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Árvores cerradas

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Por Alejandro Zambra Wolfgang Volz. Christo and Jeanne-Claude: Wrapped Trees, Fondation Beyeler and Berower Parc, Riehen, Switzerland (1997 - 1998)   A história de Bonsai é a história longa de um livro curto. Nove anos atrás, em uma manhã de 1998, encontrei no jornal a fotografia de uma árvore coberta por um tecido transparente. A imagem pertencia a série Wrapped Trees , de Christo & Jeanne-Claude, artistas que há décadas correm mundo recobrindo paisagens e monumentos nacionais. Lembro que escrevi, naqueles dias, um poema não muito bom que falava de árvores cerradas, encerradas. E logo me deparei com os bonsais, tão parecidos, em certo sentido, com as árvores de Christo e Jeanne-Claude, embora reduzidas, à força, pelo capricho da poda.   Escrever é como cuidar de um bonsai, então pensei e agora penso: escrever é podar os ramos até dar a ver uma forma que já estava ali, oculta; escrever é alambrar a linguagem para que as palavras digam, de uma vez, o que queremos dizer; es...

Bambino a Roma, de Chico Buarque

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Por Pedro Fernandes   O romance de Chico Buarque publicado no ano de celebração do seu octogésimo aniversário é um retorno ao tipo memorialístico iniciado com O irmão alemão , livro no qual recontou os bastidores de descoberta e procura de Sergio Günther, o filho nascido do enlace amoroso de Sérgio Buarque de Holanda com Anne Ernst. Em Bambino a Roma é outra a busca do escritor, por um certo menino que existiu durante os dois anos em que o pai se mudou com a família para ser professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma.   O interesse por uma pequena fração da infância é uma peculiaridade dessas memórias ficcionalizadas, afinal, o mais comum entre os escritores que se propuseram cumprir esse itinerário é o desenvolvimento do amplo painel da primeira fase da nossa existência, atendendo o desejo, sempre idílico, que se forma em certa passagem da vida. E essa escolha de Chico Buarque é, como qualquer uma, motivo para algumas questões. Perguntamo-nos por que, especifi...

Tipos de gentileza: os sacrifícios do amor

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Por Ernesto Diezmartínez   Ao terminar o primeiro segmento dos três que compõem Tipos de gentileza (Estados Unidos, Grécia, Irlanda e Reino Unido, 2024), o nono longa-metragem do representante máximo da “Estranha Onda Grega”, o internacionalizado e hollywoodizado Yorgos Lanthimos , Vivian (Margaret Qualley), uma jovem de longas pernas impossíveis, sempre vestida com uma precária minissaia, levanta-se da cama onde estava descansando para pegar um teclado e começar a (mal)tonar aquele inesquecível clássico romântico dos anos setenta “How Deep Is Your Love”, escrito por Barry, Robin e Maurice Gibb, mais conhecidos como Bee Gees.   Lembra da música? Se no início o vocalista descreve um cenário pastoril em que o amor que se presume existir se funde com os raios do sol, com uma chuva torrencial ou com a brisa de verão, logo duvida da permanência e até da fidelidade daquele sentimento almejado. Duvida, então, do amor e entra o pegajoso refrão, implorando pela resposta à pergunta do ...

Um exórdio em Decameron

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Por Eduardo Galeno Maestro di Jean Mansel. Gerbino embarca no navio da filha do rei de Túnis. Ente Nazionale Giovanni Boccaccio.   *   O exórdio é o pulo apresentador, demonstrativo, antecipando o corpo de uma enunciação. E estou certo de que ele, se não fosse pela adesão corriqueira das escritas modernistas pela dinamite-signo — que tem seu poder armado naquela querela de negação —, passaria perto do que formulamos hoje como ‘normal’ nas poéticas (ao menos em vias originalmente comuns). É nítido, porém, que o exórdio, em matéria aristotélica, é muito mais retórico, exibido no para-além da literatura, que qualquer outro ponto. Apesar disso, nós — que ficamos habituados à introdução — temos em mão vários e vários exemplos de práticas letradas que usaram e abusaram desse ornamento. Desde a entrada de Homero na boca de Ulisses à saída de Camus na loucura de Mersault, esses movimentos se declararam na clareira do dia. Não seria diferente em Boccaccio. Persistência, quase no fim do...

Quatro problemas de filogenia na narrativa breve contemporânea

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Por Michelle Roche Rodríguez Ilustração: Afonso Cruz.   1 Até quando procuraremos “mestres”?   Procurar “mestres” é tão ineficaz quanto apegar-se ao cânone. Há algum tempo, a palavra “cânone” tem sido usada para designar as obras de autores que merecem destaque da crítica acadêmica ou da imortalidade das coleções de “clássicos” nas editoras. Mas o desafio ao cânone nasceu com o próprio cânone. Desde o início, este foi percebido como um clube exclusivo do qual se rejeitava aqueles que escreviam da periferia, incluindo as mulheres. Em O cânone ocidental (1994), Harold Bloom, autoridade no tema, reclama da existência de uma certa “Escola do Ressentimento”, oriunda de uma “trama acadêmico-jornalística” interessada em refutar o cânone para promover “supostos (e inexistentes) programas de mudança social”. Refere-se, claro, ao feminismo e a outros grupos ligados às reivindicações raciais que, mais de trinta anos antes, se tinham estabelecido como eixos do movimento pelos direitos ci...

Boletim Letras 360º #602

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Maria Judite de Carvalho. Foto: Arquivo Colóquio/ Letras (detalhe) LANÇAMENTOS   Está disponível para os leitores brasileiros a obra completa de Maria Judite de Carvalho .   O projeto editorial de reapresentação da obra completa de Maria Judite de Carvalho começou a revelar seus primeiros frutos na terra natal da escritora; era passagem de duas décadas sobre a morte da escritora portuguesa, quando o selo Minotauro, da Almedina, anunciou o feito que começa a chegar no Brasil ainda no mesmo ano de 2018. Herdeira do existencialismo e do nouveau roman , a sua voz é intemporal, tratando com mestria e um sentido de humor único temas fundamentais, como a solidão da vida na cidade e a angústia e o desespero espelhados no seu quotidiano anónimo. Observadora exímia, as suas personagens convivem com o ritmo fervilhante de uma vida avassalada por multidões, permanecendo reclusas em si mesmas, separadas por um monólogo da alma infinito. Desde então saíram seis volumes: no primeiro , os con...