O discurso vazio, de Mario Levrero
Por Eduardo Galeno

Comecei essa resenha antes do fim do romance de Levrero. Digo que é uma leitura um pouco arrastada, apesar das poucas páginas que compõem o livro. O conteúdo em si não desperta tanto interesse. Muito menos sua forma é novidade para os leitores comprometidos com a contemporaneidade (temos um Osman Lins, que compôs perfeitamente uma história em formato de diário). O que é bastante notório no entorno de O discurso vazio é a maneira de como ele consegue interligar o fato (ipso facto) ao material que disponibilizaria o fundo da narração. Não é errado dizer que Levrero fala do Nada, que imbrica e brinca diante da consciência de ser autor.
O Nada, vazio e disforme momento do espaço, talvez seja a explicação do porquê. A escrita perseverante e obsessiva do uruguaio me diz mais sobre as razões de não escrever literatura do que o contrário. Basicamente, o modelo limita a minha leitura. Ele não sabe como frisar um conceito, tudo é jogo de termos e de frases colocado sob um frágil contato com a realidade. A evasão da intimidade no tecido textual, concordo, vai delimitar como o seu medo subjetivo, seu fracasso, vira terapêutica.
Quando ele se expõe, Levrero quer dinamitar a barreira entre a letra, o conceito e a experiência. Não consigo dizer se funciona (o que é funcionar para mim poderia não funcionar para ele), mas tenho certa ideia de que esse modo literário é virtude mais do que pecado. Um sujeito gordo com eczema, no caminho do envelhecimento, que tem uma família nada fora do comum, poderia nos dizer alguma coisa? Nisso eu não possuo qualquer dúvida. Aliás: é aí mesmo que pode falar como nenhum outro. A dessemelhança existente entre o que protagoniza o heroísmo na literatura e o tipo que engendra em O discurso vazio é abismal.
Sloterdijk apontou uma vez que Warhol gravava sua própria voz para se curar do sentimentalismo violento sem a via do psicólogo ou do padre, como meio de suprimir a melancolia e seus exageros. A tecnologia serve aí nesse mundo do mesmo jeito que a escrita (ou, para ser mais exato, a escrita de si). Por sinal, escrever sobre si mesmo é escrever sobre zeros e nulidades. O título do livro de Levrero é franco e genuíno. Não é sobre niilismo e outras irrelevantes filosofias, porém. Ele solidifica a sua imagem pelo que Hegel chama de ser-outro. É a passagem que deve ser entendida. Devemos ter atenção para ela numa hora exata, sem vacilo de visão.
Para que a mobilização de leitura dê certo, é necessário que se entre no baile do exercício, meio patológico e mais pessoal, e do discurso, ponte racional da retórica. Assim podemos reunir o quanto nosso escritor foi longe ou perto (sem parecer apologético da autoajuda, mas sim: el discurso vacío trabalha, vendo à foucaultiana, no vértice do cuidado de si). Quem o lê pode elencar que a Literatura é livre e opaca, ou seja, por contradição, muito presa às questões da vida, do ego, dos interesses banais.
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O discurso vazio
Mario Levrero
Antônio Xerxenesky (Trad.)
Companhia das Letras, 2025
160 p.
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