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Boletim Letras 360º #391

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DO EDITOR 1. Durante a semana, entidades ligadas ao livro e leitores como o blog Letras in.verso e re.verso fizeram eco a uma campanha contra a taxação de livros que quer ser imposta pelo governo brasileiro. Um país feito de desigualdades cada vez mais acentuadas, onde o livro é de raro acesso dada todos imperativos que dificultam seu acesso, onde os índices de leitura são sempre reprováveis, transformar o livro em artigo de luxo é uma afronta diante da qual não podemos nos isentar, nem calar. Leia mais sobre a participação do blog no movimento #DefendaOLivro .  2. Abaixo registra-se as notícias que passaram, ou não, pelo mural de nossa página no Facebook. Além delas, as demais seções com novos conteúdos, sempre com o interesse de enriquecer e ampliar sua experiência cultural e literária. Fique bem. Boas leituras! Elizabeth Bishop. Um novo livro e a decisão da FLIP de mais homenagear a poeta em 2020.  LANÇAMENTOS Um retorno ao Portugal profundo . Neste...

O eu que não somos e o desejo que não conhecemos

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Por Rafael Kafka  Alexander Calder Decidi ler Lacan por questões de saúde mental. Optei há algumas semanas em iniciar o processo de análise para cuidar de algumas questões emocionais que muito me afligem há anos. Recomendado por um amigo, decidi tentar e ao mesmo tempo iniciei o seminário que fala da questão do eu dentro da teoria psicanalítica. A frase mais célebre desse texto é sem dúvida alguma simples e profunda: “o eu é o outro”. Temos a ilusão de vivermos em uma personalidade precisa e fechada em seus moldes cristalizados. Contemplamos nosso ser como um objeto que se apresenta a si como opaco, bem definido e nossa personalidade é um discurso que permeia cada uma de nossas ações. Nesse sentido, presos ao ideal cartesiano, separamos nossa percepção do eu do objeto contemplado e vivemos na paz nadificadora que reafirma que somos seres fechados vivos enquanto o outro está delimitado em todas as suas características determinadas. O caminho da liberdade, par...

O trigo e o joio, de Fernando Namora

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Por Pedro Fernandes O medo é capaz de nos conduzir para as situações mais assombrosas. Instaurado na consciência, sua força invisível, de mil garras, infecta e corrompe os corpos de mil maneiras e atinge com a mesma violência os que nos são próximos física e espiritualmente até se converter em pavor e, levando uns contra os outros, conduz toda uma ordem para a loucura, a danação e o caos. Esta poderia ser uma boa síntese sobre O trigo e o joio , de Fernando Namora. É este um livro que ao lado de Domingo à tarde sempre se recomenda entre suas principais obras de elevado fulgor criativo.     Situado no âmbito da ficção neorrealista, este romance não se centra em exclusivo no drama social das gentes de periferia, ainda que a questão esteja muito avivada em toda narrativa: é visível a exploração dos latifundiários sobre os trabalhadores, a luta incansável dos pequenos produtores submetidos ao jugo da pequena maquinaria dos que lucram, o conluio entre os poderes de ...

Paterson, de Jim Jarmusch

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Por Pedro Fernandes Como se determina ou se forma a persona do poeta? A pergunta cavilosa motivou o derramamento de baldes e baldes de tinta na tentativa de se copiar uma resposta que nunca chegou a ser satisfatória, embora a escola romântica tenha se encarregado de fincar suas raízes ao máximo limite da profundidade, ao ponto mesmo de muitos dos brotos da imensa árvore que aí se formou ainda verdejarem sobre nós quase quatro séculos mais tarde. À frente disso, talvez só a escola modernista, mas não sem deixar de barganhar uma conta impagável com a primeira. O poeta como uma entidade em contato com o incognoscível e todas as derivações daí possíveis (o profeta, o louco, o alheado) e a figura de espírito esponjoso, facilmente capaz de absorver as dores do espírito (sobretudo as da coita amorosa) são duas das mais significativas imagens da forja romântica. Depois, sua capacidade individualista de sozinho dizer de si e do mundo com a força da própria luz advinda do gênio qu...

Tema ou técnica? I – Notas sobre um debate crítico-literário

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Por Guilherme Mazzafera “Uma técnica artística não é uma receita: é um conjunto de exigências interiores que condicionam e determinam a forma exterior de uma obra de arte.”   Álvaro Lins Kazimir Malevich. Desportistas , 1913.   No fragmento XLII do seu Notas de um diário de crítica (1943), ausculta Álvaro Lins: “Uma argumentação que está se formando no íntimo de nossas consciências artísticas, e que eu gostaria de ver tomar corpo e vencer, é a da revalorização do estilo, a da importância da ‘forma’ na obra literária.” Pode-se dizer, sem qualquer dúvida, que o desejo de Lins foi atendido: tal argumentação tornou-se verdadeiro mantra crítico da época, bandeira defendida por nomes como Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Almeida Salles, Antonio Candido, Sérgio Buarque de Holanda, João Cabral de Melo Neto, entre outros, em ensaios veiculados em periódicos entre o final dos anos 1930 e o início dos anos 1950. Em Antonio Candido, por exemplo, nota-se a consc...

Um passeio pela obra de Anton Tchekhov

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Por Joaquim Serra Anton Tchekhov, 1892. Não só no século XX veríamos o esfacelamento do entendimento através da linguagem. Se em Beckett a sintaxe é subversiva para representar a incomunicabilidade dos seres no mundo pós-guerra, em Tchekhov, mesmo com o pleno exercício das frases acabadas, as personagens nem sempre se entendem através da comunicação, porque são vazias de sentido, ou não encontram uma continuidade do diálogo no interlocutor. O tragicômico Ivan Tolkatchov, o pai de família na peça Trágico à força , depois de seu monólogo no qual mostra seu mundo atarefado, de obrigações e abusos, não obtém do amigo interlocutor uma palavra que o acalme. Tolkatchov entra em cena com um globo de luz, um velocípede de criança, três caixas de chapéus femininos, uma grande trouxa de roupas, um cesto com cerveja e uma infinidade de pacotes pequenos. Pede um revólver emprestado ao amigo e não demora a se lamentar:  “ sou um mártir, sou um trapo. ”  Tolkatchov sente o...