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A obsessão dos olhos: Buñuel o voyeur

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Por Glafira Rocha Todo se hace en silencio como se hace la luz dentro del ojo. Jaime Sabines   Frame de Um cão andaluz , filme de Luis Buñuel.   Um olho no buraco da fechadura olha, observa, espia. Um marido ciumento do outro lado e uma agulha comprida e afiada que é inserida com a intenção de perfurar esse olho que irrompe no universo dos amantes. O olho se esvazia, sangra, o espião grita: perdeu um de seus valores mais preciosos. Na imaginação paranoica de um homem aprisionado pelo ciúme, acontece essa história que não tem relação com a realidade; ninguém vê, não há ninguém atrás da porta, embora sua resposta corresponda à sua fantasia, pois um cérebro não distingue entre o que realmente está acontecendo e o que a ilusão lhe indica. Os olhos são a sua obsessão, a visão do voyeur que participa do evento como ausente e presente ao mesmo tempo. O olhar que realiza um jogo de espelhos: o autor que imagina, o ator que representa, o espectador em sua poltrona, que também inv...

Todo (o) sentimento em todo (o) tempo: um pequeno itinerário para uma breve crítica poética

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Por Marcelo Moraes Caetano Ferenc Pintér.   Todo o sentimento (Bastos e Buarque, 2012) Preciso não dormir Até se consumar O tempo da gente. Preciso conduzir Um tempo de te amar, Te amando devagar e urgentemente. Pretendo descobrir No último momento Um tempo que refaz o que desfez, Que recolhe todo sentimento E bota no corpo uma outra vez. Prometo te querer Até o amor cair Doente, doente... Prefiro, então, partir A tempo de poder A gente se desvencilhar da gente. Depois de te perder, Te encontro, com certeza, Talvez num tempo da delicadeza, Onde não diremos nada; Nada aconteceu. Apenas seguirei Como encantado ao lado teu. Depois de te perder, Te encontro, com certeza, Talvez num tempo da delicadeza, Onde não diremos nada; Nada aconteceu. Apenas seguirei Como encantado ao lado teu. A poesia “Todo o sentimento”, escrita por Chico Buarque e Cristóvão Bastos, será encarada, nesta crítica, pela perspectiva imanente (cf. Todorov, 2009) do texto. Com isso, qu...

Gustave Flaubert ou a invisibilidade autoral

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Por Toni Montesinos Gustave Flaubert. Ilustração: J. J. Sempé   Já dizia a dupla formada por Jules e Edmond de Goncourt, em seu diário de 1860, cujos relatos da história relegou ao esquecimento, mas cujo sobrenome tem eco constante no meio cultural gaulês e até internacional para o prêmio assim chamado, o que passou a ser realizado para cumprir com uma vontade registrada em testamento por Edmond. Referimo-nos a esta afirmação — “Oh, querer fazer algo novo custa caro!” — dita num período quando a França estava sofrendo uma avalanche de acontecimentos logo após Luís Napoleão Bonaparte, presidente da Segunda República Francesa, dar um golpe de estado para se tornar Napoleão III. Algo que geraria, como consequência direta no campo literário, o exílio de Victor Hugo e um clima de censura perpetrada contra os meios de comunicação.   Por exemplo, em 1853, os Goncourt foram processados ​​por um artigo que pretendia refletir o ambiente da rua de onde moravam até o endereço do jornal pa...

Boletim Letras 360º #457

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, na semana seguinte o Letras alcança 15 anos online.  2. Desde quando começou timidamente como um espaço pessoal para abrigar textos aleatórios, registros de leituras colhidos noutras regiões desse universo ao que somos hoje, 15 anos é um longo tempo. Nada aqui foi gratuito e tudo foi/ e é a duras penas.  3. Vale pensar que este espaço tem contribuído para o debate sobre a literatura e o literário num país que sempre deitou vistas grossas para o assunto ou se utiliza dele para subterfúgios outros, uma vez que padecemos da triste mania de reduzir a leitura a algum fator utilitário.  4. Não é fácil, é verdade, mas continuamos.   5. Lembro que no dia 26 de novembro, se divulgará o resultado do primeiro sorteio do nosso pequeno clube de apoios à manutenção do blog. Levará um kit com três livros ofertado pela Editora Mundaréu. Você pode saber tudo sobre como participar aqui . Se estiver numa das redes do blog, pode consultar m...

O libertino moderado

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Por Juan Claudio de Ramón Cocanha. Pieter Bruegel   Existe um problema com a libertinagem e consiste em saber se somos a favor ou contra. É um ideal válido e alcançável? Depende do que se entende por libertino, diremos. Vamos pensar em todos os seus nomes: hedonista, dissoluto, depravado, desordeiro, vicioso, pervertido, canalha, festeiro etc. Cada um deles designa um grau de excesso que merece um julgamento diferente. Admiramos o amigo sedutor que conhece os corpos indistintamente, cada noite uma perfeição diferente; nós o imaginamos transbordante de alegria e secretamente o invejamos; mas basta imaginar uma presa abandonada, um cônjuge traído, para que certo verme comece a furar a nossa consciência. Mais um delito e nos separamos; um limite ultrapassado: nojo. Mas onde está esse limite? Existem cinismos e crueldades que nos divertem. Outros que nos enojam. Entre eles há toda uma gama de perversões que levantam dúvidas: polegar para cima ou polegar para baixo? E, supondo que soubé...

Autobiografia, de José Luís Peixoto

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Por Pedro Fernandes José Luís Peixoto. Foto: Reinaldo Rodrigues.   No discurso de recepção do Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago estabelece um jogo cuja prática exerceu ao longo dos romances que escreveu. Ao se reconhecer mestre e aprendiz de suas criaturas de tinta e papel — aliás, o título desse texto de dezembro de 1998 é “De como a personagem foi mestre e o autor seu aprendiz” — o escritor viola propositalmente o lugar do leitor ao lhe atribuir um papel participativo na conformação da obra literária. Trata-se de uma dialética capaz de renovar ainda o estatuto do ficcional; não é o caso de um retorno ao infinito debate acerca dos limites entre o imaginado e o vivido, estirando-se para o primeiro polo dessa relação — até porque entre um e outro, a compreensão do escritor se apresenta indistinta. É, sim, a renovação de uma leitura sobre a existência enquanto aprendizagem constituída no limiar da fabulação e da ação.   O itinerário do protagonista deste romance de ...