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Boletim Letras 360º #595

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Jon Fosse. Foto: Tor Stenersen LANÇAMENTOS   A chegada ao Brasil da poesia do Prêmio Nobel de Literatura 2023 Jon Fosse .   Quando o nome do norueguês Jon Fosse foi anunciado para receber o mais importante prêmio da literatura em 2023, os leitores de outros idiomas o conheciam principalmente pela sua produção para o teatro, mas não demorou para que sua obra em prosa começasse a aparecer nas vitrines em todo o mundo. Fosse, no entanto, é “poeta de ofício”, isto é, iniciou-se na escrita fazendo poemas, já na adolescência, e nunca abandonou os versos desde então, como revelam os livros agora reunidos em  Poemas em coletânea , que acompanha uma produção que se estende de 1986 até 2016. Em todo esse período, com as tormentas próprias de uma obra visceral, os poemas de Fosse levam os leitores a experimentar um trânsito vertiginoso entre paisagem externa e vida interior, em que a peculiar geografia à sua volta — com suas cores intensas, dezenas de milhares de ilhas e lagos forma...

Margeando as experiências estéticas pelas ficcionalizações narrativas

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Por Herasmo Braga Pablo Picasso. Mulher lendo .   Entre os diversos aspectos que revelam a precarização nas formas de se perceber o mundo ao redor encontra-se nos processos de incomunicabilidade em voga. Cada vez mais nos silenciamos pelas imagens, cada vez mais nos virtualizamos por meio de repetições, cada vez menos interagimos por ações dialógicas, cada vez menos apreendemos os sentidos. Isso não são traços pessimistas, mas simples descrição do que nos cerca. Precarizar as ações e efeitos interpretativos com perdas dos sentidos é comprometer a própria existência do ser.   Umberto Eco em Sobre a Literatura enuncia-nos a seguinte observação: “Os textos literários não somente dizem explicitamente aquilo que nunca poderemos colocar em dúvida, mas, à diferença do mundo, assinalam com soberana autoridade aquilo que neles deve ser assumido como relevante e aquilo que não podemos tomar como ponto de partida para interpretações livres”. Com base nestas primeiras observações de Eco...

A festa, de Ivan Ângelo

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Por Henrique Ruy S. Santos As coisas mais terríveis são aquelas que nos escapam. — Georges Bataille 1     Muitos anos depois, Beckett diria que até as palavras nos abandonam e que com isso tudo está dito. — Enrique Vila-Matas 2   Ivan Ângelo. Foto: Renato Parada   Quando o autoritarismo está à vontade, e o cerceamento de direitos impera; quando o assalto à dignidade é a regra, e as anomalias políticas são a normalidade; quando a técnica está a serviço da tortura e da violação física e psicológica, e as ferramentas da modernidade são vassalas da gestão da morte. Quando tudo isso faz parte do cotidiano, por que fazer literatura? Assediados pela realidade, é o momento em que os autores engajados se perguntam: “de que vale o que escrevo se meus semelhantes morrem das formas mais cruéis todos os dias?” Surgem em profusão artistas que ecoam a perplexidade de Adorno, que se perguntava diante da brutalidade nazista: “a poesia é possível depois de Auschwitz?”   Mas a lit...

A rainha dos cárceres da Grécia, de Osman Lins

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Por Gabriella Kelmer Osman Lins publicou seu último romance em 1976. A obra, que sucede sua narrativa de maior sucesso e consequência crítica, Avalovara , de 1973, consiste em ainda outro passo da exploratória trajetória do autor frente a sua arte, a partir da proposição de um robusto nível de reflexão quanto ao desenvolvimento da produção literária.   A rainha dos cárceres da Grécia , título deste derradeiro romance, atua em dois níveis narrativos simultâneos. O primeiro corresponde à narrativa externa, cujo argumento se pode atribuir à pregressa relação entre um professor de Biologia, narrador, e sua amante Julia Marquezim Enone, já falecida. A mediação entre os dois ocorre, na obra, a partir da busca do primeiro por ocupar as horas ociosas e fixar algo da imagem fugidia da mulher perdida. Por isso, como alternativa que reconhece como mais proveitosa a si e aos eventuais leitores de sua escrita, evita a descrição da existência daquela e lança-se na leitura analítica de um manuscr...

Ut pictura poesis

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Por Eduardo Galeno Horácio. Gravura, 1606. Arquivo Biblioteca de Madri.   Há uma pequena passagem na Arte poética de Horácio (XXXIII) e um poema da mesma autoria que me fizeram relembrar alguns assuntos que atuam como fantasmas, seja individual ou coletivamente. A relação entre pintura e poesia seria o maior deles.   O que tem entre as duas artes? Precisamos pontuar brevemente uns contratos.   Como conhecemos, tanto a poesia como a pintura são enlaces de um fundo estrutural ligados a movimentos epocais de origem. Quando falamos de pintura e poesia — ou melhor, quando eu falo aqui de pintura e poesia —, falamos de pintura e poesia ocidentais, enraizadas no ambiente das antiguidades greco-romanas. Horácio e os afrescos de Roma têm um lugar (determinado), indicando a sobredeterminação de sentido histórico (que, é óbvio, vêm diretamente a nós, no século XXI).   Isso em si não impede nada. A universalização do enunciado pode convergir com o outro, principalmente se e...

Ismail Kadaré

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Ismail Kadaré. Foto: Leonardo Cendamo Durante a década de 1990 a presença da obra de Ismail Kadaré foi pródiga entre os leitores brasileiros. Muito dos seus livros, incluindo alguns dos mais conhecidos, chegaram nessa época abrindo entre nós o projeto de revelação da literatura albanesa. Assim é que algumas das expressões utilizadas por Bajram Begaj, presidente da Albânia, no comunicado por ocasião da morte de Kadaré em 1º de julho de 2024 não são gratuitas. O autor foi o “emancipador espiritual” dos albaneses, o “poeta dos mitos balcânicos” e um dos renomados nomes da literatura moderna.     A obra de Ismail Kadaré, no entanto, começa muito antes dos anos do seu boom entre nós. Mesmo o marco que o projetou internacionalmente, por exemplo, data ainda de 1963, com a publicação de O general do exército morto , quando a Albânia se encontrava sob domínio de Enver Hoxha. Este livro e com outros dos escritos do albanês logo o fez integrar as listas negras do governo comunista, forç...