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Uma leitura de “Em alguma parte alguma”, de Ferreira Gullar

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Por Régis Bonvicino O novo livro de Ferreira Gullar traz 58 poemas, que se organizam como memória, não da vida, mas de suas leituras de certa poesia brasileira, sobretudo a dos anos 1950 para trás, vazadas de biografia que se lê, aqui e ali, nos textos. Essa memória de leituras se dispõe por meio de colagens de trechos reimaginados de poemas de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, do próprio Gullar, de traços típicos do concretismo e de anotações soltas, à la modernismo lato sensu. Há um serialismo livre, que desdobra poemas e temas, sem se caracterizar como dodecafônico (Arnold Schoenberg) ou integral (Pierre Boulez), ou seja, sem intenção de obra acabada, ao contrário, por exemplo, de Educação pela pedra  (1966), de Cabral. Há, nas peças, uma aparente recusa do discurso literário, que, entretanto, se resolve literariamente em um discurso literário, “poético”. Os textos se estruturam em orações subordinadas coloquiais, mas eruditas, pont...

Mário de Sá-Carneiro

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Mário de Sá-Carneiro. Esta foto, tirada em Paris, é uma das últimas conhecidas do poeta. “Não me perdi por ninguém: perdi-me por mim ” (Mário de Sá-Carneiro, carta a Fernando Pessoa) “O meu destino é outro - é alto e é raro. Unicamente custa muito caro: A tristeza de nunca sermos dois... ” (Mário de Sá-Carneiro,  “ Partida ”) Um dos nomes do modernismo português. Ofuscado como ficou todos os poetas da época dado a genialidade de Fernando Pessoa, é, entretanto, um poeta singular. Viveu intensamente todos os arroubos que a vida pôde lhe proporcionar. Não em sua plenitude, é verdade. Muito do que gostaria de ter vivido ficou sublimado. Tornou-se matéria de sua obra. Ou terá vivido à surdina. Nem todos os lugares do mundo têm olhos. E a vida de cada um pertence ao alcova da existência.  Mário de Sá-Carneiro, antes de tudo, foi se fazendo enigma. Genialmente, fez-se esfinge. Ou nunca saiu do labirinto que construiu para si e foi por ele tragado. E nunca terá existido para agra...

Pedro Fernandes e a obra de José Saramago, Chico Buarque e Jorge Reis-Sá

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"Diagnósticos do presente em José Saramago, Chico Buarque e Jorge Reis-Sá" é o nome de um curso ministrado pelo pesquisador Pedro Fernandes, editor do blog Letras in.verso e re.verso , durante o  I Colóquio Nacional de Estudos Linguísticos e Literários realizado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia. É sabido que o mundo contemporâneo tem passado por movimentos diversos que encareceram os modos de existir dos sujeitos. A consolidação das primeiras marcas do que hoje entendemos como crise se dá pela soma de uma série de episódios desencadeados, sobretudo, com a Primeira Guerra Mundial. As transformações que este episódio em particular trouxe ao mundo moderno não se resumiu apenas à remodelagem das linhas espaciais do continente físico europeu ou as da história do homem no planeta, mas, feito rastilho de pólvora, tais transformações se alastraram e contaminaram, por assim dizer, o mundo todo, e tro...

As Invasões Bárbaras, de Denys Arcand

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Às vezes parece que o cinema, por alguma razão inexplicável, move-se em direção a algum tema específico e vários títulos de uma mesma época abordam universos semelhantes.  É o que aconteceu com o fim do sonho socialista e dos ideais de uma geração, explorado quase simultaneamente em Os Sonhadores  (2003), de Bernardo Bertolucci, nos alemães  Adeus, Lênin!  (2003) e Edukators  (2005), e em As Invasões Bárbaras , do canadense Denys Arcand, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do prêmio de Melhor Roteiro em Cannes. O tema não é novo na obra de Arcand, que sempre tratou de fortes posicionamentos políticos e morais. As Invasões Bárbaras é, na verdade, a continuação de outros de seus filmes, O Declínio do Império Americano  (1986). Lá, um grupo de professores universitários, debatia sobre sexo e comportamento, em um discurso que deixava clara a opinião do cineasta sobre a decadência dos valores regidos pelo capitalismo. Dezessete ano...

Das metodologias

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Esta é a parte de um projeto de dissertação e de uma dissertação que, todos nós que enveredamos por essas ideias de academia, mais sofremos no momento da escrita. Ainda mais quando temos de justificar o óbvio e o ululante porque senão corre-se o risco de o trabalho nosso ser qualquer coisa, menos algo da ciência . Eu diria, para início de conversa, que todos manuais de fabricação caseira para textos acadêmicos (e olhe que lista é enorme) são falhos. E o acadêmico deveria começar já por aí a não depositar toda fé com eles. Alguns deles são totalmente cegos e mudos. E a função de muitos é criar protocolos de aproximação para com a materialidade de análise/leitura que, não rara vezes, castra os limites de amplidão do pesquisador. Cada trabalho acadêmico tem sim sua/s metodologia/s própria/s ainda que o princípio seja referendado por algumas das abordagens dispostas nos manuais; logo, a única certeza que possuímos é a de que os livros de metodologia devem ser reelab...

Sabor de amar, de Paulo de Tarso Correia de Melo

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Nota:  Recebi o contato sobre a apresentação do livro Sabor de amar , do escritor Paulo de Tarso Correia de Melo e, ao buscar mais informações sobre, encontrei com um texto assinado pela repórter Maria Betânia Monteiro publicado no caderno Viver , do jornal Tribuna do norte ; texto que reproduzo logo abaixo com um outro ajuste de revisão.   Tarso dispensa apresentações para os leitores, porque é um dos mais conceituados escritores do Rio Grande do Norte, com uma obra já consolidada. Falo pela boca do também poeta David Leite. Ao dizer isso, confesso minha ignorância de ainda não ter a oportunidade de ler sua obra. Apenas poemas esparsos que catei tão logo soube desse novo livro. Mas vindo isso da boca de um nome que desponta como um nome significativo para as letras do estado, com seu Incerto caminhar (l ivro este que tive o prazer de ler e comentá-lo aqui) não tenho dúvidas em repetir por minha voz o que disse David Leite. Aliás, é ele quem assina o prefácio desta no...