Boletim Letras 360º #576

 
 
DO EDITOR
 
Olá, leitores! Nesta semana chegamos ao fim das apresentações dos colunistas que publicarão no Letras a partir desse ano. Saiu o texto de estreia de Herasmo Braga. Na chamada divulgada no início de 2024, foram selecionados seis novos autores. Fica o convite para que leiam os seus textos, comentem e compartilhem.
 
É urgente estabelecer a descentralização dos espaços de diálogo e as próprias discussões acerca dos objetos literários. É o mínimo que podemos fazer nesses tempos de largo obscurantismo marcado pela tendência para o raso e a imposição de modelos aquém dos valores artísticos que merecemos.

Um excelente final de semana!

Valter Hugo Mãe. Foto:  Lucilia Monteiro


 
LANÇAMENTOS
 
Um romance delicado e profundo de Valter Hugo Mãe sobre o amor fraterno e a necessidade de cuidar de alguém.
 
Pode o amor de um irmão ser divino igual ao amor de uma mãe? Como os pássaros, os irmãos Pouquinho e Felicíssimo vivem nas alturas, em casas incrustadas em uma rocha íngreme na pequena comunidade do Buraco da Caldeira, na Ilha da Madeira. É ali, entre a natureza indomável, uma paisagem mítica e a fé imensurável, que eles passam os seus dias em meio à labuta diária, movidos por um amor sublime, que corteja o divino. Desde o nascimento de Pouquinho, Felicíssimo soube que lhe caberia a função de cuidar do irmão caçula, que nasceu com uma condição física incomum e flanava em algum lugar entre o estranho e o santificado. Felicíssimo, porém, aceita desde o primeiro momento esse compromisso não como um dever, mas como um ato supremo de afeição. Com um projeto gráfico especial e prefácios do músico Rodrigo Amarante e do professor de Literatura Carlos Reis, Deus na escuridão explora a ideia de que amar é sempre um sentimento que se exerce na escuridão. Um manifesto de lealdade e resiliência assinado com a maestria literária que tornou Valter Hugo Mãe um dos mais laureados autores do nosso tempo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um novo livro de Anne Carson chega aos leitores brasileiros.

A beleza do marido é um ensaio sobre a ideia do poeta John Keats de que beleza é verdade, e também a história de um casamento contada em vinte e nove tangos. Um tango — assim como um casamento — é algo que você precisa dançar até o fim. Anne Carson, poeta e ensaísta premiada, além de uma das mais inventivas autoras da atualidade, faz desta obra um fascinante exercício de linguagem em que acompanhamos, a partir de cenas eróticas, comoventes, dolorosas e cômicas, um casamento que desmorona. A beleza do marido é um ensaio sobre a ideia do poeta John Keats de que beleza é verdade, e também a história de um casamento contada em vinte e nove tangos. Um tango — assim como um casamento — é algo que você precisa dançar até o fim. Anne Carson, poeta e ensaísta premiada, além de uma das mais inventivas autoras da atualidade, faz desta obra um fascinante exercício de linguagem em que acompanhamos, a partir de cenas eróticas, comoventes, dolorosas e cômicas, um casamento que desmorona. Somente Carson, grande especialista da literatura grega clássica, e que tem atualizado a leitura das obras do período, poderia criar um — livro em que o mais antigo dos temas líricos, o amor, ganhasse uma abordagem tão inovadora e contundente. O livro sai pela Bazar do Tempo. A tradução é de Emanuele Siqueira e Julia Raiz. Você pode comprar o livro aqui.
 
O romance de estreia de Pablo Casella.
 
