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O navio da morte, de B. Traven

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Por Pedro Fernandes   Liberdade, sim, mas ela tem que ser carimbada. Liberdade de ir e vir em todo mundo, sim, mas apenas com a autorização do guarda noturno.   — Em O navio da morte , de B. Traven A história das fronteiras é a história da longa disputa que estabelecemos desde quando potencializamos a noção de propriedade. No início do século passado o aparelho burocrático que sustenta o que hoje conhecemos como Estado estava em pleno funcionamento com o uso de mecanismos de controle capazes de determinar desde a ideia de cidadão aos seus trânsitos dentro e fora das fronteiras do seu lugar nacional. Todo esse aparelhamento serviu de interesse à literatura e a obra de Franz Kafka é reconhecida como sua viga-mestra.   Também outros escritores se mantiveram seduzidos pelo trabalho de explorar o absurdismo de situações propiciadas apenas pela usabilidade da burocracia que, sim, é necessária ao ordenamento, mas se tornou aparato de continuar servindo ao tipo social dominante; ...

Jaci: um retrato dos pecados capitais das grandes obras na Amazônia

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Por Luis Fernando Novoa Garzon   Em Jaci: sete pecados de uma obra amazônica , documentário caleidoscópico de Caio Cavechini, os próprios trabalhadores contribuíram para a realização do filme — compartilhando seus vídeos. Aproximadamente 30 câmeras diferentes foram usadas ao longo de quatro anos para captar as imagens, sendo algumas dessas de entrevistas, outras de registro da vida no canteiro de obras. Grande parte das imagens foi captada por celulares de trabalhadores que construíram as Usinas Hidrelétricas (UHEs) de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira em Rondônia.   As imagens que abrem o filme são da Revolta dos Trabalhadores na UHE de Jirau em 2011. Fica claro, logo de início, que o filme não é sobre o Distrito de Jaci-Paraná, localizado nas adjacências de Porto Velho, capital do estado. Jaci é uma entre milhares de atingidas pelas grandes obras do chamado Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC), mas é a partir de seu cotidiano drasticamente alterado que se estende o ...

Do mito à literatura, uma nova tradução de Meletínski

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Por Rafael Bonavina Eleazar M. Meletínski, meados de 1950. Foto: Lidia Iakovlevna Guinzburg.   Recentemente foi lançada uma nova tradução da obra do importante pesquisador russo Eleazar M. Meletínski (1918–2005) que complementa o seu material já publicado no Brasil. Meletínski foi um dos mais importantes estudiosos da poética histórica e da relação entre literatura e mito, seus livros continuam editados na Rússia e no mundo até hoje e são amplamente lidos pelo público interessado. O reconhecimento da sua contribuição para o campo fica evidente pela honrosa homenagem da Universidade Estatal Russa de Humanidades (RGGU), que deu seu nome ao Instituto de Estudos Superiores de Humanidades (IVGI).   No Brasil, a obra de Meletínski já conta com uma importante tradução para o nosso idioma do livro Os arquétipos literários (originalmente publicado em 1994), ainda usado como bibliografia fundamental para muitas disciplinas e cursos universitários. Apesar de ser relativamente curto, o ...

Viagem em torno de Tchekhov

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Por Jaime Priede Janet Malcolm. Foto: George Lang Contradizendo seu estatuto de grandioso, há algo inerente na obra de Tchekhov que denota fragilidade. Na Rússia e nos Estados Unidos, ele inspira uma espécie de piedade mórbida. “Basta pronunciar o nome de Tchekhov para que as pessoas adotem uma expressão de como se um cervo tivesse entrado na sala”, escreve Janet Malcolm em Lendo Tchekhov . A autora tentará descobrir o que faz dele um grande escritor, oferecendo alguns argumentos contra as noções preconcebidas pela crítica e pelas biografias.   Malcolm, editora da The New Yorker , demonstra em seus livros que tem muito pouca fé em verdades objetivas. Títulos como o Nos arquivos de Freud , O jornalista e o assassino , A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os limes da biografia e Lendo Tchekhov , dão ao leitor a impressão inequívoca de estar lendo algo não objetivo. Ao escrever sobre os outros, ela nunca se retira como autora, de modo que o leitor tem diante de si os fatos nar...

Boletim Letras 360º #630

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DO EDITOR   Olá, leitores! Aproveito o destaque desta edição para lembrá-los que estamos procurando apoiadores do Letras que queiram concorrer a um exemplar de Morte em pleno verão , outro livro de escritor japonês a ganhar tradução inédita direta do seu idioma recentemente entre nós. O lembrete está aqui, neste comentário, mas está também à esquerda desta página. Saiba todos os detalhes de como participar aqui . Um excelente final de semana para vocês! Yuko Tsushima. Foto: Horst Tappe Fondation.   LANÇAMENTOS   A chegada da obra de Yuko Tsushima entre nós. Agora, o romance que saiu pela primeira vez na revista literária Gunzō entre os anos de 1978 e 1979 e foi vencedor do prestigiado prêmio Noma .   Uma mulher recém-separada do marido aluga um apartamento em Tóquio para morar com a filha pequena. A nova casa tem janelas voltadas para todas as direções: a qualquer hora do dia, uma luz exuberante inunda o lugar. Enquanto isso, em seu íntimo, diante da nova vida que s...

V. e os rododendros

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Por Mauricio Montiel Figueiras V. Woolf com o cocker spaniel Pinka, Monk's House, 1931.   “L. está podando os rododendros.” Esta é a última entrada que Virginia Woolf rabisca em seu diário. A data é segunda-feira, 24 de março de 1941.   Quatro dias antes de encher os bolsos com pedras e partir em direção ao Rio Ouse, ela vê seu marido Leonard cuidando dos arbustos. O rododendro, do grego rhódon (rosa) e dendron (árvore), floresce na primavera. Todas as suas partes são tóxicas e até mortais se ingeridas.   Leonard Woolf poda esses arbustos potencialmente letais quatro dias antes de sua mulher se afogar no rio. A morte zumbe no ar. Será que Virginia Woolf verá, segundos antes de sua vida ser irremediavelmente interrompida pelas águas do Ouse, como as rosas se metamorfoseiam em pedras em seus bolsos? Pensará que ao afundar na água finalmente se libertará da pedra de Sísifo representada pelas vozes que enchem como favos de mel as entrâncias de sua cabeça?   “Não creio ...