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O que­­ aprendemos com Policarpo Quaresma?

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Por Guilherme França Lima Barreto reimaginado com o fardão da Academia Brasileira de Letras. Projeto de Arte Urbana Negro Muro.   Todos têm um plano para o Brasil. Não importa se estamos no táxi, no trabalho, na missa ou no botequim, há sempre alguém falando, quiçá gritando, sobre os problemas que acometem as instituições, a política, a educação, a economia e todo o aparato de poder existente num país de dimensões continentais como o nosso.   Nesses discursos, não é raro perceber um tom saudosista ou, então, revolucionário por parte do interlocutor, que assolapado pela ideia que tem de seu país, provavelmente fala não apenas em seu nome, mas também daqueles que talvez não se recorde mais ou que não se sabe nada sobre a vida e história.   Como sempre, parece-me que além da história real dos efeitos de algumas revoluções, a literatura também já deu conta de retratar esse movimento pelo qual um entusiasta de certas ideias acaba esmigalhado por elas quando postas em p...

Saul Bellow em Jerusalém

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Por Enrique Krauze Saul Bellow. Foto: Eddie Adams Se Saul Bellow tivesse escrito Jerusalém, ida e volta antes de 1967, o livro teria pertencido ao antigo e ultrapassado gênero de livros de viagem e gravuras. O que um escritor judeu, intimamente comprometido com a causa de Israel e influente nos Estados Unidos, devia descrever entre 1948 e 1967, não estava nas ideias e atitudes políticas dos israelitas, mas na obra material e social que estes construíram com velocidade e sucesso incomuns. Era preciso ver os kibutzim , as novas técnicas agrícolas e de irrigação, a educação dada aos imigrantes, os achados arqueológicos, o florescimento coloquial e literário da língua hebraica e até das danças. Assim eram os livros pedagógicos que Israel à Diáspora, repletos de imagens quase elegíacas: a colheita num kibutz , o sorriso de uma sabra e a marcialidade de um exército formado também por mulheres, mas que não parecia estar educado unicamente para a guerra. Israel era uma fotografia.   Se ...

Três pecadores

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Por Vicente Molina Foix Frame de O pecado , de Andrei Konchalovsky.   Antigamente, quando existia quantidades apreciáveis ​​de um cinema religioso e voltado aos valores humanos, com o seu próprio festival (em Valladolid), os seus prêmios, as suas reivindicações e até as suas insinuações de censura governamental, apesar da bênção ou nihil obstat do bispado, os jovens , que havíamos perdido a fé em grande parte graças ao cinema então descoberto ano após ano, não tínhamos escrúpulos em deixar-nos ver saindo da sala de exibição de um filme santificante de Bresson; a consumada arte de Bresson estava para nós acima dos seus padres rurais e dos seus santos em comunhão com Deus, mas o formidável Ricardo Muñoz Suay, homem de cinema, roteirista (de, entre outros, O momento da verdade de Francesco Rosi), bem como o incentivador e coprodutor de Viridiana , obra-prima de seu grande amigo Luis Buñuel, nos repreendia zombeteiramente, como se quisesse apagar dos nossos oculozinhos de estuda...

Julio Cortázar, Carlos Fuentes, García Márquez e Vargas Llosa: o big bang do Boom

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Por Pablo de Santis Como toda palavra nascida no ruidoso país das onomatopeias, o termo boom prefere conotar em vez de denotar. Sob o disfarce de um balão de desenho animado, sugere um sucesso inesperado, uma descoberta, um fenômeno espontâneo. O Boom da literatura latino-americana teve todas essas características de surpresa e assombro. Mas também teve uma dose de cálculo e conspiração, como se pode verificar pela correspondência recolhida em As cartas do Boom dos seus quatro autores centrais: Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez.¹ O chileno José Donoso e o cubano Guillermo Cabrera Infante, outros dois autores muito próximos ao Boom, não aparecem como autores do livro, mas os seus nomes são frequentemente citados nas cartas dos seus colegas ou nas notas de rodapé.   Encontradas e organizadas por quatro editores meticulosos e cuidadosos, essas cartas se parecem menos com qualquer outro volume de correspondência do que com uma biografia coral...

A estreia de Clarice Lispector

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Por Pedro Fernandes Clarice Lispector em foto da formatura, dezembro de 1943. Perto do coração selvagem saiu num ano de grande evidência na vida de Clarice Lispector. Depois de iniciar as atividades como repórter de A noite , em 1943 casa-se com Maury Gurgel Valente, forma-se em Direito pela antiga Universidade do Brasil e se torna legalmente brasileira depois de o governo de Getúlio Vargas despachar a requerida cidadania pela escritora. Foi o primeiro livro de Clarice e logo associado, devido ao estilo introspectivo, aos romances de Virginia Woolf e de James Joyce. Deste último, sim, admitiria mais tarde, mas não pela sua mão e nem influência. 1 Lúcio Cardoso, amigo, principal incentivador e primeiro leitor do romance, sugeriu o uso da epígrafe retirada de Retrato do artista quando jovem e da qual derivou o título deste então reconhecido como um marco inaugural de outra dimensão da literatura brasileira.   A concepção e realização do livro possui uma trajetória errática. O en...

Boletim Letras 360º #564

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DO EDITOR   Olá, leitores! O Letras se organiza para a sua costumeira pausa de descanso no fim de ano. A semana seguinte é a última com entradas diárias e depois disso, as edições deste boletim sairão reduzidas, sem as seções suplementares. A nossa presença nas redes continua e vez ou outra também por aqui. Tudo regressa ao normal em meados do mês de janeiro de 2024. Quer receber o conteúdo do blog em primeira mão, entre para o nosso grupo no Telegram . Agradeço a companhia até aqui, tenham um excelente passagem de ano e, continuem conosco! Moacyr Scliar. Foto: Arquivo Folhapress   LANÇAMENTOS   O ano de 2023 finaliza com três novos títulos da obra de Marguerite Duras inéditos ou em nova tradução no Brasil .   1. Em Savannah Bay  se tece na relação amorosa entre as duas únicas personagens que aparecem no palco — Madalena, uma mulher que já atingiu “o esplendor da idade”, e uma Jovem, não nomeada; talvez sua neta. Como através de um espelho, essa relação se ...