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Dalton por Dalton

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Por Marcelo Jungle   Terminar a leitura da Antologia Pessoal (Record, 2023. 448 p.) de Dalton Trevisan inevitavelmente nos leva a pensar sobre como o curso da vida dos escritores segue a obra.   Como se sabe, mesmo que já se tenha lido uma história, uma nova compreensão sempre poderá existir quando a relemos. A coletânea em questão é “pessoal” como só poderia ser, pois os contos foram escolhidos pelo próprio autor e devemos agradecer por isso aos ventos da longevidade. Assim, esse novo passo se mostra entusiasmante por motivações específicas: a escolha e consequente importância para o próprio autor e a cronologia que nos proporciona uma visão de sua evolução criativa. Para além, portanto, da função introdutória das antologias, mesmo os leitores experientes em Dalton e suas conquistas terão aqui uma boa oportunidade de seguir os movimentos que foram marcando sua carreira. O que não é pouco, para quem detesta seguidores.   No prefácio/ ensaio de Augusto Massi, que leva o ...

Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie

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Por Guilherme de Paula Domingos Chimamanda Ngozi Adichie. Foto: Stephen Voss   Hibisco roxo é um livro sobre como o poder se exerce do mais forte sobre o mais fraco. Dispondo de estruturas como a Igreja, a colonização e as famílias patriarcais, brancos dominam negros, homens dominam mulheres, pais dominam filhos e governos dominam cidadãos.   Racismo   Os nigerianos sofreram um apagamento de sua cultura pelos colonizadores britânicos. Kambili, nossa protagonista, aprende com o pai — um fanático religioso — que a cultura dos brancos é superior. Culpa da obra missionária, que trouxe a religião católica como a correta. O pai de Kambili assimila para si os preconceitos trazidos pelos missionários e os reproduz sem ter a noção de que seu discurso se volta contra si mesmo.   Em casa é permitido falar o idioma igbo, mas em público, apenas o inglês, que “é mais civilizado”. Não se pode cantar nas Igrejas, porque “não é algo que um branco faria”. Os cantos na igreja também ...

Segredos de um escândalo ou como Hollywood coça o próprio umbigo

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Por Carlos Rodríguez   Se Hollywood fosse um homem, seria um malandro, alguém com tato para se mostrar um sedutor, mas que no fundo é um idiota. Imaginemos esse farsante sem o terno que o veste, feito com o melhor tecido; nu, ele cutuca o umbigo e encontra mais do que fiapos. Alguns têm escavado nessa região que pode acumular sujeira, suor, células mortas e bactérias. Ao cutucar a cicatriz, essa área sensível e desconfortável, reflete o insalubre. Essa comichão, que quando satisfaz dá prazer e às vezes é danosa, produziu marcas na pele de Hollywood.   A vista de sua fachada rasurada é fascinante e abismal, como em Sunset Blvd . (Billy Wilder, 1950), onde uma atriz de outrora, uma das grandes, é condenada a ser a relíquia de seu próprio mundo, um adereço com cheiro de velho, um terno surrado esperando no cabide até você acionar o gatilho do revólver que o devolve ao primeiro plano. Também pode ser uma ferida disfarçada, como ocorre em The Bad and the Beautiful (1952), que glor...

Via Ápia: cinco visões de uma realidade

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  Por Vinícius de Silva e Souza Após o sucesso com O sol na cabeça , Geovani Martins foi ousado ao partir para o gênero romance e valendo-se de uma narrativa tão complexa: a vida de cinco jovens periféricos durante um específico e nada curto ou pacífico período de 2011 a 2013 —, antes, durante e depois da ocupação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas do Rio de Janeiro.  Em Via Ápia  Acompanhamos os irmãos Washington e Wesley e os três amigos Biel, Douglas e Murilo enquanto sonham, se apaixonam, transam, brigam e fumam. Enquanto vivem. “A sensação era de que a vida não dava tempo para pensar nem escolher nada”, esclarece a narrativa, “é sempre um dia depois do outro pra ver no que vai dar.”   Por esses cinco jovens, Geovani Martins faz um retrato nada isento da vida na favela da Rocinha. A maconha é recorrente, talvez até demais, se fazendo presente em todos os curtos capítulos, agora, muito mais do que o acessório da erva, o que mais transparece por...

Menos que um, de Patrícia Melo

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Por Gabriella Kelmer Patrícia Melo. Foto: Marcelo Tabach   Os desafios de conceber um texto literário que dê vazão a questões sociais complexas, como a problemática da falta de moradia, da miséria, do racismo e da transfobia, apenas para elencar algumas temáticas tocadas pelo mais recente romance de Patrícia Melo, são bem conhecidos. De um lado, há o problema da possível objetificação de determinadas linguagens, o que se traduz pela intransponível distância entre narrador culto e personagens desvalidas, bem como pela fetichização do dialeto, da gíria e das regionalidades em um alvoroço pouco convincente de estereótipos; de outro, há a literatura panfletária, os clichês e as construções repisadas, que, se pouco acrescentam ao alcance social dos temas de que tratam, menos convincentes se mostram como matéria literária. Lançado em 2022 pela Leya, Menos que um , em suas mais de trezentas páginas, é bem-sucedido em não apenas evitar essas incorrências, mas também em elaborar um quadro p...

Boletim Letras 360º #576

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DO EDITOR   Olá, leitores! Na próxima semana, vocês começarão a conhecer os autores que publicarão no Letras a partir desse ano.   O resultado da seleção foi divulgado nos e-mails dos candidatos no último dia 29 de fevereiro.   Reitero por aqui, em nome do Letras , os agradecimentos aos que se inscreveram. E aos selecionados, mais uma vez, bem-vindos e parabéns! Karin Boye. Foto: Gunnar Lundh   LANÇAMENTOS   Nova edição e tradução de Kallocaína , uma distopia sobre a importância da conexão genuína entre seres humanos e tão importante quanto 1984 de George Orwell, Admirável mundo novo de Aldous Huxley e Nós de Ievguêni Zamiátin .   Leitura obrigatória para quem gosta de distopias, este clássico consagrou a autora sueca Karin Boye como um dos grandes nomes da ficção científica. Nesta atmosfera asfixiante, acompanhamos um cientista partidário de um Estado totalitário, que desenvolve uma droga que força quem a toma a revelar pensamentos e até vontades inc...