Postagens

Bocage

Imagem
Meu ser evaporei na lida insana Do tropel das paixões que me arrastava, Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava Em mim, quase imortal, a essência humana.   De que inúmeros sóis a mente ufana A existência falaz me não doirava! Mas eis sucumbe a Natureza escrava Ao mal, que a vida em sua origem dana.   Prazeres, sócios meus e meus tiranos! Esta alma que sedenta em si não coube, No abismo vos sumiu dos desenganos.   Deus... ó Deus! quando a morte à luz me roube, Ganhe um momento o que perderam anos, Saiba morrer o que viver não soube!   Estes versos tão conhecidos na literatura de língua portuguesa, assente nos vários livros didáticos brasileiros, são versos do poeta português Manuel Maria Barbosa Du Bocage. Tido pela crítica como um dos maiores poetas do Arcadismo em Portugal, movimento que se inicia quando da fundação da Arcádia Lusitana, em 1756.   Bocage é nascido em Setúbal no ano de 1765. E morreu na capital lusitana, Lisboa, em 1805. Filho de intelectuais po...

A carroça, o bonde e o poeta modernista

Imagem
Por Pedro Fernandes (Anotações sobre  “ A carroça, o bonde e o poeta modernista ” , de Roberto Schwarz) 1. No ensaio  “ A carroça, o bonde e o poeta modernista ” , Roberto Schwarz discute a partir da poética de Oswald de Andrade – mais especificamente o poema oswaldino  “ Pobre alimária ”   – acerca do poeta e da poesia modernista no Brasil. Alude o autor à conciliação de três elementos característicos na poesia de Oswald: uma fórmula fácil e eficaz para ver o Brasil pelas janelas do poema; o ser poeta sem o esteticismo apregoado pelos poetas doutras escolas literárias semelhante ao modo leninista de fazer política – “o Estado uma vez revolucionado, se poderia administrar com os conhecimentos de uma cozinheira”; o uso de um reduzido vocabulário – reduzido, no sentido de ser comum a todos – o qual Schwarz compara à poética de Bertolt Brecht que se dispunha a redução vocabular do Basic English .  2. Para o autor, somam a isso na poesia de Oswald, uma fórmula de d...

Tony Silva

Imagem
Por Pedro Fernandes 1.  A primeira vez que vi Tony Silva em cena foi num espetáculo que a cidade de Mossoró anualmente promove nos meses de junho aos moradores e visitantes, o Chuva de bala no país de Mossoró , que conta a história da resistência dos mossoroenses aos cangaceiros de Lampião. O texto original é do professor e escritor Tarcísio Gurgel. 2.  Desde então estabeleci uma relação de admiração pelo trabalho da atriz. Encontrei-a noutros trabalhos, como  Auto da liberdade , outro espetáculo também encenado ao ar livre e livre para o público de Mossoró, também anualmente, assinalando algumas das datas históricas, com a libertação dos escravos. A cidade foi uma das primeiras a cumprir esse gesto. 3.  Depois, em outro trabalho a vi ainda mais brilhante: uma adaptação da tragédia grega Medéia . 4.  Numa entrevista com a atriz para o jornal  Gazeta do Oeste encontro algum registro da sua vivência no teatro e como que este passou a fazer par...

A Doce Vida, de Federico Fellini

Imagem
Na década de 1950, Federico Fellini começou a se afastar de seu passado neo-realista - participou como roteirista de Roma, Cidade Aberta (1945), e Paisà (1954), de Roberto Rossellini - com suas primeiras obras-primas, A Estrada da Vida (1954) e Noites da Cabíria (1957). Recebeu, pela ousadia, ataques duros da esquerda e de outros setores que esperavam encontrar em sua obra elementos do antigo movimento. E acabou tornando-se persona non grata tanto entre os revolucionários quanto entre os moralistas e a Igreja Católica com A Doce Vida . Ele pode até ter feito filmes melhores, mais nostálgicos, mais emocionantes e mais engraçados. Porém, nada o define com mais precisão do que este cáustico panorama da sociedade romana e do mundo da fama. O longa foi lançado no mesmo ano de A Aventura , de Michelangelo Antonioni, e explora universos parecidos: o vazio da sociedade burguesa e a maneira hedonista pela qual tentam extravasar suas frustrações. Só que, enquanto Antonioni aborda...

Estamos sem a revista Entrelivros e o que resta?

Imagem
Por Pedro Fernandes  O mercado editorial brasileiro é muito pobre em publicações de qualidade. Quando estreou por cá a publicação de uma revista preocupada apenas com livros e literatura, vibrei. Era a revista Entrelivros . Saía pela Duetto Editorial e a duras penas consegui comprar alguns números e colecionar alguns especiais. Mas, o que aconteceu não sei: as edições findaram depois de três anos e de 32 números. Ficaram outras publicações. Mas, concordemos, que o conteúdo não é tão completo como era o da Entrelivros . Outro dos males no Brasil, além da qualidade do que se publica, é nossa falta de vocação para o estabelecimento de projetos dessa natureza a longo prazo como é possível encontrar em outros países. Queixas à parte, fiquemos agora com o que podemos ter.  Agora podemos dispor gratuitamente do material on-line - e isso é novidade! - do acervo de uma das mais importantes revistas, que não chega ao padrão Entrelivros , mas merece a divulgação. Ficou sendo o q...

A expressão Aluísio Azevedo 90 anos depois

Imagem
Por Pedro Fernandes Cena de O cortiço . O livro de Aluísio Azevedo foi adaptado por Francisco Ramalho Jr. em 1978. ao tingir com tintas fortes e pinceladas rudes, por vezes, mas duma poeticidade única, Aluísio Azevedo entrava em definitivo para o rol da história literária como o Zola brasileiro Há pouco mais de um século o escritor francês Émile Zola publica O romance experimental. Essa obra inaugura novas vertentes no campo da Literatura, que a crítica literária logo tratou de conceituar como Naturalismo. Esse movimento estético literário foi como uma espécie de desdobramento da estética realista. Tal como defendido por Zola, o romance naturalista seria aquele que se preocuparia em apresentar e discutir temas comuns ao homem como patologias sociais, sem pudor, de modo semelhante a um cientista cético que tem o interesse de tocar e remexer numa ferida a título de discernir o cerne da doença. Já quanto ao Realismo, usando de um recurso visual do crítico brasileiro Mass...