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As contradições de um romance

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Boris Pasternak será sempre lembrado não pela sua poesia – gênero que terá praticado com certa maestria – mas pelo seu romance Doutor Jivago . Do poeta, Ángel Fernández-Santos o designa como alguém “comprometido com seu ofício, pois criou arquipélagos de luz e de serenidade em tempos obscuros, tempestuosos e nunca obedeceu à realidade, mas criou outra mais habitável pela a gente humana. Sem ser um revolucionário, lutou com suas armas pela revolução enquanto esta foi quando tinha possibilidades de se realizar degolada por Stálin. Sobreviveu a Maiakóvski e Yesenin sem convicção e hoje segue ditando lições de ser russo”. Doutor Jivago foi o romance que custou ao autor a repressão do regime comunista; foi o romance transformado em panfleto pela guerrilha estadunidense no processo de derrocada do regime; foi o romance que lhe deu a fama que talvez nunca tivesse chegado se esperasse pela poesia; foi o título que chamou atenção para a Academia Sueca se decidir por entregar-lhe o Pr...

8 ½, de Federico Fellini

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Crise criativa conduz artista a romper amarras e a se lançar numa viagem estética sem bússola  Em 1963, Federico Fellini levou, com  8 ½ , seu cinema a novos patamares. Se seus filmes “realistas” dos aos de 1950 já possuíam forte carga onírica e pessoal (a protagonista de  Noites de Cabíria , de 1957, era uma referência às mulheres de rua que o diretor conhecera), a partir de  A Doce Vida  (1960) a subjetividade do diretor só se acentuou. Em  8 ½ , seu filme assumidamente mais autobiográfico e delirante, funde fantasias pessoais no universo do protagonista, Guido Anselmi (Marcello Mastroianni).  Guido é um cineasta quarentão que vive um vazio criativo (tal como Fellini, vítima da mesma situação) e parte para uma instancia hidromineral a fim de encontrar o sentido de sua vida. Vários flashbacks traçam momentos importantes de sua vida, como a repressão católica (outro dado tirado da biografia felliniana) e suas aventuras com mulh...

Dan Brown. J K Rowling. Paulo Coelho. Nietzsche: sobre a fenomenologia nova na literatura

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Por Pedro Fernandes A Literatura Universal (que se frise também a brasileira) tem passado por transformações tantas desde o rompimento com o Clássico em meados do século 18. A partir de então descortinam novas ondas, antes menos pretensiosas, agora freneticamente carregadas de pretensões. Dentre estas a mercadológica talvez seja a mais subjacente. Imaginava-se ao cortar as algemas que se tinha como Clássico uma liberdade literária. Em meio a isso tudo que assistimos, tomemos cuidado para que não se torne libertina se é que isso não já aconteceu. Analiso como suporte a essa crítica alguns escritores que emergiram neste cenário da contemporaneidade, são fenômenos de crítica e público e faço uma breve relação com a teoria acerca da cultura ocidental, de Friedrich Nietzsche; filósofo alemão nascido em 1844. O primeiro, Dan Brown, febre mundial pela polêmica incutida no seu primeiro texto O código Da Vinci ; texto esse carregado de um suspense bem construído, desarmado, porém, ...

A bagagem do viajante, de José Saramago

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Por Pedro Fernandes Os pais de José Saramago. Arquivo Fundação José Saramago "Estão os dois de pé, belos e jovens, de frente para o fotógrafo, mostrando no rosto uma expressão de solene gravidade que é talvez temor diante da câmara, no instante em que a objectiva vai fixar, de um e de outro, a imagem que nunca mais tornarão a ter, porque o dia seguinte será implacavelmente outro dia... Minha mãe apoia o cotovelo direito numa alta coluna e segura na mão esquerda, caída ao longo do corpo, uma flor. Meu pai passa o braço por trás das costas de minha mãe e a sua mão calosa aparece sobre o ombro dela como uma asa. Ambos pisam acanhados um tapete de ramagens. A tela que serve de fundo postiço ao retrato mostra umas difusas e incongruentes arquitecturas neoclássicas". Com a leitura desse retrato ("Retrato de antepassados"), José Saramago abre seu livro de crônicas, único do gênero até o presente publicado no Brasil,  A bagagem do viajante . É sabido que há out...

A vertigem corrigida

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Por Antonio Ortega Mais de um século depois de sua morte e não somos capazes de determinar o alcance da figura e da obra de Arthur Rimbaud. Quase sempre nos contentamos em assinalar a extraordinária velocidade como sucedeu sua vida e a prodigiosa capacidade de sua escrita. Dos grandes poetas da literatura francesa moderna, seguramente é quem tem exercido uma influência mais decisiva. É a uma só vez ponto de chegada e de partida, exemplo do movimento incessante do ato mesmo da criação: uma obra tecida sobre a mesma tela da existência, fruto de uma continuidade em que a escrita se antecipa à vida proclamando seu futuro. O inventário existencial e espiritual que aparece em seus textos poéticos, com sua carga literária e vital, vem reafirmar esta premissa com seu testemunho confiável: “Pautei a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos me orgulhei de inventar um verbo poético acessível, cedo ou tarde, a todos os sentidos”. Uma centena de páginas bastaram par...

Adalgisa Nery

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Adalgisa Nery Adalgisa Nery foi poeta, romancista, contista e jornalista. Filha de Gualter Ferreira e de Rosa Cancela Ferreira (ele mato-grossense e ela portuguesa e neta de francesa), nasceu no dia 29 de outubro de 1905, no bairro das Laranjeiras, Rio de Janeiro. Órfã de mãe aos oito anos, Adalgisa desde a infância demonstrou forte sensibilidade poética. Em 1922, aos 16 anos, casou-se com o artista Ismael Nery, com quem teve sete filhos, todos homens, mas somente o mais velho, Ivan, e o caçula, Emmanuel, sobreviveram.  O primeiro casamento lhe proporcionou o convívio com intelectuais como Álvaro Moreyra, Aníbal Machado, Antônio Bento, Graça Aranha, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Mario Pedrosa, Murilo Mendes e Pedro Nava. Entre 1927 e 1929 o casal Adalgisa e Ismael foram viver na Europa, onde conviveram com vários nomes das chamadas vanguardas, desde Villa-Lobos e Tomas Terán, a Marc Chagall e Juan Miró. O companheiro morreu depois de dois anos dessa época. E ela foi...