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Voltar a Levantado do chão

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Por Pedro Fernandes José Saramago em sua casa em Lisboa, finais dos anos 1980.   Levantado do chão foi apresentado aos leitores portugueses numa sessão realizada na Casa do Alentejo no dia 22 de fevereiro de 1980. Vinte e um dias antes, as livrarias e o próprio autor receberam parte dos quatro mil exemplares impressos pela editora Caminho. O número, apesar de pequeno se colocado frente às tiragens futuras da obra, foi a aposta pessoal e mortal de um editor numa casa em começo de consolidação; Zeferino Coelho, o editor em questão, já conhecia o escritor que no ano anterior lhe batera à porta para publicação de uma peça de teatro, A noite . Escrita a pedido de Luzia Maria Martins, o texto findou por ser não adaptado para a sua companhia; é o ex-jornalista Joaquim Benite, diretor do Grupo de Campolide, quem o transpõe para o palco do Teatro da Academia Almadense. O trabalho que chegou a receber o prêmio da Associação de Críticos Portugueses como Melhor Obra de Dramaturgi...

O que aprendemos com o filme "Parasita"

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Por Antonio Alves Parasita  se destacou no mundo da cinematografia não apenas por ser um filme sul-coreano e ainda assim ter conquistado várias categorias no Oscar, incluindo o prêmio de Melhor Filme (o primeiro gravado em linguagem não inglesa a conseguir a façanha), mas também por sua difícil identificação de gênero, transitando entre cenas de comédia, romance, suspense e terror. Por fim, o filme foi responsável por fazer severas e inteligentes críticas à frenética ascensão do capitalismo, abordando temas como a desigualdade social e a banalização das aparências, além de levantar reflexões sobre qual seria o verdadeiro papel e lugar de cada indivíduo na sociedade. Apesar do filme tratar de questões particulares de cada família e personagem, podemos generalizar a questão em muitos aspectos. Segundo a filósofa alemã Hannah Arendt (1906 – 1975), durante o século XIX, países como Inglaterra e Estados Unidos adotaram a política do imperialismo, que basicamente con...

A épica do naufrágio no Ulysses de James Joyce

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Por Stefano Cazzanelli Escrito entre 1914 e 1921 e publicado em 1922, Ulysses , de Joyce, é um dos livros mais difíceis já escritos. Não é um romance – embora Joyce insistisse em chamá-lo de romance – nem mesmo um ensaio; não é uma épica ou jornalismo. É tudo isso e sua superação: uma confluência de estilos, um bulício de personagens, sensações, lugares sem pés ou cabeça, em que tudo flui; um turbilhão onde se perder: a Caríbdis que Homero lançou contra Ulisses, Joyce lança para nós sem piedade. As personagens principais, Bloom e Stephen, são anti-heróis, derrotados; vítimas do mundo moderno em que os grandes ideais não têm direito à cidadania e em que apenas triunfa o decadente cotidiano. Paul Bourget, psicólogo e crítico literário contemporâneo de Joyce – muito influente nas teses de Nietzsche sobre o niilismo – definiu como decadente a literatura em que a parte predomina sobre o todo, a página sobre o livro. Flaubert, Stendhal ou Baudelaire foram exemplos desse espírit...

A paga dos roteiristas. William Faulkner e o cinema

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Por Mauricio Hammer “Continuaram. O último grão de neve se desfez e agora contemplavam uma cena que parecia saída de um Dante einsensteniano.” William Faulkner, As palmeiras selvagens “Temos por exemplo algumas folhas; e embora Juliette não tenha muito em comum com a heroína de Faulkner, nossas folhas podem se tornar tão dramáticas como essas palmeiras selvagens.” Jean-Luc Godard, Duas ou três coisas que sei dela William Faulkner, 1940. O descobridor de escritores “Em finais dos anos vinte, Howard Hawks leu um romance que o impressionou profundamente. O livro se chamava Paga de soldado e relatava a história de um tenente da Real Força Aérea que, em consequência de um ferimento sofrido durante a Primeira Guerra Mundial, padecia de uma cegueira degenerativa e era incapaz de recordar seu passado. A maneira objetiva e enérgica como expressava a ambiguidade da glória comoveu o diretor, que havia sido subtenente da força área estadunidense. Já então, Hawks gozava...

Boletim Letras 360º #365

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DO EDITOR 1. Na chamada para seleção de novos colaboradores para o Letras in.verso e re.verso, dez candidatos realizaram corretamente sua inscrição. A leitura do material enviado favoreceu a inclusão de três novos nomes que, a partir de março, passarão a se apresentar mensalmente por aqui. São eles: Felipe de Moraes, Maria Louzada e Paula Luersen. O leitor esteja atento porque dessas mãos sairão, certamente, boa coisa para ampliar ainda mais o espaço do blog na web .  2. Aproveito a ocasião para lembrar que, durante o ano inteiro, o Letras está aberto a receber textos de eventuais colaboradores. Você pode ler a proposta editorial aqui e preparar seu texto conforme essas orientações . Será um prazer ler seu texto e, quiçá, publicá-lo. 3. Anualmente, há três anos, o blog realiza um bazar na página no Facebook para vender alguns livros da biblioteca. Algumas peças do bazar de 2020 já estão disponíveis desde esta semana. Para saber quais livros são comercializados, co...

George Steiner, um mestre da literatura comparada

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Por Jordi Llovet Antes de entrar em contato com as grandes correntes da crítica literária do século XX, George Steiner (1929-2020) havia sido criado e educado em meios onde se falava e escrevia em três idiomas: inglês, alemão e francês. Esse poliglotismo fundacional na vida de Steiner foi o que mais tarde, em um de seus livros mais minuciosos e bem urdidos, Depois de Babel , permitiu-lhe não apenas praticar uma defesa da linguagem de acordo com a tradição que parte de Wilhelm von Humboldt e dos escritores do período romântico, mas também considerar que não havia melhor definição de cultura humana, como diversidade harmoniosa, do que aquela gerada a partir da multiplicação e dispersão de línguas. A admiração pelo mito de Babel, presente em todo o seu trabalho, permitiu a Steiner observar com suspeita todos os discursos e culturas que poderiam ter sido gerados em um só idioma. Sua ideia sempre foi que toda obra de arte da linguagem, como tal, fosse incorporada a um legad...