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Cinco poemas do romantismo inglês — pela pena dos seus mais celebrados artífices¹

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  Por Pedro Belo Clara     Joseph Arthur Palliser Severn. Landscape with Distant Mountains, 1899.   GEADA À MEIA-NOITE 2 (S. T. Coleridge, 1772 - 1834)   A Geada executa o seu secreto ministério, Sem auxílio de qualquer vento. O grito da corujinha Alto soa — e, escutem!, de novo, tão alto quanto antes. Os hóspedes da minha cottage , já em repouso, Deixaram-me à mercê dessa solidão que propicia Abstrusos devaneios: isto exceptuando, a meu lado Meu filho em seu berço tranquilo adormece. Tão sereno! De modo tal que perturba E vexa a meditação com o seu invulgar E completo silêncio. Mar, colina e madeira, Esta vila populosa! Mar, colina e madeira, Com todos os incontáveis eventos da existência, Inaudíveis como sonhos! A fina chama azul Do fogo ardendo lento permanece e não se agita; Apenas essa película, palpitando na grade,   Palpita ainda, o único elemento inquieto. Creio que os seus movimentos, nesta quietude natural, Concedem-lhe obscuras simpatias para c...

Boletim Letras 360º #606

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Armando Freitas Filho   LANÇAMENTOS   O último livro deixado por Armando Freitas Filho .   Com maestria e absoluta sensibilidade, o autor revisita os temas que lhe são caros — o ofício da poesia, o Rio de Janeiro, a passagem do tempo, o amor, o desejo e a finitude. Ver, escrever, ler, reler. À máquina, à mão, ou a lápis, no computador. De pé, com pressa, no tumulto do dia, com caneta emprestada. Ou então sentado, à noite, no silêncio da casa. Poema fresco, novíssimo, rasurado, que se escreve enquanto o pensamento caminha. Poema impresso, na folha amarelada, guardado na estante, lembrado de cor, ou quem sabe esquecido, sem nenhum resquício do que o motivou. O poema, como se percebe neste livro, serve para ver melhor. Para reconhecer a própria casa, seus ruídos, sua mobília e seus moradores. Para decodificar a paisagem, enxergar o mar batendo na pedra e também para observar a precariedade e a beleza dos dias, o envelhecimento, o esquecimento, a suspensão e a linha do horiz...

Armando Freitas Filho, poeta do seu tempo

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Por Pedro Fernandes   “Mas como não sou prosador de ofício e sim poeta do meu tempo, sem odes e odisseias, minhas linhas são magras almejando ser graciliânicas em um dia excepcional qualquer.” Armando Freitas Filho. Foto: Ricardo Borges As aspas são de Armando Freitas Filho e estão num texto em que o poeta nascido no Rio de Janeiro a 18 de fevereiro de 1940 responde, diante de uma mesa em constante expansão de acúmulos, à pergunta “Preciso ou não arrumar minha mesa?” — título que integra o livro Só prosa (2022). As linhas magras, graciliânicas, compôs uma obra extensa e singular para a poesia. Nos vários registros que deixou, encontramos como recorrente, uma expressão miúda, contornada por uma timidez, e que se enraíza numa poesia cujo tempo se abriu para a dúvida ante a constância do sujeito e das coisas.   Nos registros de imagem, que também a partir da sua geração, encontrou o mesmo campo de importância e divide significação com os materiais verbais, é singular uma fotogr...

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

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Por Pedro Fernandes Ronaldo Correia de Brito. Foto: Hélia Scheppa   Uma vez próximo ao desfecho de Rio sangue irrompe mais um dos muitos regatos que constituem o todo complexo de uma história que ambiciona contar a formação do interior do Nordeste brasileiro, quando os portugueses amargam as primeiras crises econômicas com a colônia fundada em 1500 e iniciam o processo de avanço pelos sertões. Neste breve fio, situado mais próximo do nosso tempo, encontramos um interessado em contar a história que vimos lendo e entre os problemas levantados no e a partir do diálogo com a prima, uma professora primária, está a ausência de uma obra literária capaz de, perfazendo o poder da épica, contar das inúmeras batalhas assumidas entre colonizadores e indígenas até a posse dos territórios em nome da Coroa. Recuperamos essa passagem porque nela parece que encontramos o interesse do próprio Ronaldo Correia de Brito com este romance.   Embora a personagem referida não esteja totalmente ignora...

Umberto Eco: a verdade está dentro das bibliotecas

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Por Bruno Padilla del Valle   “O conjunto das bibliotecas é o conjunto da memória da humanidade.” Umberto Eco. Foto: Leonardo Cendamo   Memória vegetal é o conceito que Umberto Eco (1932-2016) cunhou para se referir àquela porção, poderia dizer material, da memória cifrada nos livros, cujo habitat natural são as bibliotecas, tanto públicas como pessoais, que podem estar abertas a outros leitores. Segundo o escritor, semiólogo e filósofo italiano, a questão da memória, que tantas perguntas suscita nesta era de virtualidades e nuvens, foi adianta por Isaac Asimov no seu conto futurista “A sensação de poder” (1958), em que uma falha geral na informática obriga a se recorrer à única pessoa no mundo que ainda é capaz de realizar operações matemáticas “de cabeça”. O documentário Umberto Eco: a biblioteca do mundo (2022) tem como tema central esse vínculo entre literatura e memória, que ganha forma nas estantes de sua famosa coleção de livros.   O filme começa com o próprio a...

Os nomoi sagaranos da minha gente

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Por Eduardo Galeno Maureen Bisilliat. Do livro A João Guimarães Rosa (1974).     Sagarana está inflada de lugares da terra, Guimarães Rosa é um conjurador e organizador desses lugares. Modos, movimentos, plantas, falhas: tudo isso formalizado nesse estilo elementar que faz e refaz as histórias do livro. Sagarana nos conduz até o ponto de descuidado da leitura, à injúria que nos coloca fora-do-tempo (para usar um termo psicanalítico aqui), ou seja, maneja nossas afecções ao nascimento de um novo espaço, de modo que gozamos de uma forma de prazer textual atualizada. Sagarana — e menos ou mais toda a obra de Rosa — qualifica outro tipo de execução no plano do que seja um tropo . Ele consegue obsidiar a historicidade literária e reunir diversas linhas; aliás, perfazendo o bolsão das práticas exteriores à literatura.   Comum que, de certo modo, o principal no interior do bojo da literatura rosiana seja o regionalismo. Os caracteres do elemento que está em histórias como...