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Gustave Flaubert diz à mãe por que escritores sérios não devem se preocupar com empregos formais

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Por Colin Marshall Gustave Flaubert. Ilustração: Wesley Merritt Nós somos o que fazemos — ou em outras palavras, somos o que escolhemos gastar nosso tempo fazendo. Por essa lógica, um “músico” que passa um quarto de seu tempo com seus instrumentos e três quartos com Excel, embora não seja menos humano por isso, deveria por direito se chamar de fabricante de planilhas e não de criador de música. Essa visão pode parecer dura, mas tem seus adeptos, alguns deles artistas bem-sucedidos e respeitados. Podemos ter certeza de que nada menos que um criador do que Gustave Flaubert, por exemplo, certamente o teria aceitado, se levarmos a sério as palavras de uma carta que escreveu à mãe em fevereiro de 1850.   Embora ele tivesse finalizado vários livros na época, Flaubert, então com 28 anos, ainda não havia se tornado um homem de letras. No entanto, viajou bastante nessa época de sua vida, compondo essa correspondência em particular durante uma estada no Oriente Médio. Parece que mesmo do out...

Boletim Letras 360º #481

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DO EDITOR   1. Caro leitor, aqui está parte do conteúdo que fez a semana do Letras nas demais redes sociais mais as seções de costume. Agradeço sua companhia por aqui. Sempre tenha um bom e rico fim de semana, com descanso e boas leituras.    Mário de Andrade. Foto: João Mussolin.   LANÇAMENTOS   O erotismo de Mário .   A obra de Mário de Andrade é atravessada por uma profunda inquietação em torno do sexo. Pulsante e permanente, essa inquietação se traduz tanto na exploração do domínio erótico, de notável amplitude, quanto na incessante busca formal que o tema lhe impõe sem descanso. Na tentativa de reconhecer a silhueta de Eros nas tantas faces que o próprio escritor se atribuiu, sua produção literária se vale dos mais diversos recursos formais para dar conta de uma dimensão que parece continuamente escapar. Daí que o sexo venha a ser alçado ao patamar das suas grandes interrogações, onde se oferece na obscura qualidade de incógnita. Foi a partir dessas co...

Tradução de “Uma cena de Fausto”, de Aleksandr Púchkin

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Por Joaquim Serra   Nesta cena de Fausto , temos um exemplo do empréstimo que Aleksandr Púchkin faz da literatura mundial. O pacto selado entre Fausto e Mefisto, para o escritor russo, adquire traços do tédio que faria um longo caminho pela literatura do século XIX. E Púchkin, que não leu a segunda parte da tragédia de Goethe, já identifica no assunto fáustico a destruição que vai tomar lugar principalmente em Fausto II .     Aquele fomentador, criador visionário, que ironicamente vislumbra o mundo da igualdade quando está cego, aqui está preocupado com a monotonia dos dias, ganhando aspectos da própria aristocracia ao redor de Púchkin. O leitor de Púchkin sente falta nesta Cena daquele narrador intruso, que remexe na vida e na alma de suas personagens em Eugênio Onêguin . Esse componente essencial que enforma o modo próprio do autor em narrar a vida russa, dá lugar aqui ao diálogo por vezes cínico entre Fausto e Mefisto.   Para esta tradução, optamos por uma versão...

O fim, de Karl Ove Knausgård (1)

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Por Pedro Fernandes Karl Ove Knausgård. Foto: Nina Rangøy    O último volume de Minha luta é um contínuo adiamento do fim e sua leitura cobra o mesmo esforço do leitor. No sexto livro, Karl Ove Knausgård pratica o realinhamento do tempo. A narrativa salteia por circunstâncias do seu passado, recupera-se mesmo passagens das partes anteriores, mas agora, o tempo do organizador se confunde entre o do acontecimento e do presente da narração. Isso acontece em parte porque o ponto final do longo romance coincide com a feitura do seu desfecho, ou seja, nesse instante, arma-se uma maratona para a escrita do restante do romance enquanto os primeiros tomos são publicados e numa curta distância temporal entre um e outro mais uma variedade de empecilhos familiares. Como então se conciliam o elastecimento da conclusão e a necessidade de atender o plano da editora?   O caso é que não se conciliam. É verdade que O fim não chega a ruir com a estrutura do projeto autobiográfico, em que ...

Lamb: uma família entre outras

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Por Fernanda Solórzano   Não me lembro de ter visto um filme parecido com Lamb antes. Não é um julgamento de valor, embora poucas coisas me empolguem tanto quanto aqueles filmes que nos afastam de suas reações habituais. Vencedor do prêmio de melhor filme na recente edição do Festival de Sitges, dedicado ao cinema fantástico, e do prêmio de originalidade na seção Un certain regard , em Cannes, Lamb foi descrito como um filme de “horror sobrenatural”. O adjetivo é indiscutível: o acontecimento central da trama escapa às leis da natureza. Mas é uma história de terror? Eu não teria tanta certeza. Não é para os protagonistas; eles, ao contrário, sentem-se abençoados pela irrupção do sobrenatural na vida cotidiana. Sua experiência deve ser o critério a ser considerado.   Primeiro longa-metragem do islandês Valdimar Jóhannsson, Lamb se passa em uma daquelas paisagens que ilustram a ideia de “fim do mundo”: um vale montanhoso cuja majestade é de tirar o fôlego, mas que não necessa...

O que se passou entre Roberto Bolaño e César Aira?

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Por Juan Tallón Roberto Bolaño. Foto: Revista Paula . Em julho de 2008, César Aira (Argentina, 1949) ministrou um curso em Santander, organizado pela Universidade Internacional Menéndez Pelayo. Custava cem euros e incluía uma bolsa para se hospedar quatro noites no Palacio de la Magdalena. Por acaso, naquele exato momento eu tinha o dinheiro e me inscrevi. No primeiro dia, uma hora antes de começar, desci para o café da manhã e encontrei Aira sozinho, tomando um suco de laranja vagamente natural, e com um ovo frito no prato, que era meu café da manhã favorito, mas para o jantar. Sentei-me ao lado dele e depois de um tempo me dizia que o nome do seu avô era Robustiano e que era de Sobradelo, em Ourense. Aira não sabia, nem eu, que em Ourense existem três vilas com esse mesmo nome. Pouco depois, Michel Lafon, professor de literatura argentina na Universidade Stendhal de Grenoble, romancista e tradutor de Aira, Borges e Bioy Casares para o francês, juntou-se ao café da manhã. Cascavilhamo...