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Fargo e a negação do tribalismo e do determinismo

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Por Rafael Kafka Terminei de ver Fargo  há várias semanas, mais de mês provavelmente, e sempre pensava em escrever sobre essa série. Mas me faltava uma certa coragem em iniciar o texto, pois são tantos pontos a serem analisados dentro do enredo montado com profundas referências à obra dos irmãos Coen cinema que não sabia ao certo por onde começar. Foram os alunos de uma turma de nono ano os quais me deram a inspiração. Um aluno me questionou acerca do caso médium que tem sofrido acusações sérias de dezenas de mulheres relatando variados tipos e graus de abusos sexuais. Minha resposta, que gerou um debate de quase quarenta minutos, buscou focar no modo como essa notícia poderia ser utilizada por pessoas de outras religiões com o fito de causar uma demonização da figura do líder espiritual. Há na espécie humana um profundo sentimento de tribalismo do qual é bastante difícil nos livrarmos. Tal sentimento é ligado diretamente ao nosso desejo de ter estabilidade, s...

Lygia Fagundes Telles, a arte de narrar

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Por Pedro Fernandes A obra de Lygia Fagundes Telles se soma a de outras mulheres que marcam a literatura brasileira do século XX e se constitui, como as demais, por uma dupla via: a da transgressão e da resistência. Transgressão porque trata-se de uma obra que estabelece renovações nos estatutos da narrativa, como o exímio trabalho de construção do narrador, ao limite de a narrativa correr como se sozinha; e resistência, porque mesmo desconsiderando um sexo dos textos, é pouco provável que ao invés da categoria narrador tenhamos sempre, mesmo nos casos sub-reptícios, uma narradora. Mas, sua prosa, distribuída entre o romance, o conto e alguma crônica se constitui de uma particularidade: trata-se de uma obra de representação simbólico-social forjada a partir de sua memória e da realidade a qual pertence acerca, mas sem nelas se perder, acerca das inquietudes dos indivíduos no mundo e degelo das linhas objetivas que determinam aos olhos mais ingênuos as fronteiras da realida...

O prazer dos devaneios estruturados. A criança no tempo, de Ian McEwan

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Por Guilherme Mazzafera O mais novo romance de Ian McEwan, Machines like me , a ser publicado no aniversário de Shakespeare em 2019, promete uma interessante incursão pela realidade alternativa de uma Londres nos 1980 em que a Inglaterra perdeu a Guerra das Malvinas e Alan Turing está vivo, obtendo importantes avanços em inteligência artificial. Dentre estes, há a possibilidade, factível aos pecuniariamente bem-nutridos, de adquirir humanos sintéticos reformuláveis ao gosto do cliente. Adam, um desses novos produtos, é comprado por Charlie, que o personaliza junto com Miranda, sua paixão. Um dos mais gastos recursos estruturais da forma romance, o triângulo amoroso parece dar as caras, agora acrescido da dimensão inquietante do ménage com um ser potencialmente inorgânico. Confesso que depois do desconcertante Enclausurado – ou Hamlet revisited narrado por um feto (sim, você não leu errado) –, a proposta não me soa demasiado ousada. A questão que parece mover o enredo...

James Baldwin: indispensável

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Por Sofía Viramontes James Baldwin soube que ia ser escritor quando seu pai morreu. Antes disso pensou que talvez podia se dedicar a outra coisa: “queria ser músico, pensei em ser pintor, pensei em ser ator”, disse em 1984 numa entrevista a Paris Review . Seu pai, David Baldwin, foi pregador. James, o mais velho de nove filhos, também chegou a ser da mesma profissão durante três anos. Dedicou-se a isso entre os catorze e os dezessete anos e assegura que foi nesse tempo que, ainda sem saber, se tornou escritor. Quando seu pai adotivo (nunca conheceu o biológico) morreu, o quase-escritor tinha dezenove anos. Segundo Baldwin, ser pregador e escritor requer personalidades contrárias. “Ambos trabalhos são completamente distintos. Quando você está no púlpito deve soar como quem sabe o que diz. Quando está escrevendo, está tentando averiguar algo que não sabe. A linguagem da literatura para mim é descobrir o que não sabe, o que não quer descobrir”. James Bald...

História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, de Luís Sepúlveda

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Por Pedro Belo Clara Evocamos hoje, se tal exercício sequer comportar qualquer utilidade prática, um dos maiores e mais bem sucedidos escritores sul-americanos da actualidade. A comprová-lo estarão os inúmeros prémios que ao longo dos anos lhe têm adornado o currículo, dos quais o Prémio Eduardo Lourenço, em 2016, é somente o exemplo mais recente; além, e é aqui que o foco maioritário deverá incidir, de uma considerável difusão da sua obra a nível mundial, com especial destaque para os países latinos europeus, onde Sepúlveda desfruta por norma de um enorme carinho. A obra que trazemos hoje à lembrança, ainda que para alguns leitores possa ser uma completa novidade, foi editada em 1996 e, desde então, tem gozado de um estatuto idêntico ao de O Velho que Lia Romances de Amor , de 1989, por muitos ainda hoje considerado um dos melhores livros deste autor nascido no Chile, no ano de 1949. Na verdade, nos primeiros anos do século XXI, em Portugal, esta adorável história de...

Boletim Letras 360º #304

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Em breve abrimos em nossa página no Facebook uma enquete sobre qual foi a sua melhor leitura do ano. Nos últimos três anos fizemos essa consulta que resulta numa lista dos melhores livros do ano construída apenas pelos que acompanham o blog. E este ano, novas surpresas. Aguarde. Enquanto isso, vamos às notícias apresentadas nesta semana por lá.  Outra vez Mário de Sá-Carneiro. Editora brasileira começa a reeditar obra do escritor português. Segunda-feira, 10/12 >>> Brasil: Outra oportunidade de visitar a obra de Mário de Sá-Carneiro O poeta e ficcionista foi, ao lado de Fernando Pessoa e Almada Negreiros, um dos principais representantes do Modernismo português. Sua figura é de suma importância para a compreensão do modo como o Modernismo português se formou. No Brasil, sua obra ainda é pouco conhecida, apesar de já temos entre nós algumas publicações de seus poemas. A Editora Moinhos lança-se a mais uma empreitada excelent...