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Ilusões perdidas, de Xavier Giannoli

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Por Solange Peirão   Quando Lucien de Rubempré, o jovem poeta provinciano e idealista, inicia seu trânsito por Paris, em busca de emprego e reconhecimento, acaba entre editores, de livreiros a jornalistas. A primeira confrontação mais direta foi com Étienne Lousteau, jovem como ele, de quem ouve a indagação: “você sabe o que é o meu trabalho?” E o romântico Lucien responde: “escrever sobre a Arte, a Beleza, o mundo…” A que o jornalista, sem rodeios, responde, na lata: “meu trabalho é enriquecer o dono do jornal!”   Estava dado, assim, o núcleo desse bonito filme de Xavier Giannoli que se inspira em Ilusões perdidas , uma trilogia que compõe, por sua vez, A Comédia Humana , como é conhecido o conjunto da obra de Honoré de Balzac.   E, em Paris, irá se cristalizar o que já se prenunciava na distante Angoulême. Aqui Lucien trabalha na gráfica do cunhado, escreve poesia e tem um affaire com Louise. Por meio dela, é introduzido no mundo da nobreza, pouco letrada e arrogante, ...

“Destino”, de Ryunosuke Akutagawa

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Por André Cupone Gatti e Guilherme de Almeida Gesso   Nenhuma frase resume tão expressivamente a persona artística de Ryunosuke Akutagawa quanto aquela de sua própria pena, escrita alguns meses antes de se suicidar, em janeiro de 1927: “Não tenho consciência de qualquer espécie, nem mesmo artística. Sensibilidade é tudo o que tenho.” Inegavelmente, a prosa de Akutagawa nasce do sensível e jamais o perde de vista. Esse contista japonês, considerado o maior de seu país no século XX, no entanto, acabou por construir narrativas com possibilidades interpretativas tais, que nos soa estranho aceitar unicamente a sensibilidade como fonte da sua criação ficcional.   Retórica à parte, Akutagawa, para além da sua maneira “à flor da pele” de criar, narrando o pasmo das superfícies, desenvolveu, em grande parte dos seus contos históricos, uma curiosa e discreta tensão entre as cores absolutas da tradição fabular e a coloração gradiente da modernidade. Foi o conto “Rashomon”, publicado em ...

As polêmicas vidas de Philip Roth

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Por Javier Aparicio Maydeu Philip Roth. Fotos: Eve Arnold   Nunca saberemos como Philip Roth resenharia esta biografia de Philip Roth, o romancista mascarado que quis se disfarçar de autobiográfico em Os fatos e que sempre precisava inventar suas próprias vidas e confundi-las com as vidas dos outros que sua profissão o levava a conceber em forma de personagens, jogando de desfigurar as fronteiras que separam o criador de suas criaturas, emaranhando o novelo de identidades.   Na famosa entrevista para The Paris Review , o autor de A marca humana deixou claro que “a ideia é transformar pessoas de carne e osso em personagens fictícios e personagens fictícios em pessoas de carne e osso. […] Um escritor é um ator. Tem que haver algum prazer neste trabalho, e é isso, andar por aí disfarçado. Atuar como um personagem. Fazer-se passar pelo que você não é. Fingir”.   E seus leitores sabem muito bem que ele perverteu fragmentos de sua vida disseminando-os entre seus personagens...

Boletim Letras 360º #486

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    DO EDITOR   1. Saudações, caro leitor! Abro a edição deste boletim, como tenho feito sempre recentemente. O que pode parecer para uns um monotema, é também uma maneira de lembrar a memória cansada ou entretida com os vários subterfúgios da web . Mais: sua ajuda é continuamente bem-vinda e necessária para cobrir as tais despesas anuais de hospedagem e domínio do blog na web .   2. É possível ajudar ao Letras com valores a partir de R$10 através do PIX blogletras@yahoo.com.br . Mas essa é apenas uma das formas. Você pode saber mais sobre por aqui . E, cabe não esquecer que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto, também ajuda a manter o Letras sem pagar nada mais por isso .   3. A todos que ajudam e/ou acompanham o trabalho aqui desenvolvido, reitero, os sinceros agradecimentos. Samuel Beckett. Foto: John Minihan   LANÇAMENTOS   Quatro peças de Samuel Beckett publicadas pela primeira vez no Bra...

Lovecraft, ensaísta literário secreto

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Por Nuria Azancot Ilustração: Khoi Nguyen   Admirado por Borges (que lhe dedicou o conto “There ara more Thigns”) e Michel Houellebecq, autor de H. P. Lovecraft: contra o mundo, contra a vida , e mestre confesso de Stephen King — que o retratou como “o príncipe sombrio e barroco da história de terror do século XX” e garantiu que “seus melhores contos nos fazem sentir o peso do universo suspenso sobre nossas cabeças, e sugerem forças sombrias capazes de destruir a todos nós com um rosnado em nosso sono” — tudo em Lovecraft era estranho, inquietante, perturbador.   De caráter doentiamente reservado, superprotegido na infância e educado por sua mãe em extremo classismo e racismo a ponto de não o deixar ir à escola até os oito anos de idade para não se misturar com seres inferiores, Lovecraft (Providence, 1890-1937) viveu mal assediado pelas dívidas de uma fortuna mal administrada e pela loucura que matou seus pais. Solitário por vocação, depois de fracassar nos estudos, dedi...

A vegetariana, de Han Kang

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Por Sérgio Linard Han Kang. Foto: Gorm Kallestad   “Ninguém nasce para semente”. No interior do Maranhão, terra de onde brotou este que aqui escreve, usamos esta expressão sempre que intentamos lembrar da finitude da vida. No saber popular, diz-se que não se nasce para semente, porque não iremos viver para sempre; um dia, invariavelmente, nossa história por aqui chegará a um termo.   Yeonghye, protagonista de A vegetariana , queria, ainda assim, virar semente. Ou planta.   A trama deste romance da escritora sul-coreana, Han Kang, conta a história de uma família aparentemente comum que tem toda a sua normalidade alterada a partir de um sonho. Pesadelos que envolvem sangue, morte, catástrofes e situações parecidas levam Yeonghye a anunciar “Eu tive um sonho” e, a partir disso, as situações internas e externas a ela ganham ares e perspectivas distintas à medida que as páginas do romance avançam. Após este sonho, ela decide tornar-se, de forma irrenunciável, vegetariana. Os ...