“Fica esperto, contra o fogo não pode haver afobação”, aconselha Deja, o “frente” de um grupo de brigadistas voluntários, para um adolescente em seu primeiro combate contra o dragão, como alguns chamam os incêndios de grandes proporções — muitos causados por ações criminosas — que devoram a fauna, a flora e os rios da Chapada Diamantina, na Bahia. O grupo liderado por Deja é formado por gente como ele — moradores da região que arriscam a própria vida para deter o avanço descontrolado das chamas. Cunga, Zia, Trote, Jotão, Adobim, Firóso e Abner, mais o cachorro Mutuca, são alguns dos voluntários. Antes mesmo que as instâncias governamentais adotassem as políticas públicas necessárias, esses brigadistas se lançam a apartar a briga do fogo contra a terra com técnicas criadas instintivamente e sem equipamentos adequados. Sobretudo nos tempos de seca, que é quando se enfiam nas matas por dias e dias, sem descanso. Cada qual expande ao seu modo esse universo peculiar, mas é a visão do líder, narrador em primeira pessoa, que torna tudo complexo e vivo. Sua linguagem, concisa e marcada pela oralidade, reflete o homem que é: brusco, simples, mas muito sensível à vastidão e aos detalhes de seu mundo — um mundo em que a palavra falada é soberana. Neste romance de estreia, Pablo Casella aborda um tema urgente com uma prosa bela e original, que parece ter brotado direto do chão da Chapada Diamantina. Contra fogo é publicado pela editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma exploração arrebatadora acerca do que fica e do que se perde.
 
No apartamento de sua tia recém-falecida, a narradora tem de confrontar-se com uma série de documentos do passado familiar: fotos, cartas, cartões-postais, diários e souvenirs. Ao mesmo tempo ficção e ensaio, narrativa pessoal e história coletiva, Em memória da memória é uma exploração arrebatadora acerca do que fica e do que se perde, traçada por Maria Stepánova em uma prosa lírica e permeada de curiosidade intelectual. Com tradução de Irineu Franco Perpétuo, o livro sai pelo selo Poente, da Editora WFM Martins Fontes. Você pode comprar o livro aqui.
 
Pela primeira vez no Brasil, o polêmico livro de Yoko Ogawa, Hotel Íris, ganha tradução direta do japonês, assinada por Jefferson José Teixeira.
 
Yoko Ogawa, em Hotel Íris, concede a narração à personagem Mari, uma adolescente de dezessete anos que trabalha na recepção do hotel que dá título ao livro. O estabelecimento fica em uma região litorânea e é um negócio de família, que tem como administradora a mãe da jovem, uma mulher linha-dura e viúva. A ordem do cotidiano é comprometida quando, certa noite, irrompe uma discussão entre uma prostituta e um homem misterioso, hóspedes no quarto 202. Após o escândalo, Mari sente-se atraída pelo homem, que conta cerca de sessenta anos, está às voltas com a tradução de um romance russo e tem um passado suspeito quanto à morte de sua esposa. Os dois iniciam um relacionamento para lá de controverso, com uma busca pelo prazer por meios degradantes, humilhantes e violentos. Com excelente controle narrativo, Ogawa demonstra em Hotel Íris como a memória, tema recorrente em suas ficções, pode adquirir formas variadas e nada óbvias. Determinado desejo, por exemplo, que parece estranho demais e até inexplicável — como pode alguém querer isso?, perguntamos —, à luz de uma lembrança torna-se compreensível e confere sofisticação à história, pois se revela uma associação inesperada na trama. Mari, a despeito da pouca idade e dos absurdos a que se submete, possui sabedoria o suficiente para questionar as recordações pessoais e alheias, além de perceber que nem ela, nem ninguém, se livra tão fácil de traumas graves. Em observação de seu próprio caso, ela pode afirmar, conforme diz a determinada altura da narração, que “expôs o lado mais abjeto de um ser humano”. Publicação da editora Estação Liberdade. Você pode comprar o livro aqui.
 
Quarto dos seis livros que compõem a inédita tradução integral da Bíblia do grego para o português, assinada pelo premiado professor e tradutor Frederico Lourenço.
 
