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E então nós dançamos, de Levan Akin

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Por Pedro Fernandes É de compreensão popular que a melhor maneira de saber lidar com nossos rivais é mantê-los muito de perto. Poderia ser este um bom motivo norteador para o jovem Merab quando numa dessas radicais intervenções do acaso vê o seu possível futuro lugar na companhia de balé georgiano ameaçado devido a chegada de um bailarino com um pouco mais de atitude. Mas, se fosse dada a oportunidade de intervir no acaso, outro conselho seria vital: aproximar-se demais dos nossos rivais pode nos prender em definitivo numa contradança cujos passos tempo nenhum os desfaz. E então nós dançamos. A chegada de Irakli num ambiente feito de alta competição mesmo que o tradicionalíssimo balé georgiano atravesse uma decadência visível não apenas pela opinião de algumas das personagens ao longo da narrativa fílmica mas na composição cenográfica do estúdio onde estudam o grupo de rapazes e mulheres vem quase simultaneamente com uma história repassada entre os alunos sobre um bai...

Visões na neve. Interpretação de “Bosque branco”, de Maria Azenha

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Por José Ángel Cilleruelo Depois de alguns livros de caráter temático diferenciado , Maria Azenha retorna com Bosque branco (2020) aos poemas extremamente curtos e ao simbolismo endocêntrico, ou seja, aquele em que os textos ramificam um único núcleo simbólico. Uma poética que já havia inspirado alguns de seus títulos essenciais, como A sombra da romã (2011), com a qual o recém-publicado estabelece alguns paralelos. Formal, como a extensão dos poemas, de dois e três versos; mas sobretudo no conteúdo, como poemas de amor escritos não para uma pessoa, mas para o próprio Amor: “É primavera, Amor. / O meu coração nasceu no teu, em flor.” Como naquele livro, Bosque branco é geralmente feito de declarações, promessas, carências, desejos, presentes, intimidades, medos, ausências e sonhos de amor. E também por outro elemento, então ausente, que desfigura o paralelismo. Bosque branco é um poema de amor para o Amor: “Uma criança inocente dorme em meu leito / Com o nome do m...

Jorge Luis Borges, o ser e o tempo

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Por Juan Arnau Navarro Jorge Luis Borges diante a Mesquita Azul, em Istambul. Foto: María Kodama Borges joga como uma divindade hindu. Entre a metáfora e o mito, o infinito. Move despreocupadamente suas asas no estúdio da rua Maipú e desencadeia um terremoto no Japão. Como num sonho, Borges é a borboleta, o tremor e as emoções que convoca. Mas ele sabe que não existe, por isso ri e se desdobra. Conhece o poder da alma para criar sua própria companhia. Há em seu pulso algo do espanto de quem viu as profundezas: o eterno retorno de ruínas circulares, a bagatela da personalidade, uma cópia de uma cópia (como diria Plotino). Ele é o cego que viu e por isso tem medo de espelhos. Mas ele não arranca os olhos para pensar, como o matemático, que sabe que a aparência é verdadeira. Há algo filosófico em sua atitude, embora, é claro, ele o negue. Ele é um simples amante de livros, de mitologias nórdicas, de certos sonhos que aconteceram na Babilônia ou no Ganges. Como um jogador, el...

Boletim Letras 360º #392

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DO EDITOR 1. Continuamos na busca do leitor 80 mil. Será que chega até o final deste ano de proporções inusitadas? Falamos sobre a chamada por novos companheiros que ampliem as fronteiras para o literário na web , falamos sobre nossa página no Facebook .  2. É nesta página, por exemplo, que se registram as notícias copiadas abaixo. Além delas, uma variedade incrível de conteúdos relacionados aos escritores e obras do nosso interesse. 3. Agradecemos a companhia do fiel leitor e deixamos o pedido de trazer para nós seus mais achegados que admiram os livros e a literatura. Fique bem. Boas leituras! Mestre supremo na arte de narrar, Liev Tosltói também é o autor de quatro novelas esplêndidas que ganharam nova tradução direta do russo e nova edição no Brasil.  LANÇAMENTOS A editora Antofágica publica nova tradução de O grande Gatsby , de F. Scott Fitzgerald . Anfitrião das festas mais luxuosas de Nova York, Jay Gatsby é um jovem milionário que encar...

“Não precisa chegar”. Os jograis na democracia

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Por Wagner Silva Gomes Hieronymus Bosch. Trípico de Haywain , 1516. (detalhe) No período em que os estados nacionais da Península Ibérica (Portugal e Espanha) não estavam totalmente definidos (séculos XIII e XIV) e o idioma utilizado era basicamente uma mistura dos dois, sendo designado como galego-português, floresceu o trovadorismo como prática literária na lírica. Foi um movimento cortesão, onde os trovadores (poetas e compositores) poderiam interpretar suas cantigas ou dá-las para a interpretação dos Jograis (intérpretes), tudo isso com o objetivo de produzir um espetáculo, onde entram as soldadeiras (dançarinas que animavam as apresentações), numa performance em algum palácio, com reis, nobres, clero e nas grandes festas populares, com a presença de plebeus. Metricamente os poetas utilizavam-se da medida velha, isto é, redondilha menor (5 sílabas métricas) e redondilha maior (7 sílabas métricas). A partir dessa técnica de se fazer poesia e canções, é possív...

Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

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Por Pedro Fernandes Fahrenheit 451 foi publicado em 1953 e deste então passou a integrar a seleta lista de uma linhagem do romance que remonta a pelo menos duas décadas antes de quando da sua origem: a distopia. Trata-se daquela obra que geralmente extrapola os limites das convenções estabelecidas e que guardam, nem sempre expressamente, uma interpretação acerca dos seus destinos e as implicações nos destinos da própria comunidade. Os modelos da ficção distópica estão muito bem determinados no romance Nós , do escritor soviético Ievguêni Zamiátin; seus herdeiros exploram desde então as mesmas dimensões que entreveem uma humanidade submetida aos excessos introduzidos pela era da burocracia e da técnica. No caso do romance de Ray Bradbury, a sociedade por ele pensada encontra-se situada no último estágio de consolidação de uma era pautada exclusivamente pela imagem e na total negação dos objetos conseguidos ao custo da linguagem escrita. O protótipo desse modelo se es...