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Sobre Corpo de festim, de Alexandre Guarnieri

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Por Pedro Fernandes toda a vida contida numa exígua partícula, – desdobrável de si própria –, equilibrada sobre a mesma progressão desenfreada; deuses ferveram-na numa caldeira aquecida ante o clarão do big bang / cozeram-na por milênios, lenta, nas tripas da mais velha estrela / e lá, aprisionada, como o maior espetáculo da via láctea, além do limbo centígrado dos organismos bioquímicos, replicou-se a enzima de sua fina ( e elástica ) matematicidade // até que [...] Alexandre Guarnieri escreveu Corpo de festim , livro que integra o lento e sofisticado processo de lapidação poética porque passa todo poeta comprometido com a palavra. Sim, porque sempre existiu, mas tem ganhado forma com cada mais cinismo, o poeta criador de formas falsamente manipuláveis e, logo, facilmente quebráveis ao dinamismo do tempo. Não é porque o material verbal que o poeta utiliza é estranho ao universo acusado tantas vezes de pertencer às formas frágeis. Não. É o trabalho in...

Vanessa Maranha romancista

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Por Alexandre Bonafim Vanessa Maranha é uma das jovens e promissoras escritoras brasileiras da atualidade. Seu romance de estreia, Contagem regressiva (Ed. Off-flip), vencedor do prêmio Off-flip, não somente atesta a mesma sensibilidade, a argúcia da contista de Oitocentos e sete dias , como também a insere no time dos romancistas de talento. Contagem regressiva possui uma ironia ao estilo machadiano, principalmente de O Alienista , aliada ao humor do Campos de Carvalho de A lua vem da Ásia . E isso não é pouco. Vanessa, em sua elegante narrativa, insere-se em importante eixo de leituras de nosso cânone, revivendo, de maneira pessoal e criativa, o que temos de melhor em nossa história da literatura. Faz isso, no entanto, com personalidade e afiada agudeza crítica, o que a eleva à categoria de artesã da palavra, aprendiz dos grandes mestres, mas também mestra ela mesma, sem influências meramente fáceis e reprodutoras. E não ficamos apenas por aqui. Além dessa ironia rech...

Os desenhos de Jean-Paul Sartre

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Temos compreendido uma coisa: quem constrói mundos imaginários seja simplesmente por imaginá-los seja para explicar determinantes vividos tem necessidade, uma vez apenas, de materializar isso através de outra grafia que não a da palavra escrita. Raramente não encontramos um escritor que não tenha se dado ao desafio de transcrever em forma de imagem aquilo que é imagem através da escrita. E, o bom de tudo é depois de largo tempo descobrir esses desenhos, rabiscos, garatujas porque parece ficarmos diante do pensamento em elaboração; ou ainda ficamos em contato com certa maneira de ver-se (pensamos aqui nas quantas caricaturas que o Carlos Drummond de Andrade fez de si), de como escritor imagina aquela personagem ou situação, ou mesmo nos desfazemos de certa imagem sisuda do autor, já que a caligrafia do desenho tem uma dimensão lúdica e despojada, muitas vezes, da seriedade. Sem falar ainda que, as artes plásticas sempre têm encontrado na literatura um campo muito fértil ...

Quando Gabriel García Márquez aprendeu a escrever

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Por Winston Manrque Sabogal “O coronel destampou a garrafa de café e comprovou que não havia mais de uma xícara...”. “Muitos anos depois, frente ao pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que...”. O universo literário de Gabriel García Márquez se constrói na caribenha Arataca, quando vive sua primeira infância com seus avós maternos: Tranquilina Iguarán Cotes e Nicolás Ricardo Márquez Mejía. Ambos o envolveram com as narrações de suas histórias. Ela contribuiu com a imaginação com seus relatos de defuntos, fantasmas e mistérios do além e de cá; e ele, velho coronel aposentado, com o pragmatismo e o raciocínio com suas recordações da Guerra dos Mil Dias e as batalhas da vida diária. E em casa encontrou, também, o livro que definiria seu futuro como escritor: um dicionário que foi presente do avô e que o menino leu como se um romance, “em ordem alfabética e sem entendê-lo”. Naquela casa colombiana, sob sóis incle...

Boletim Letras 360º #108

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Esta é uma tela de Van Gogh escondida há pelo menos um século. E ela vai ser exposta. Mais detalhes ao longo deste boletim. O Boletim Letras 360º sai excepcionalmente hoje por uma boa causa. Estivemos durante todo do dia 14 numa maratona poética em celebração ao Dia Nacional da Poesia. Maratona que poderia ser uma virada poética: 24 horas, 24 poetas, 24 poemas, 24 amigos que enviaram material. Vieram mais e gostaríamos de ter publicado todos. Mas, o tempo foi breve; saiu os 24 primeiros. Agradecemos, de coração, a todos que participaram. Dividimos a ação desse ano em três frentes: (a) lembramos as atividades que já fizemos de promoção a leitura de poesia; (b) pedimos a colaboração dos leitores para que nos dissessem quais livros gostariam de ganhar num sarau; (c) elegemos uma lista e pedimos dela que títulos gostariam de ter; (d) e abrimos para receber os poemas. Publicado os poemas vem a última parte da maratona: continua aberto à partilha todos os poemas até o dia 22. Os 4 mais...

Notas sobre O ano da morte de Ricardo Reis

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Por Rafael Kafka Nelson Rodrigues era a favor da ditadura militar. Tradicional pensador conservador (perdão pelo pleonasmo), Nelson era um ser que demonizava o ser feminino em suas obras, que diga-se a verdade eram muito bem construídas em cima de um pensamento misógino. Nelson dizia que não havia tortura nos métodos censores dos militares até ele ter seu filho Nelsinho preso pela mesma ditadura e torturado. Não conheço o resto da história, mas fico a pensar em como ele deve ter ficado estarrecido ao ver sua verdade sendo tornada mentira assim. Jack Kerouac, o Buda da geração beat , escreveu mais de vinte livros entre prosa e poesia, fora suas correspondências e diários. Um escritor de mão cheia que fazia da realidade a sua obra por entender, como diz Barthes, que a literatura é linguagem e por mais que se queira fazer da literatura realismo intenso, ela se nega a isso, por ser representação. Kerouac, esse escritor de mão cheia, que em Big Sur fala do desespero da existênc...