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O gaviero Álvaro Mutis

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Por Mario Benedetti Álvaro Mutis. Foto: Ulf Andersen O colombiano Álvaro Mutis é uma das vozes literárias mais significativas do panorama ibero-americano. A compilação de seus poemas escritos entre 1948 e 1988, intitulada Summa de Maqroll el Gaviero , significa que o leitor irá mergulhar nele, numa região criada como uma barreira contra a morte.¹   O dicionário define a palavra gaviero como “grumete que nos navios a vela sobre ao cesto da gávea, a fim de avistar a terra”. Mutis, como Maqroll, também esquadrinha o horizonte e o acaso, em busca de um futuro aprazível, nem premente ou forçado. “E eu que sou homem de mar”, diz Maqroll, “para quem os portos apenas foram transitório pretexto de amores efêmeros e rinhas de bordel, eu que ainda sinto em meus ossos o balanço da grande vela a cujo alto extremo subia para olhar o horizonte e anunciar as tempestades [...]”.   No entanto, quando o Gaviero começa, “sem propósito deliberado, um exame de sua vida”, esse avanço interior acaba ...

Eureka, Poe!

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Por Christopher Domínguez Michael Em seu incompleto elogio a Edgar Allan Poe, a segunda peça de Los raros (na edição ampliada de 1905), Rubén Darío já adivinhava a influência “profunda e transcendente” que, mais de meio século depois de sua morte, difundiu aquele gênio. Mas Darío, como tantos de seus contemporâneos, ainda não podia conhecer a influência de Poe no novo século. Ninguém como o autor de Os assassinatos da Rua Morgue (1841) seria tão importante para aquele velho ramo da literatura que é a poética, graças a Baudelaire, Mallarmé e Paul Valéry, quanto para a cultura popular. Ao lado do poeta perturbado em sua imemorial torre de marfim pelos mistérios da pura poesia, Poe também inspira o mais modesto e consagrado dos roteiristas cinematográficos. Não há nenhuma série televisiva ou filme associado ao terror, ao crime ou à investigação policial, que os moderníssimos tenham feito operar como competência da metafísica, alheias ao toque de Poe.   Pouco se sabe, no entanto, ape...

Boletim Letras 360º #548

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Jon Fosse Foto: Tor Stenersen LANÇAMENTOS   Um romance hipnótico e inesquecível de um dos grandes nomes da ficção literária norueguesa .   Signe está deitada em um banco de sua casa no fiorde e tem uma visão de si mesma há mais de vinte anos: parada na janela esperando por seu marido Asle, no fatídico dia de novembro quando ele saiu com seu barco e nunca mais voltou. Suas memórias se ampliam para incluir a vida do casal e mais: os laços de família e os dramas que remontam a cinco gerações, até Ales, a trisavó de Asle. Na prosa vívida e alucinante que fez de Jon Fosse um dos mais destacados autores contemporâneos, esses momentos — assim como os fantasmas do presente e do passado — coexistem no mesmo espaço. É a Ales é uma obra-prima visionária e oferece uma reflexão assombrosa sobre o amor, a perda e o legado de nossos antepassados. Com tradução de Guilherme da Silva Braga, livro sai pela Companhia das Letras.  Você pode comprar o livro aqui .   O novo título no pro...

Maurice Blanchot: a escrita da recusa

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Por Rosa Martínez González Lygia Clark. O eu e o tu , 1967. MoMA.   Maurice Blanchot é, ainda hoje, um pensador inclassificável: escritor contra o ato de escrever, pensador contra a instituição da Filosofia, suas propostas tanto no âmbito da teoria literária quanto no da especulação filosófica parecem resistir, dada sua aparente obscuridade, à compreensão da cultura normativa. Ao longo destas linhas, tentaremos fornecer algumas sugestões acerca de duas noções centrais que perpassam toda a obra de M. Blanchot: os conceitos de refus e de révolution .   A nova tarefa do escritor: escutar a refus , fazer a révolution   A primeira coisa que deve ser destacada é que, se ambas as noções — recusa e revolução — são centrais no pensamento de M. Blanchot, não é tanto porque caracterizam sua posição política — também — porém, sobretudo, porque definem o que, segundo ele, determina a exigência ético-política de toda atividade literária crítica: a literatura como o espaço situado no...

Diário confessional, de Oswald de Andrade

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Por Pedro Fernandes Oswald de Andrade. Foto: Jorge de Castro. Acervo FBN.   Parece que, quando a certa ideia de gênio foi desconstruída, com ela se modificou a noção pública dos textos. O interesse pela oficina dos escritores não é novidade do nosso tempo, tanto que já se expandiu, fez escola, estabeleceu-se com um ramo dos estudos literários. Nesse apogeu, os materiais que antes apenas serviam à lixeira ou aos investigadores de determinada obra são descobertos pelo mercado editorial como um novo filão. Logo, à obra incompleta, seguiu-se uma variedade de outros interesses criadores de uma biblioteca agora interminável feita de correspondências, diários, cadernetas com anotações, versões originais do texto, versões incompletas e até a reprodução similar do manuscrito ou datiloscrito.   Esse acesso às dependências privadas da oficina de um escritor pode ser oferecida por ele próprio; a composição das memórias, mesmo da versão de sua diarística ou o registro ensaístico sobre a e...

Todas as Carmen

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Por Ernesto Diezmartínez Melissa Barrera e Paul Mescal, em Carmen .   Quanto é possível descarmenzar Carmen? Ao longo da sua história cinematográfica — mais de oitenta versões, entre curtas e longas-metragens, filmes de animação, musicais, telefilmes e óperas filmadas —, “la Carmencita” foi transferida para diferentes tempos e espaços. Foi a cigana original que aparece no romance publicado por Prosper Mérimée em 1845, mas também a ingovernável jovenzinha afro-americana que enlouquece um sério soldado em Carmen Jones (Preminger, 1954), a indomável bailarina de flamenco que interpreta Carmen e que se (con)funde com o personagem na soberba versão de Carlos Saura de 1983, a jovem criminosa francesa que seduz um policial até transformá-lo em delinquente Prénom Carmen (1983) de Godard, a robusta suburbana sul-africana no musical U-Carmen-eKhayelitsha (Dornford-May, 2005) e, agora, uma mexicana clandestina nos Estados Unidos (Melissa Barrera) em Carmen (França-Austrália, 2022), audaz ...