Este é o volume que reúne a chamada “literatura sapiencial”, com os livros Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó, Sabedoria, Salmos, Salmos de Salomão, Odes e Provérbios. Nestas páginas, o leitor irá encontrar vozes contrastantes e complementares do antigo pensamento judaico, que revelam o pessimismo desassombrado de Eclesiastes, a exaltação erótica do Cântico dos Cânticos, a revolta de Jó, as reflexões filosóficas do livro de Sabedoria e o pensamento controverso de Ben Sira, o Eclesiástico, cujas atitudes desumanas em relação a mulheres e escravos suscitam questões incômodas até hoje. Além destes, o monumental livro de Salmos apresenta, em relação ao saltério hebraico, diversas originalidades. Seguem-se os raramente lidos Salmos de Salomão, que, apesar de seu contexto judaico, constituem o prólogo mais próximo ao Novo Testamento que nos chegou da Antiguidade. Outra curiosidade é o livro de Odes, uma marca singular da Bíblia Grega que nem todos os manuscritos dos Septuaginta preservaram. Em mais uma tradução magistral, Frederico Lourenço se debruça sobre as origens do livro mais importante de todos os tempos, sem jamais se distanciar de sua incontornável dimensão literária. A publicação é da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Jorge Luis Borges, Arthur Schopenhauer, João Guimarães Rosa.
 
O sonho é o monograma da vida retraça a teia — verbal, conceitual, imagética — que vincula a criação literária de Jorge Luis Borges à filosofia de Arthur Schopenhauer. Os rastros de Schopenhauer estão em toda parte. Do primeiro encontro com as obras do filósofo na Genebra da Primeira Guerra Mundial aos relatos, poemas e ensaios da maturidade em Buenos Aires, Borges não cessa de citar, comentar, destilar a lição idealista do alemão. Ao longo desse denso diálogo textual, vão se redefinindo todos os temas e instrumentos da escrita borgiana: caráter e ação, personagem e trama, memória e sonho, metáfora e tempo. Unindo crítica e filosofia, Márcio Suzuki mostra como, por essa via, o autor argentino chega à formulação de um “programa fantástico-idealista” e a um modo originalíssimo de figuração narrativa e poética da história — individual, sul-americana, universal. Por fim, num excurso surpreendente, o ensaio cruza a fronteira para perseguir o ressurgimento dos mesmos temas na obra de outro leitor de Schopenhauer, o brasileiro João Guimarães Rosa. Se a cadência é outra, se os jagunços de Rosa não se confundem sem mais com os gauchos de Borges, permanece, porém, o essencial: a necessidade de enfrentar o curso cego da história e do destino com as armas de uma valentia fatalista. Publicação da Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
  
O principal livro de Elisa Lispector volta às livrarias.
 
Importante registro histórico sobre a imigração judaica no século XX, No exílio narra de forma ficcional o percurso da família Lispector, da Ucrânia ao Brasil. Após receber alta de um sanatório, Lizza, uma mulher judia, começa a recordar os anos de perseguição contra os semitas, deflagrados após a Revolução Russa, e que obrigaram sua família a deixar a Ucrânia e a migrar de vilarejo em vilarejo pela Europa, ao lado de milhares de pessoas na mesma situação. Sem ter mais onde se refugiar dos ventos do nazismo, Lizza e sua família seguem para as Américas e desembarcam em Maceió. No Brasil, os dias são mais tranquilos, embora o passado recente ainda a atormente e ela não consiga encontrar uma explicação para o sem-fim de horrores em sua história, que é também a do povo judeu. “Como encadear a vida depois disso?”, Lizza se questiona ao ouvir a notícia do fim da Segunda Guerra. Já em segurança, mas ainda assombrada pelos fantasmas dos pogroms, ela não esquece a violência que testemunhou. Os sentimentos de não pertencimento, de injustiça irreparável e de expatriamento, tematizados nesta obra, são reflexos de acontecimentos definidores de nosso tempo: os conflitos da Revolução Bolchevique, a ascensão de Hitler e a divisão da Palestina. A presente edição que sai pela José Olympio conta com apresentação inédita de Benjamin Moser, escritor, historiador e biógrafo da irmã mais jovem da autora, Clarice Lispector. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
Ezra Pound pelos seus principais tradutores. A Cobalto coloca de volta Ezra Pound Poesia. Organizado por Augusto de Campos, que acrescenta texto novo ao livro, a coletânea reúne as traduções dos Cantos assinadas por ele o irmão Haroldo, Décio Pignatari, José Lino Grünewald e Mário Faustino.

