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Os pilares da quadra, a poesia de Renan Peres

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  Por Wagner Silva Gomes   Dividido em duas partes, a primeira girando em torno da liberdade, a segunda tomando como base o amor, sintomas (Pedregulho, 2020), livro de estreia de Renan Peres (Vitória – ES, 1997), tem como ponto de partida o horizonte, espaço. Mas esse não é nada sem o amor, construção. É sobre até onde vai o amor, se:   xiii.   no seu mundo jamais serei pedestre  suas ruas me foram interditadas está proibido nos cruzarmos.  (p. 93).   Com versos livres, ora com rimas sólidas toantes, como as paredes em /S/ , da interdição de cruzar com o outro – últimos dois versos – o eu lírico quer ir além do limite imposto. Peres, por isso, faz uso da heterometria (as duas paredes de decassílabos com uma de nove sílabas que poderia ser de dez, contando com o indivíduo, mas se trata de um terceto, não de uma quadra – espanto, as quadras, como são chamados os quarteirões de ruas, bairros, não são quadras, pois têm dois lados, lados que dividem sujeit...

Tema ou técnica? III – Graciliano Ramos e a matéria romanceável

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Por Guilherme Mazzafera Kazimir Malevich. Duas mulheres numa paisagem .   “Com certeza nossos autores dirão que não desejam ser fotógrafos, não têm o intuito de reproduzir com fidelidade o que se passa na vida. Mas então por que põem nomes de gente nas suas ideias, por que as vestem, fazem com que elas andem e falem, tenham alegrias e dores?”    Graciliano Ramos, “O fator econômico no romance brasileiro”     Em “Decadência do romance brasileiro” (1941), um de seus textos críticos mais certeiros, Graciliano Ramos principia por confrontar duas ideias então em voga: a falta de “material romanceável” no Brasil, que explicaria a baixa qualidade da prosa de ficção vigente à época (ideia veiculada por Prudente de Morais Neto por volta de 1930), e, em resposta a esta, a existência de ótimos romances, mas não de romancistas. Para o autor, a revolução de outubro e o modernismo atuaram como fatores essenciais na mudança de um estado de estagnação artística, e, se por ...

Louise Glück, a poesia de um mundo em declínio

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Por Federico Díaz-Granados Louise Glück. Foto: Don Usner    A poesia está em festa. Não é apenas um motivo recorrente para celebrar, mas nestes dias está em festa porque uma das mais destacadas expoentes ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Louise Glück, poeta novaiorquina e herdeira da mais genuína tradição da poesia estadunidense, abandonou a discrição e sobriedade de seus dias para se converter no centro das atenções mundo afora.   Uma vez mais a poesia é protagonista dos primeiros planos dos jornais e é o tema principal de muitas das conversas entre leitores. A Academia Sueca disse que Louise Glück recebe o galardão “por sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, torna universal a existência individual”. Uma frase objetiva que define com exatidão uma vocação e uma carreira literária.   Não aparecia nas listas das casas de apostas que todo ano prognosticam os ganhadores, nem no favoritismo das possibilidades vendidas pela mídia, tampouco surpreendeu os...

Boletim Letras 360º #399

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DO EDITOR 1. Saudações, caro leitor! Esta é a edição n.396 do Boletim Letras 360º, uma post semanal criada desde quando os algoritmos do Facebook passaram a trair nós todos. Reúnem-se aqui todas as notícias compiladas ao longo da semana naquela rede social. Obrigado pela companhia por aqui e noutros canais do blog. Boas leituras! Louise Glück, poeta Prêmio Nobel de Literatura 2020. Foto: Webb Chappell    LANÇAMENTOS   O novo título da Coleção Estudos Saramaguianos, editada pela Moinhos .   O período formativo é um livro que acrescenta na leitura da obra de José Saramago. A obviedade da constatação pode ser, mas não é, gratuita. Quando assistimos os usos do texto literário num contínuo rebaixamento à superfície dos conteúdos ideológicos ora dos leitores ora dos autores (na delicada incapacidade de compreender as implicâncias do jogo literário), recaindo no vazio analítico, o que, por sua vez, implica, se muito, permanecer apenas na superfície do tecido textual, ...

O dia em que meu pai foi poeta. A partir de “Receita de domingo”, de Paulo Mendes Campos

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Por Paula Luersen Ilustração: Julie Bernard   Nunca soube ao certo quem foi que disse que até os três anos de idade nossa mente não é feita para guardar lembranças. Só sei que despertei, aos poucos, pensando naquela matéria de jornal já sem data, sem nome ou qualquer referência, presa por uma ou outra letra nas teias da minha memória. Ela dizia que muito do que achávamos recordar era puramente inventado, feito de rabiscos e garranchos das nossas mais fortes impressões, prontas a encenar em nossa mente detalhadas cenas de um passado falso. Teria eu fabulado o cantar de um canário belga e o cacarejo agoniado das galinhas, que antecediam os almoços de domingo? Com que rabiscos compunha aquele homem que na minha infância gritava aos corvos um sonoro e profético Never more ? Existiu algum dia esse sujeito rendendo homenagens à poesia de Allan Poe, em pleno anoitecer de domingo? Ainda na cama, olhei desconfiado para minha estante de livros. Poderiam ser eles os rabiscos a compor o absurd...

Vertigem do chão, de Cezar Tridapalli

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Por Pedro Fernandes Cezar Tridapalli. Foto: Agata Schmitt A emigração é o grande tema literário do nosso tempo. Os motivos para a afirmativa podemos especular sob os mais diversos pontos de vista. E este fenômeno que remonta nossas origens e o prosseguimento da espécie adquire de novo contorno parece resultar do embate com um modelo radical e de raízes profundas que na formação dos estados passou a se chamar nacionalismo. O emigrante instaura, assim, um complexo confronto no interior daquelas sociedades mais ou menos estabilizadas em torno de uma identidade cultural há anos e anos idealizada e modelada de acordo com determinadas diretrizes de posse que permitem a um grupo distinguir-se sobre os demais. Quer dizer, o tema radica especificamente o desfazimento dessas fronteiras mais ou menos solidificadas a muito custo e cujas linhas começam a se liquefazer à medida que se multiplicam os processos de trocas culturais, parte das grandes transformações impostas pela globalização.   No ...