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“Cassandro”: arrancar a máscara da masculinidade

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Por Elisa de Gortari Saúl é um jovem lutador que se apresenta com um nome gris: El Topo — muito antes de se tornar Cassandro. Na tentativa de derrotar um lutador de Juárez que não suporta, ele se junta a uma treinadora chamada Lady Anarquía. Além de prepará-lo fisicamente, ela o aconselha a abandonar a máscara e se jogar no ringue como parte dos exóticos , personagens da luta livre que o público rejeita como afeminados e que funcionam como trupes.   Saúl sabe muito bem: o problema é que os exóticos nunca vencem. Eles são vilões numa cultura machista. Não é fácil ser um jovem homossexual nos anos noventa e na fronteira, mas Saúl quer abrir caminho no mundo como se este fosse uma metáfora do ringue.   Cresceu assistindo luta livre com o pai e telenovelas com a mãe. Precisamente, uma telenovela venezuelana chamada Kassandra lhe dá inspiração para um nome artístico. Só então Saúl concebe o personagem com o qual conquistará um lugar na luta livre. Numa das próximas apresentações, ...

Sidarta, Hesse, não-objetos

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Por Eduardo Galeno   On the hill we viewed the silence of the valley (Yes, 1972)   Roger Dean. Close to the edge , 1972 .    A grande imagem em Sidarta (1922) é sem forma. O romance de Hesse é uma demonstração de não-objetos.   Mas vejamos: de Hesse, veio a nuance peculiar de estar num lugar repleto de buracos escavados por outros. Por Joyce, por Proust, por Kafka, pelos mais diferentes discursos (mas falantes do mesmo ) imbricados na esteira do pensamento literário. Ali, onde nutria certa ordem num plano de desordem enunciativa, também elevou seus passos nas brenhas do século. Como observação, talvez possamos caracterizar o autor de Demian (1919) e O lobo da estepe (1927) não em contramão ao aspecto prometeico, já bastante falado nas propriedades da escritura pós-iluminista, mas em decisão contínua-descontínua.   É, aliás, em relação à descontinuidade continuada que incito a pensar: de que modo um homem nascido em terras alemãs, morto na Suíça, pacifi...

Alfred Jarry, Ubu e a patafísica

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Por Jon Viar Alfred Jarry na sua  Clément De Luxe, 1896, em frente ao Phalanstère de Corbeil.   No passado dia 8 de setembro de 2023 comemorou-se os 150 anos do nascimento do dramaturgo simbolista Alfred Jarry. É curioso que esta efeméride tenha passado um pouco despercebida, pois a figura de Jarry é essencial para a compreensão do século XX. Existem dois temas no pensamento e na obra do autor. São os dois temas de sua obra: por um lado o grotesco personagem Ubu, e por outro lado a “patafísica”. Ambas as questões são sintomas de uma adolescência turbulenta marcada pela figura ridícula do professor de física do Liceu de Rennes, Monsieur Félix-Frédéric Hébert. O simpático professor tentava fazer experimentos físicos que nunca devam certo e sua obesidade mórbida era motivo de ridículo para os alunos. Começaram a chamá-lo de “Père Héb” e o descreviam como tendo uma única orelha e três dentes: um de metal, um de madeira e outro de pedra.   Por geração, ligado ao simbolismo, J...

Boletim Letras 360º #579

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    DO EDITOR   Olá, leitores! Nesta semana chegamos ao fim das apresentações dos colunistas que publicarão no Letras a partir desse ano. Saiu o texto de estreia de Herasmo Braga. Na chamada divulgada no início de 2024, foram selecionados seis novos autores.  Fica o convite para que leiam os seus textos, comentem e compartilhem.   É urgente estabelecer a descentralização dos espaços de diálogo e as próprias discussões acerca dos objetos literários. É o mínimo que podemos fazer nesses tempos de largo obscurantismo marcado pela tendência para o raso e a imposição de modelos aquém dos valores artísticos que merecemos. Um excelente final de semana! Valter Hugo Mãe. Foto:  Lucilia Monteiro   LANÇAMENTOS   Um romance delicado e profundo de Valter Hugo Mãe sobre o amor fraterno e a necessidade de cuidar de alguém .   Pode o amor de um irmão ser divino igual ao amor de uma mãe? Como os pássaros, os irmãos Pouquinho e Felicíssimo vivem nas alturas,...

Filosofia e Literatura: diálogos formativos entre Ricœur e Dostoiévski

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Por Herasmo Braga Graeme Wilcox. Reflector (detalhe).   Importante nos atermos que a potência da fala só se tornará válida se produzir sentido, e este deve pertencer aos seres, atendendo tanto aos anseios particulares como os coletivos. Assim, no tocante a essa ideia, encontramos a ética como princípio e item primeiro da narrativa e dos seus compartilhamentos mediante as visões de Ricœur e Dostoiévski, como podemos ilustrar neste mais um fragmento de Memórias do subsolo ao referenciar que, “Repito, repito com insistência: todos os homens diretos e de ação são ativos justamente por serem parvos e limitados. Como explicá-lo? Do seguinte modo: em virtude de sua limitada inteligência, tomam as causas mais próximas e secundárias pelas causas primeiras e, deste modo, se convencem mais depressa e facilmente que os demais de haver encontrado o fundamento indiscutível para a sua ação e, então, se acalmam; isto é de fato o mais importante”. Observamos nas vertentes expressas que a autoconsc...

A oração do carrasco, de Itamar Vieira Júnior

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Por Guilherme de Paula Domingos   Dois livros são escritos quando o autor publica. Um é o livro propriamente dito, assinado por quem o escreveu. O outro é o livro que vai se desenhando e fica por bastante tempo no imaginário do leitor, com as questões que traz à tona.    O talento de Itamar Vieira Júnior em A oração do carrasco está em desenvolver através de alegorias temas que nos são dolorosos. Aqui há referências a navios negreiros, carrascos, tribos indígenas, como também diálogos com Clarice Lispector, Hannah Arendt, Arthur Bispo do Rosário, entre outros. A vida se tornou banal, assim como a maldade na tese arendtiana. Um carrasco não sabe mais quantas pessoas já matou porque a crueldade do seu serviço, travestida de ação necessária para livrar o mundo de atos piores, está aliada a um cálculo que o poder faz sobre o valor de cada vida.   Itamar nos traz a figura do carrasco personificada em vários tipos que atravessam nossa história desde tempos antigos. O carr...