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Boletim Letras 360º #635

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Dalton Trevisan. Foto: Dilson/ Arquivo O Estado do Paraná . LANÇAMENTOS   Centenário de Dalton Trevisan é marcado, na Todavia, pelo início de publicação da obra completa do escritor. A casa editorial publica em junho os seis primeiros títulos.   1. Publicado originalmente em 1965, O vampiro de Curitiba consolidou Dalton Trevisan como um dos principais nomes da literatura brasileira, ao lado de escritores como Machado de Assis e Graciliano Ramos. Deliciosamente subversivo, narra as aventuras do anti-herói Nelsinho, que perambula por Curitiba em busca de aventuras sexuais. Na construção de seus contos, Dalton se vale de obras e autores de diferentes origens para então subvertê-los, encaixando-os na concisão do cotidiano. Você pode comprar o livro aqui .   2. Se, até os anos 1980, Dalton apostava na forma tradicional do conto ― e de certa forma a reinventava, foi com este Ah, é? que ele revolucionou não apenas sua obra como a própria literatura brasileira. Em brevíssimas h...

A ilha, os fantasmas e o despertar do imaginário

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Por Afonso Junior Marc Ferrez. Ilha de Paquetá, 1885.   A Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror (ABERST) realiza anualmente um encontro — o Ghost Story Challenge. A ideia é, repetindo o que ocorreu com o lendário encontro, em Villa Diodati, entre Mary Shelley, seu esposo, Lorde Byron e seu empregado Polidori, inspirar os participantes com ambientes e temas fantásticos.   O local escolhido foi a ilha de Paquetá, no fundo da baía de Guanabara no município do Rio de Janeiro. Ainda que bastante abandonada pelo poder público atualmente, a ilha é muito preservada e guarda histórias que remetem ao Império e ao romantismo.   Eu poderia falar do livro que trouxe o romantismo para o Brasil, A moreninha (1844), escrito por Joaquim Manuel de Macedo, autor que inspirou o jovem José de Alencar. De Pedro Paulo Bruno, pintor que imaginou a ilha como refúgio bucólico romântico. Ou mesmo de nomes como João Saudade (um escravizado), do Solar de...

Três exemplos de livros infinitos: recepção, editoração e tradução em movimento

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Por Luis Fernando Novoa Garzon Preâmbulo   Este ensaio procura tatear os movimentos de três textos canônicos em campos interpretativos muito distintos: O capital (Karl Marx), O processo (Franz Kafka) e o livro das Mil e uma noites (anônimo). Todos estes livros foram alvo de edições e traduções e a cada edição e tradução surgiram mudanças em relação ao texto original, a depender da língua de recepção e do contexto histórico-cultural predominante em cada universo linguístico. Neste ensaio bibliográfico, acompanhamos O capital e O processo desde sua primeira publicação até suas edições críticas e as traduções das Mil e uma noites até a primeira tradução direta do árabe para o português. Apresentamos os três livros de forma ora concentrada, ora alternada para que o leitor perceba a alternância e a continuidade dos processos de significação que queremos aqui destacar.   1. Engels, Brod, Galland   Não fosse Friedrich Engels, a obra de Karl Marx não teria tido projeçã...

“Adolescência”, um pesadelo em quatro capítulos

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Por Ernesto Diezmartínez   Perto do final do segundo episódio de Adolescência (Reino Unido, 2025), uma minissérie em quatro partes disponível na Netflix, o atarefado policial Bascombe (Ashley Waters) deixa a escola onde estuda seu tímido filho Adam (Amari Bacchus) estuda. O detetive e sua mulher, a áspera policial Misha Frank (Faye Marsay), acabam de passar por um verdadeiro inferno: foram visitar a escola onde estava matriculada Katie, uma adolescente assassinada por Jamie Miller (o estreante Owen Cooper), um colega de classe de apenas 13 anos.   Ao longo dos 51 minutos deste segundo episódio de Adolescência , vimos como Bascombe e Frank se depararam com o muro do silêncio, da indiferença ou da agressividade dos colegas da vítima e do agressor. É claro que a maioria dessas crianças não se importa nem um pouco com o crime cometido há alguns dias no estacionamento de um shopping center, exceto pela oportunidade de se divertirem, serem engraçados e esgotarem a escassa paciência...

Vou te receitar um livro

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Por Henrique Ruy S. Santos   Já estamos todos de saco cheio de ouvir que a arte é feita para incomodar, para tirar-nos de nossas zonas de conforto e fazer-nos olhar para a realidade de outra forma. É um clichê como muitos outros que formam o senso comum, mas também o vocabulário pretensamente crítico da arte. O problema dos clichês é que eles, com não pouca frequência, costumam ser verdadeiros e, mais do que denunciar a suposta invalidade do que dizem, revelam a sedimentação formal de um pressentimento ou uma intuição.   Afinal o que sentir senão incômodo quando lemos coisas como   Era briluz. As lesmolisas touvas Roldavam e relviam nos gramilvos .[?]   O que fazer diante disso? Como reagir a esse amontoado insólito de palavras? Bom, se você for uma pessoa com pouco ou nenhum interesse por poesia, de duas uma. Pode simplesmente ignorar e tratar como mais uma baboseira pretensiosa daquele pessoal metido a besta que são os poetas. Outra reação possível é encarar a cois...

Verdades às gargalhadas: a sátira aguda de Zóschenko

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Por Rafael Bonavina Mikhail Zóschenko. Foto: V. Presniakov Ao longo de toda a história da literatura russa moderna, e inclui-se aqui também a soviética, a censura foi uma desagradável e permanente instituição da vida literária. Em alguns momentos, claro, os atentos olhos dos censores fizeram vista grossa para alguns excessos e para as críticas feitas nas obras publicadas. Já em outros, a censura parecia a espada de Dâmocles, sempre pronta a cair sobre algum desavisado, e até mesmo um avisado, mas inconveniente.   Apesar desses breves momentos de respiro nessa longa história de mordaças, a sátira sempre esteve sob estrita vigilância, pois esse tipo textual é capaz de incomodar profundamente os defensores de pensamentos totalitários com sua cáustica derrisão. Além disso, quando habilidosos, os satíricos conseguem trazer à tona as contradições da sociedade por meio de coisas do cotidiano. Uma conversa no trem, uma reunião de colegas, uma visita desagradável… todos esses são excel...