Regresso ao Drina. A Grua Livros reimprime o esgotado Ponte sobre o Drina do sérvio Ivo Andrić. Este romance o Prêmio Nobel de Literatura de 1961 testemunha três séculos e meio da vida cotidiana dos habitantes de Víchegrad pela perspectiva da ponte referida no título.

OBITUÁRIO
 
Morreu Nuno Júdice
 
Nuno Júdice nasceu em Portimão a 29 de abril de 1949. Ocupou várias frentes do processo criativo na e com a literatura. Graduado em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, foi professor do ensino secundário e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, instituição pela qual obteve o doutorado. Foi diretor das revistas Tabacaria e Colóquio/ Letras. Deixou vasta obra desenvolvida entre a prosa (ficção e ensaio), o teatro e a poesia. Na ficção, entre os livros publicados, encontram-se A manta religiosa (1982), A mulher escarlate (1997), A árvore dos milagres (2000), A ideia do amor e outros contos (2003), O enigma de Salomé (2007) e O complexo de Sagitário (2011); no ensaio, O processo poético (1992), As máscaras do poema (1998), A viagem das palavras (2005) e O ABC da crítica (2010); e no teatro Antero – Vila do Conde (1979), Flores de estufa (1993) e O peso das razões (2009). Nuno Júdice destacou-se na poesia, onde está situada extensa parte da sua obra literária; um livro ou mais por ano, entre a sua estreia em 1972 com A noção de poema e seu último trabalho publicado, Uma colheita de silêncios (2023). Recebeu inúmeros prêmios, entre eles, o importante Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana em 2013. Júdice morreu em Lisboa a 17 de março de 2024.
 
DICAS DE LEITURA
 
No passado 21 de março foi celebrado o Dia Mundial da Poesia. Seguindo a iniciativa de outra vez desta seção para a data, destacamos três livros do gênero publicados recentemente. E saiba que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Fim de verão, de Paulo Henriques Britto (Companhia das Letras, 96 p.) Uma exploração pelo dia comum pautada no desprezo pela racionalidade e como parte de um ceticismo e um sarcasmo do poeta interessado na inventividade do poema. Você pode comprar o livro aqui
 
2. Poesia, de Luís Miguel Nava (Assírio & Alvim Brasil, 352 p.) A obra reunida de um dos nomes principais da poesia portuguesa no século XX. Organizada por Ricardo Vasconcelos, esta edição traz vários textos inéditos. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Poemas, solilóquios e sonetos, de Edna St. Vincent Millay (Trad. Bruna Beber, Âyiné, 270 p.) A primeira antologia publicada no Brasil de um dos nomes significativos da poesia estadunidense. Os poemas aqui reunidos tocam naqueles interesses essenciais à poesia: o amor, o tempo, os pequenos impulsos da vida. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
Desde 2012, a página do Letras no Facebook alimenta uma seção integralmente dedicada à poesia. É possível ler, comentar e compartilhar mais de mil textos até agora disponibilizados. Vamos semear a rede com o que vale? Acesse aqui.
 
BAÚ DE LETRAS
 
Mais poesia. Por aqui, você pode acessar todas as publicações já realizadas pelo poeta português Pedro Belo Clara no âmbito do seu projeto coordenado no Letras, o “De Versos”.
 
O leitor encontra disponível no Letras duas entradas acerca da obra de Nuno Júdice. Em 2015, Maria Vaz escreveu sobre os “laivos de metafisica” na obra do escritor português — leia aqui; um ano depois, ela comenta aqui o livro A convergência dos ventos.

DUAS PALAVRINHAS
 
Não sei se a Poesia pertence à Literatura ou se constitui uma outra capitania da vida e da linguagem.
 
— Lêdo Ivo, O vento do mar.

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