre a cegueira , de José Saramago.   2. Se você ainda não enviou seu ao apoio e gostaria de fazê-lo e concorrer a este e outros livros, basta ler as informações aqui — é rápido e prático.   3. Relembro ainda que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você ganha desconto e ainda ajuda ao Letras sem pagar nada mais por isso .   4. Fica o registro de um excelente fim de semana a todos que ajudam e acompanham este projeto. Pier Paolo Pasolini. Foto: Giancarlo Botti.   LANÇAMENTOS   Um relato franco e comovente sobre a própria trajetória e a importância da persistência .   Em Manifesto: sobre como nunca desistir , a autora de Garota, mulher, outras — livro vencedor do Booker Prize de 2019, traduzido para mais de...

Marco Aurélio ou a educação do estoico

Imagem
Por Pablo Sol Mora Marco Aurélio. Ilustração: Begoña Blázquez Parro   Já contei que em casa havia vários livros das coleções da Aguilar: Obras Eternas, Joya e Crisol. Desde criança estes últimos me chamavam a atenção, por seu tamanho, muito pequeno, e suas cores: verde para poesia, azul para o teatro, vermelho para a prosa literária e café para a filosofia. Eventualmente comecei a lê-los e ali puder ler pela primeira vez, digamos, Madame de La Fayette ( La princesa de Clèves ), La Bruyére ( Caracteres ), Cícero ( Los oficios ), Unamuno ( Niebla ), Étienne Gilson ( Santo Tomás de Aquino ), Dickens ( Grandes esperanzas ), André Maurois ( Turgueniev ), Joan Maragall ( Antología Poética ), o Viaje de Turquía ,¹ entre outros. Contudo, se tivesse que escolher um único título da coleção teria que ser o dos Moralistas griegos (Madrid, 1960), no qual descobri meu herói da Antiguidade, Marco Aurélio.   Os Solilóquios – ou Meditações , ou Reflexões , ou Pensamentos , na verdade, o títu...

As divagações existenciais de um português pós-moderno. Análise crítica da obra “As intermitências da morte”, de José Saramago

Imagem
Por Lucas Pinheiro José Saramago. Foto: Leonardo Cendamo.   Seria simples vir aqui e comentar sobre as características técnicas e estilísticas de Saramago, mas você, leitor instruído, com certeza já sabe, e entende, que ele foi um autor de apostas ousadas em sua literatura. Quem diabos deixaria toda uma população cega em um de seus romances? Apenas um autor demiurgo de veemente agilidade, é claro. Ora, primeiro ganhador português do Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, de modo irreverente, neste livro que resenho, propõe reflexões sobre a morte e outras instâncias da vida humana, sendo esta a protagonista absoluta da narrativa, enquanto constrói críticas à sociedade, revelando sua hipocrisia, sem intermitências, à luz da morte — desafiando a própria mortalidade enquanto subverte, ironicamente, o tema desgastado da imortalidade.   Eis que, no primeiro dia do ano, em um país sem nome, a morte resolve tirar férias e, inicialmente, isso é motivo de festa! Em pouco tempo, ent...