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Lasca, de Vladímir Zazúbrin

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Por Pedro Fernandes Vladímir Zazúbrin, Novosibirsk, 1918.   A certa altura do segundo capítulo de Lasca , o narrador que acompanha Srúbov, um agente da Tcheká, Comissão Extraordinária para Luta contra a Contrarrevolução e Sabotagem, primeiro órgão de segurança da União Soviética, antecessor da KGB, o narrador registra o encontro da personagem com uma carta do pai que assim diz: “Pense nos milhões de torturados, fuzilados, aniquilados para erigir o edifício da felicidade humana... Você está errado... A humanidade futura recusará a ‘felicidade’ criada sobre o sangue das pessoas...” Este excerto, sem desprezar toda a sua dimensão profética, pode ser tomado como uma síntese sobre um livro que atravessou as fronteiras do horror e se tornou numa das primeiras peças sobre um regime de dor e morte cujas marcas são indeléveis na história do povo russo. O que acompanhamos nas poucas páginas dessa novela é a crise de uma consciência que, mesmo obnubilada pelos interes...

Suave é a noite. O declínio de um roteirista chamado F. Scott Fitzgerald

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Por Manuel de Lorenzo F. Scott Fitzgerald. Arquivo Princeton University Library Quando F. Scott Fitzgerald traçou em Suave é a noite a história de Dick River, sua glória e queda, a doença mental de sua companheira, a descida aos infernos do álcool, sua insegurança emocional e a falta de controle financeiro, estava deixando um testemunho por escrito de sua própria história. Uma jornada de vida que o coroou como a voz mais talentosa de uma geração extraordinária, a de John Dos Passos, Robert B. Parker, Ernest Hemingway e William Faulkner, e acabou jogando-o na lama, derrotado por seus próprios demônios. Em 1921, um ano depois de publicar Este lado do paraíso , seu primeiro romance, ele fez uma confissão profética no artigo “My Lost City” (Minha cidade perdida): “Lembro-me de viajar de táxi uma tarde entre edifícios altos e um céu cor de rosa e malva; Comecei a chorar muito, porque tinha tudo o que queria e sabia que nunca seria tão feliz novamente”. Treze anos depois, quando t...

Isaac Asimov e Ray Bradbury: dois centenários

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Por Albero Chimal Isaac Asimov. Foto: Claudio Edinger / reprodução. Saímos da segunda década do século XXI e no ano se juntam dois importantes centenários: os dos escritores estadunidenses Isaac Asimov (1920-1992) e Ray Bradbury (1920-2012). Ambos são figuras opostas e complementares, da ficção científica ou narrativa especulativa – uma literatura muito mais influente do que parece na cultura de nossa época – e lê-las hoje também dá para pensar, de modo mais geral, sobre nossas atitudes em relação ao futuro, como manifestado nesta era de incerteza. O termo “ficção científica” (tradução literal de Science fiction , narrativa científica) é usado para falar de obras de qualquer período da história literária, mas, na realidade, não chega nem aos cem anos: foi cunhado e popularizado em 1926 por Hugo Gernsbacher (1884-1967), editor e escritor luxemburguês exilado nos Estados Unidos, na revista Amazing Stories , fundada por ele e ainda ativa até hoje. Amazing , e várias o...

O Boom, modelo para desarmar

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Por Verónica Boix Silvina Ocampo e Adolfo Bioy Casares. Julio Cortázar chamou os leitores passivos, que não aceitam desafios, com o triste célebre designativo “leitor feminino”. Mas, além do óbvio menosprezo, a associação deixa à vista os males de uma sociedade patriarcal no século XX. Não é de estranhar, então, que nenhuma mulher tenha constituído parte do chamado Boom Latino-americano. Assim, seria impossível pensar a literatura atual – e a inusitada vitalidade que as mulheres imprimem – sem antes faltar sobre as escritoras latino-americanas que em meados do século passado já utilizavam as letras de forma transgressora, revelando-nos subjetividades novas e emoções complexas. Se já um processo literário que acontecia nos países da América Latina ou uma invenção publicitária impulsionada pela agente literária Carmen Balcells, o certo é que o Boom captou em diversos escritores características essenciais: a busca de uma identidade local e a inovação estética são algumas ...

Boletim Letras 360º #370

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DO EDITOR 1. Entramos, em definitivo, na região do incerto. Para onde iremos – não sabemos. Este blog quer continuar perto de seus leitores e amigos nesses tempos difíceis, de reaprendizagens. Aí estão nossas redes sociais abertas para se constituírem grandes espaços de diálogo (os links ficam sempre disponíveis no rodapé desta postagem e no final da página). Cuidemo-nos e sejamos solidários com os outros que mais precisam. 2. O BO Letras 360º é uma publicação semanal que reúne informações disponibilizadas (ou não) na página do Letras no Facebook. Obrigado pela companhia e, boas leituras! Hermann Hesse. Obra inédita do escritor no Brasil ganha tradução.   LANÇAMENTOS Um encontro que põe em movimento a memória da década de 1970 no Brooklyn estadunidense . Augusta, antropóloga formada por uma prestigiada universidade, volta a sua casa para o funeral do pai. Coincidentemente, seu trabalho de pesquisa acadêmica centra-se em rituais funerários de várias cul...

A leitura e a docência nunca foram tão excitantes

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Por Rafael Kafka Tony Illustration Nesse percurso de dez anos em que ocupo espaços de sala de aula, percebo que a afetividade sempre foi uma presença importante em minha rotina, mesmo sem conhecer o básico de como esse conceito interage com o processo de ensino-aprendizagem. Tudo era muito intuitivo e eu tentava de alguma forma manter uma relação de proximidade com meus alunos. Não queria ser o estereótipo do professor de cursinho pré-vestibular que dá aula show e é engraçado o tempo todo para fazer sucesso com os alunos, apesar de em diversos momentos eu usar estratégias similares para quebrar a monotonia das aulas e assim tornar tudo mais leve. Dar aula me ensinou que afetividade é um conceito amplo demais, manifestando-se de diversas maneiras em todos os contextos de nossa existência. Nesse sentido, a afetividade vivida na escola não deve ser a mesma vivida em casa e devemos refletir sobre os motivos que levam à projeção dos alunos desse outro tipo de afeto mais fa...