Postagens

Fragmentação e convergência: Guerra — I, de Beatriz Bracher

Imagem
Por Leonardo Thomaz   Profundas são as águas do passado. Não deveríamos chamá-las de insondáveis? [ Tief ist der Brunnen der Vergangenheit. Sollte man ihn nicht unergründlich nennen? Sollte man ihn nicht unergründlich nennen? ]   — Thomas Mann, “José e seus irmãos: as histórias de Jacó”     Beatriz Bracher. Foto: Keiny Andrade   “Faz pena encontrar já ruínas nesta terra da América”; “Sabe-se que no recrutamento as pessoas são presas na calada da noite, algemadas como bandidas”; “Não é possível descrever a desgraça de um povo correndo espavorido de seus lares ao estrondo do canhão”; “Se Vª. Exª. mostram-se tão zelosos por dar a liberdade ao povo paraguaio, segundo suas próprias expressões, por que razão não principiaram por dar a liberdade aos infelizes negros do Brazil.”.   A forma do mais recente romance de Beatriz Bracher convida ao exercício de colagem do parágrafo anterior. O leitor nota que há certo fio entre as frases, muito embora tenham sido co...

Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum

Imagem
Por Henrique Ruy S. Santos Milton Hatoum. Foto: Cairo Vasconcelos   O mito sempre foi a matéria-prima de Milton Hatoum. Com uma obra tão arraigada espacial e culturalmente na região Norte do Brasil, principalmente o Amazonas, o autor sempre se esquivou da pecha de regionalista — por vezes lançada a modo de ofensa por mentes fechadas e esteticamente conservadoras — ao recorrer aos ditos “temas universais” e, acima de tudo, a arquétipos narrativos e tropos clássicos sempre bem aproveitados: a rivalidade entre irmãos, as possíveis relações incestuosas, as fortes figuras maternas etc.   No melhor de sua produção ( Relato de um certo oriente , Dois irmãos ), o aproveitamento do conteúdo é sempre caracterizado pela paciência e pelo cuidado meticuloso com as vozes narrativas. O recurso hoje algo banalizado a diferentes narradores em um único romance, por exemplo, nas mãos de Hatoum é empregado não pela simples obtenção de efeitos-surpresa, mas pela criação de um painel de vislumbres,...

Cinco poemas (e um texto de prosa poética) de James Wright

Imagem
Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)   James Wright. Foto: Thomas Victor   SÃO JUDAS (Saint Judas – 1959)   Quando saí para me matar, encontrei Uns arruaceiros a distribuir pancadaria. Correndo para poupar a angústia do homem, olvidei O meu nome, o meu número, como começara o dia, Como os soldados deambulavam junto à pedra do jardim, Cantando divertidas canções; como o dia inteiro Os seus dardos mediram multidões; como por mim Regateei as moedas certas e fugi, ligeiro.   Banido do paraíso, encontrei a vítima agredida, Despido, entregue ao seu choro, no chão ajoelhado. Larguei a corda, ignorei os uniformes, estuguei a passada: Então recordei o pão que a esta carne serviu de comida, O beijo que comeu a minha carne. Sem esperança, esfolado, Segurei o homem nos braços a troco de nada.     ETAPAS DUMA JORNADA RUMO A OESTE (The Branch Will Not Break – 1963)   1. Comecei no Ohio. Ainda tenho sonhos sobre a minha casa. Perto de Mansfield, cavalos enorme...

Boletim Letras 360º #623

Imagem
DO EDITOR   Olá, leitores, como estão? Aproveito o espaço para registrar que estão abertas as inscrições para a escolha de novos autores interessados em escrever para este blog.   As candidaturas podem ser registradas através do e-mail blogletras@yahoo.com.br até o dia 16 de fevereiro de 2025. Os interessados devem enviar duas coisas: um arquivo com resumo biográfico e registrando alguns dos motivos do interesse em compor nossa equipe; e três textos observando as nossas normas de publicação .   Qualquer dúvida, podem nos contatar pelo e-mail referido ou através dos serviços de mensagem em alguma das nossas redes sociais. Se o leitor não escreve ou não se interessa em se candidatar, mas possui alguém no seu círculo perfeito para essa proposta, compartilhe essa chamada.   Ah, não me despeço sem lembrá-los que na segunda-feira, 27, regressamos às entradas diárias por aqui. É o ano 18 do Letras que, aliás, alcançou a expressiva marca das 7 milhões de visitas por esse...

Em voz alta

Imagem
Por Alejandro Zambra André Kertész. Velho lendo . Japão, 1968.   Às vezes penso que uma obra literária só é boa se passa no teste de ser lida em voz alta, submetida à paciência alheia ou ao irritadiço ouvido próprio. Por isso gosto dos audiobooks, que recuperam o antigo costume de escutar as palavras, de receber também o ritmo, a postergada música da narração. Em seu ensaio Uma história da leitura , Alberto Manguel lembra que a leitura silenciosa se estabeleceu somente no século X, já que até então se entendia que ler era ler em voz alta. Na Antiguidade as bibliotecas eram espaços ruidosos. Acreditava-se que o ato de ler comprometia a visão e o ouvido, daí ser impensável a imagem do leitor isolado, que veiculava até mesmo um misterioso egoísmo. Há beleza, para nós, por outro lado, na imagem do leitor solitário. Lembro-me de um companheiro de curso que ia de tarde à Biblioteca Nacional não para ler, mas para observar os outros lendo. Ele, na verdade, não gostava de ler, e valia-se d...

Boletim Letras 360º #622

Imagem
Osman Lins. Arquivo O Globo . LANÇAMENTOS   A terceira edição de Guerra sem testemunhas , de Osman Lins .   O livro de ensaios de Osman Lins não dispensa os recursos da ficção. Publicado originalmente em 1969, o consagrado autor de Avalovara , e de outras obras conhecidas do grande público, como Lisbela e o prisioneiro , elege como tema os instrumentos fundamentais de sua ação no mundo: a escrita e o livro. Osman Lins reflete de forma original e sem mistificação sobre o ofício do escritor, indo do trabalho criativo até o mercado editorial, a circulação das obras, a crítica e sociedade, em uma visão ampla e, ainda hoje, provocativa. Com organização e notas de Fábio Andrade, a nova edição é publicada pelas editoras UFPE e Cepe. Você pode comprar o livro aqui .   O novo livro de Evandro Affonso Ferreira .   O jovem Diadorino, personagem central desta narrativa, está encolhido embaixo da mesa, apavorado. Nascido na brutalidade sertaneja, sofre com as surras constantes ...