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Boletim Letras 360º #556

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Machado de Assis. Arquivo Fundação Biblioteca Nacional. LANÇAMENTOS   Uma coleção recupera toda obra de Machado de Assis publicada em vida .   Da estreia, em 1861, com a peça Desencantos , ao último romance, Memorial de Aires , de 1908, passando por obras como Contos fluminenses , A mão e a luva , Papéis avulsos , Histórias sem data , Quincas Borba , Dom Casmurro , Poesia completa e Esaú e Jacó , a coleção reúne 25 volumes, em ordem cronológica, que permitem observar o percurso de Machado até se tornar o autor de alguns dos maiores clássicos brasileiros. Há também um volume extra, Terras , testemunho de seu trabalho como servidor público, função que exerceu por mais de quarenta anos, tratando de questões cruciais para o país. Com texto estabelecido a partir de edições revistas pelo autor e apresentações inéditas para cada livro, a caixa condensa um trabalho editorial de rara envergadura, resultado de um intenso processo de pesquisa e edição que durou quatro anos e foi desenvo...

A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera

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Por Sérgio Linard Milan Kundera. Foto: Václav Chochola   A vida é repleta de imprecisões e de incertezas que fazem com que levemos um bom tempo dela buscando criar algum tipo de constância e/ ou de rigidez para um material que — tardamos a perceber — é naturalmente maleável. Diuturnamente, escolhas precisam ser feitas e suas devidas consequências acabam por ganhar aspectos que julgamos positivos e/ ou negativos, como se todo o ser fosse somente uma disputa constante entre esses dois polos.   Dentro dessa disputa entre o ser bom e o ser ruim, o ser leve o ser pesado, o ser fácil e o ser difícil, rachaduras imaginárias vão se consolidando e separando aquilo que moral e socialmente elencamos como inadequado ou adequado e assim o fazemos de forma repetida e constante. A bem da verdade, tem-se o fato de que nunca saberemos como teria sido algo “se” fizéssemos de maneira distinta ou por caminhos diferentes, tudo o fora disso é simples especulação. Para nossa sorte, porém, temos a o...

A invasão do povo do espírito, de Juan Pablo Villalobos

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Por Pedro Fernandes Juan Pablo Villalobos. Foto: Jonathan Saldaña Foi em 2015 que Submissão , de Michel Houellebecq arrastou o escritor francês para uma dessas encruzilhadas armadas, sabemos, por um público renovadamente intolerante ao discurso literário; entre as acusações pesou a de islamofobia devido a narrativa, recuperando a teoria da grande substituição, antevia a tomada da França por um poder centrado na lei islâmica. Quase uma década mais tarde, é possível pinçar o tema em A invasão do povo do espírito , de Juan Pablo Villalobos. O caso é atenuado porque ao realismo futurista de Houellebecq, o escritor mexicano propõe um futurismo realista e a substituição, nesse caso, do americano pelo oriental aparece diluída no interior de uma trama feita de teoria da conspiração, especulação científica, o seu já conhecido fino humor e contada pela perspectiva de um protagonista extremamente higienizado, como se desenhado pela enjoativa cartilha do tipo politicamente correto desses capaz de...

Estranha fruta

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Por Vicente Molina Foix   O filme começa com uma canção clássica do repertório sentimental, “Estranha forma de vida”, um fado que Amália Rodrigues cantou mas que aqui ouvimos na voz de Caetano Veloso, enquanto no tela vemos um belo jovem com um rosto bastante nórdico reinterpretando-a. Contudo, a miscelânea (ou geringonça, poderíamos dizer em homenagem luso-brasileira, palavra hoje muito usada pelos portugueses), essa miscelânea, digo, não cede lugar no filme de Pedro Almodóvar a uma das selvagens fusões formais e temáticas que o diretor de La Mancha tanto gosta e que tanto influenciou a cinematografia internacional nos últimos trinta anos.   Estranha forma de vida , ao contrário, é um breve western de câmara, um diálogo de amor comprimido e sem floreios, um pequeno poema elegíaco em que brilha comoventemente aquele “sentimento trágico de vida” ultimamente tão presente em sua filmografia. E vale destacar, aliás, que, sempre contrariando o que é habitual, Almodóvar, numa fas...

Poesia épica: a busca da imortalidade

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Por Raúl Rojas Já foi dito que toda filosofia tem sua origem no dilema da mortalidade humana. Ao contrário de qualquer outro animal, a razão nos torna conscientes da natureza transitória da nossa existência. Verdade ou não, o curioso é que o longo poema mais antigo que se conhece na literatura, a chamada Epopeia de Gilgámesh , se desenvolve justamente em torno desse tema, ou seja, o caminho para alcançar a vida eterna. O poema épico surgiu, fragmento por fragmento, como uma compilação das façanhas do mítico rei Gilgámesh, que se acredita ter governado a cidade suméria de Uruk no século 28 ou 27 a.C., tornando-se uma divindade nos séculos subsequentes. Pensa-se que grande parte da lenda de Gilgamesh foi transcrita gradualmente há cerca de 4 mil anos. Já nos tempos babilônicos, um escriba chamado Sîn-lēqi-unninni reuniu todas as histórias, com começo e fim, e essa é a versão que chegou até nós. A disposição do texto tem causado debates e objeções, uma vez que existem diversas transcriçõe...

Mundo escrito e mundo não escrito, de Italo Calvino

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Por Juan Malpartida Italo Calvino. Foto: Albert Negrin   A obra de Italo Calvino (Cuba 1923-Itália 1985) não está alheia às buscas estéticas de sua época, do neorrealismo às ideias derivadas de concepções estruturalistas e semióticas. Calvino foi um escritor para quem uma obra era um problema a ser resolvido e esse problema, em princípio, é de natureza formal. Poucos romancistas ou poetas do seu tempo consideraram a poética do romance e o significado do leitor de maneira tão profunda e contínua. E poucos a partir de uma atitude não sujeita a concepções prévias, mas auxiliada por uma busca aberta. Desta liberdade em relação à procura e ao respeito pela literatura — que nunca o levou a esquecer que a literatura é apenas uma dimensão parcial mas essencial da realidade — há um testemunho notável na sua correspondência de trabalho na editora Einaudi.   Em Mundo escrito e mundo não escrito , compilação de artigos, conferências e entrevistas resgatados por Mario Barenghi, encontram...