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José Saramago e a questão literatura e utilidade

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Por Pedro Fernandes Biblioteca particular de José Saramago em sua casa de Lanzarote. Escrevi certa vez um texto que foi publicado no caderno Domingo ,   do jornal De Fato acerca da tão instigante pergunta milenar, já milenar porque tem servido ao debate entre gente diversa desde que a literatura é literatura. Hoje, na releitura de algumas falas do escritor português José Saramago, eis que encontro com uma entrevista sua ao Clarín , em que a pergunta foi posta (a tradução para o português é livre) e cuja resposta vem corroborar com o que escrevi há alguns meses: "Como escritor, seu meio de intervenção é a literatura. Podemos voltar a pensar se serve para algo? Se a literatura pode melhorar (ou piorar) a vida, o mundo? Levamos séculos nos perguntando uns aos outros para que serve a literatura e o caso de que não exista resposta não desanimará aos futuros perguntadores. Não há resposta possível. Ou há infinitas: a literatura serve para entrar numa livraria e ficar em ca...

Patton - Rebelde ou Herói?, de Franklin J. Schaffner

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Feito em tempos de guerra no Vietnã, filme acompanha a vida de um general que sintetiza as contradições da América O primeiro plano deste filme de Franklin J. Schaffner impressiona: a bandeira dos Estados Unidos toma quase toda a dimensão da tela larga do cinemascope, e, no cetro, surge o ator George C. Scott como o general George Patton. Ele declama um discurso brutal sobre a necessidade da guerra, incitando seus soldados à violência extrema e lembrando-lhes sobre a glória militar do país, "que jamais perdera uma guerra". Uma imagem oficial, em princípio, mas com a juventude norte-americana sendo massacrada no Vietnã, em 1970, seu conteúdo era, na verdade, irônico e amargo. Como outras, essa superprodução apresentava a guerra em grandes tomadas espetaculares ao mesmo tempo em que detalha a carnificina. Trata-se de uma obra que não trai a convenção das biografias, mantendo-se fiel ao seu protagonista e preferindo os grandes acontecimentos, mas o discurso do fil...

Gastão Cruz, poeta e ensaísta

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Por Pedro Fernandes Som da linguagem Por vezes reaprendo o som inesquecível da linguagem Há muito desligadas formam frases instáveis as palavras Aos excessos do céu o silêncio as constelações caem vitimadas pelo eco da fala. — Gastão Cruz, em Câmpanula   Minha descoberta sobre o trabalho poético de Gastão Cruz se deveu ao contato com outra obra: a de Fiama Hasse Pais Brandão. Os dois foram casados e atuaram vivamente nas artes em Portugal. Estiveram, por exemplo, entre os fundadores do Grupo de Teatro de Letras, de quando eram estudantes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; os dois estão entre os nomes principais do coletivo Poesia 61, que se tornaria um marco para a poesia da segunda metade do século XX.   Minha descoberta de Gastão Cruz foi logo dupla: o poeta autor da recente antologia editada no Brasil A moeda do tempo e outros poemas (Língua Geral, 2009) e o ensaísta que no dia 18 de setembro de 2009 subiu à tribuna do histórico prédio da primeira sede da U...

Os escritores perante o racismo

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Por José Saramago Imagem: F. E. Dean.  Aí está o racismo, aqui estão os escritores. A questão parece bastante clara à simples vista: sendo o racismo uma expressão configuradora, e até agora inseparável, da espécie humana, com raízes tão antigas, provavelmente, como o dia em que se deu o primeiro encontro entre hominídeos ruivos e hominídeos negros; presumindo os escritores, por sua vez, de serem e merecerem ser os guias espirituais da nossa confusa humanidade, mesmo se, por ela lhes ter virado as costas, deixaram de estar em moda os  maître-à-penser  – a resposta a uma interpelação a eles dirigida seria, provavelmente, a redacção de um milésimo manifesto, de uma milésima condenação do racismo e da intolerância xenófoba, subscrita por todos os escritores deste nosso prolixo mundo, do primeiro ao último, se é que para eles também existe, algures, uma classificação por pontos, como a dos tenistas, que só precisa de olhar a tabela para saberem quanto valem. ...

Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood

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Reflexão madura e desencantada do universo dos velhos westerns  na visão de um de seus protagonistas Os Imperdoáveis  é um western  sobre o fim dos westerns . Talvez na última obra-prima do gênero eternizado por John Ford, Howard Hawks e Sergio Leone, Clint Eastwood maquinou, ao mesmo tempo, uma homenagem aos seus mestres (há dedicatórias a Leone e a Don Diegel), um crepúsculo do estilo e uma revisão dos aspectos morais do bom e velho bangue-bangue, da figura do cowboy  e do seu universo. Eastwood revisita também a própria carreira, que começou a se destacar na trilogia spaghetti  de Leone e se solidificou com a série Dirty Harry . Nela, ele geralmente vive um homem solitário, amargo, bêbado e violento a ponto de não perdoar ninguém. William Munny (interpretado pelo próprio Clint) teve um passado assim. Até que conheceu sua futura esposa, teve filhos e se tornou humilde criador de porcos. Agora viúvo, ele dedica-se a cuidar das crianças e a admini...

Um poema recortado do jornal Trabuco

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Por Pedro Fernandes O jornal Trabuco  fez parte do meu início nessa aventura da editoração. O periódico impresso tratou de reunir as atividades do universo literário do curso de Letras na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Dentre as colunas que formam as publicações uma que se chamava  Sarau era dedicada à produção poética. Em sua primeira edição lançada no início do mês de julho de 2008, incluímos dois exercícios literários meus: os poemas "Salvação" ( publicado aqui em 2007 ) e este outro, uma amostra dos textos incluídos no livro Sertanices.  Alberto Burri Previsões Minha avó costumava em certos meses do ano Pôr sobre a casa numa tabua morros de sal, Doze ao todo, os doze meses do ano: Janeiro. Fevereiro. Março. Abril. Maio. São João. Santana. Agosto. Setembro. Outubro. Novembro. Dezembro. No dia seguinte contava a quantidade do derreter E dessa quantidade via os meses chuvosos, Os menos e os mais, Também os meses secos – Estes, de...