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Como fazer coisas com livros

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Por Patricio Pron Ilustração: Joe Prytherch Ninguém jamais verá este livro nas listas “dos mais vendidos”, mas os únicos prejudicados por esta omissão serão aqueles leitores que ingenuamente creem que algo só é bom se for comprado por muitas pessoas. Apesar disso, não há o que reclamar a sua jovem autora, a poeta e artista multidisciplinar Amaranth Borsuk, nem quanto a seu tema, a história do livro e suas transformações ao longo de, digamos, os últimos 5.500 anos, uma história especialmente atrativa nos tempos em que o livro e o que se relaciona com a cultura surgida em torno dele se convertem em fetiche mercantil enquanto os índices de leitura não deixam de diminuir. A razão pela qual é improvável que El libro expandido seja lido por muitos leitores reside no fato de que, ao contrário de outros livros recentes sobre o tema, sua autora não banaliza essa história, a do livro e da leitura, nem a degrada em uma fantasia sobre reis e escribas ou em uma lição escolar repleta de lugares-com...

Boletim Letras 360º #421

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DO EDITOR   1. Saudações, caro leitor! A seguir, encontrará as notícias apresentadas durante a semana na página do blog Letras in.verso e re.verso no Facebook e o conteúdo das demais seções de leitura criadas em momento posterior à existência deste Boletim. Obrigado pela companhia nesta longa travessia. Boas leituras! Afonso Cruz. Foto: André Dias Nobre .    LANÇAMENTOS   Editora Dublinense publica premiado livro do escritor português Afonso Cruz .   Em uma Dresden devastada pelos bombardeios, Bonifaz Vogel esconde na sua loja de pássaros o jovem judeu Isaac Dresner. A partir daí, vão entrando em cena diversos personagens, incluindo Mathias Popa, autor de A boneca de Kokoschka , que conta a história do pintor Oskar Kokoschka e da sua boneca, feita à imagem e semelhança da sua amada. E dessa singular galeria de vidas, Afonso Cruz compõe um irônico e magistral jogo de matrioskas, no qual a realidade se confunde com a ficção e cada história é ressignificada pelo o...

O poder do punho, a mulher e o espaço público

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  Por Wagner Silva Gomes   Um útero é do tamanho de um punho (2012), da autora Angélica Freitas, se vale da escrita como empoderamento antissexista, mudando as consciências individuais, criando estratégias no cotidiano para a reinvindicação do direito à humanidade, para que a mulher faça valer sua voz nos espaços sociais, não sendo apenas objeto decorativo ou de domínio masculino.   É algo próximo ao que Djamila Ribeiro em seu livro Quem tem medo do feminismo negro? atenta para as diferenças entre o feminismo da mulher branca e o da mulher negra, que historicamente nunca foi apenas objeto decorativo, citando o grande discurso E não sou eu uma mulher? (1851) da ex-escrava norte-americana Sojourner Truth, que diz que a mulher e nunca o homem a ajudou a subir numa carruagem, não a carregou para atravessar um lamaçal etc. Mas, as mulheres e os feminismos criam espaços de convívio e fortalecimento justamente para que haja sensibilidade às demandas de um grupo não assimilad...

Fragmentos completos, de Safo

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Por Pedro Fernandes O título estabelecido para o que se conhece da poesia sáfica aparece preso no centro de uma contradição. Se o fragmento é indiscutivelmente a incompletude, logo a designação de sua completude é uma aporia. Quando muito, a ilusão do alcance de uma totalidade. Agora, nem toda contradição ― é bom que se diga em tempos de falsas certezas e questionáveis absolutismos ― é negativa. E o caso em questão é um exemplo disso.   Restou pouquíssimo da lírica grega. Sabemos do valor imprescindível alcançado pela epopeia e pela tragédia ― e mesmo pela comédia ― das quais chegaram até nós dois vários textos que implicaram a formação de toda a literatura ocidental. Mas da lírica, originalmente feita para o canto acompanhado da lira ou algum instrumento similar, quase nada restou. Entre Alceu de Mitilene, Anacreonte, Álcman, Baquílides, Estesícoro, Íbico e Simônides, dois nomes se fizeram mais conhecidos e não pela vultuosidade dos materiais encontrados: Píndaro e Safo. Do prime...

Nathalie Sarraute: morte e ressurreição do romance

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Por E. J. Rodríguez   O gênio da suspeita apareceu em cena. (Stendhal)   A consciência é uma rede superficial de opiniões convencionais tomadas tal como são do grupo ao qual pertence. (Nathalie Sarraute) Nathalie Sarraute. Foto: Andersen / SIPA   A literatura de Nathalie Sarraute foi avaliada em sua época e ainda é avaliada hoje como “difícil”, “inovadora”, “experimental”, “contrária à convenção”, “destituída de enredo”. Ela, no entanto, via tudo de forma diferente. Quando era questionada sobre seu surpreendente apreço pela simplicidade da oralidade ― uma apreciação que ela desenvolveu em sua juventude enquanto praticava o direito e escrevia palestras em um registro mais acessível do que seus escritos posteriores ― levantava uma amistosa resposta: “Essa facilidade exige uma excepcional quantidade de trabalho, muito tarefa!” Como costuma acontecer com quem escreve, compõe música ou pinta, o que os outros percebem como fácil costuma ser, na realidade, o mais difícil para os...

O fim da verdade em Dostoiévski-trip, de Vladímir Sorókin

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Por Joaquim Serra Vladímir Sorókin. Foto: Anton Zemlyanoy Em Dostoiévski-trip , Vladímir Sorókin não pessoaliza nada. Nomeia personagens por gênero, classificando-os como se fossem números de série. A abertura da peça é realista, dialoga com temas atuais, mas, a todo o tempo, há em suas falas uma abertura para um subtexto, “Os tempos estão mudando para pior” (p. 7), diz um dos personagens. O Homem 2 é responsável por essa abertura; ele sentencia: “acreditar de olhos fechados. Em nosso tempo. Difícil e contraditório” (p. 9). Então a droga entra, e a “viagem” do título tem vida dupla para aqueles que usam. É então que as verdades sagradas de Mýchkin, personagem de Dostoiévski inspirado na vida de Cristo e na inocência de um Dom Quixote, são realçadas de um outro ponto de vista. Há uma ironia a cada vez que um personagem evoca um escritor. A droga, que tem nome de escritores – assim como os apelidos que muitas drogas têm –, ganha dupla potência: quando falam dos escritores, os person...