Camilo Castelo Branco em edições críticas

Por Pedro Fernandes



Ontem, 21 de fevereiro, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) deu a conhecimento do público de língua portuguesa os dois volumes da edição crítica de Camilo Castelo Branco; os lançamentos incluem dois títulos já bem conhecidos por aqui, Amor de perdição e O regicida.

O trabalho é fruto de vários anos de pesquisa – pelo menos desde 2006, confirmou-nos a equipe responsável – e envolve hoje quatro pesquisadores da Universidade de Lisboa e um pesquisador brasileiro e cinco colaboradores, todos professores ou pós-graduados do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, que estudam os manuscritos de Camilo. Trabalho, certamente, árduo, tendo em vista que muito dos escritos do autor português foram várias vezes reescritos pelo próprio autor, como por exemplo, Amor de perdição, que sobreviveu a pelos cinco versões e a que os pesquisadores se detiveram é a última patente no acervo do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.

Só a saga de como esse manuscrito atravessou o Atlântico e veio parar em terras brasileiras já daria uma novela ao estilo camiliano (ver O itinerário de um manuscrito). A primeira versão do texto data de 1861 e foi feita por Camilo em apenas quinze dias, num dos cubículos do cárcere da Relação do Porto (ver a reprodução do texto de prefácio da segunda edição abaixo), como recorda o autor em Memórias do Cárcere – livro que não sabemos se deverá integrar futuramente as ideias dos pesquisadores em editá-lo no formato pretendido por esta coleção ora apresentada. Como nos informaram os responsáveis pela coleção, não será a integralidade da obra camiliana que deverá ser publicada, dada sua vastidão. Os pesquisadores se guiam por critérios pragmáticos como acessibilidade aos exemplares físicos e aqueles que possuem várias versões reconhecidamente revistas por Camilo. Novamente Amor de perdição, como exemplo, se encaixa nesse perfil.

Os dois primeiros livros editados possuem manuscritos da mão do próprio autor. A decifração desses manuscritos – segundo a equipe – permite dois efeitos que constituem marca das novas edições: primeiro, conhecer melhor, através da escrita e das emendas, os processos criativos do autor; segundo, permitem descobrir eventuais erros das edições, que de outra forma não poderiam ser corrigidos – mesmo quando revia uma edição, Camilo podia ser distraído.

A edição de Amor de perdição ficou a cargo de Ivo Castro e a de O regicida de Ângela Correia. Ao rever o livro em 1879, Camilo Castelo Branco introduziu outro prefácio e a edição foi então publicada pela Livraria Moré; além deste texto, o livro agora editado traz o prefácio da edição de 1863 e uma carta que o escritor redigiu ao ministro António Fontes Pereira de Mello, quando ainda estava na cela da Relação do Porto.

O regicida segue o texto da primeira edição, de 1874, confrontado e melhorado a partir do manuscrito. O que define a escolha dos pesquisadores por qual texto seguir é sempre a revisão mais recente e não necessariamente a última publicada em vida. Nessa relação com texto, a equipe observa os erros tipográficos que tenham escapado à revisão do autor, mas as emendas introduzidas são mínimas e limitadas a erros muito óbvios ou aspectos gráficos superficiais; todas as emendas feitas pelo editor são catalogadas, anunciadas e explicadas pelo editor ao fim do livro, constituindo um apêndice de informações para o texto em curso.

Além de Amor de perdição e O regicida, seguirão mais dois livros: O demónio do ouro, com edição de Cristina Sobral, e Novelas do Minho, com edição de Ivo Castro e Carlota Pimenta. A perspectiva dos pesquisadores é que nos próximos anos a coleção esteja completa com a publicação de títulos representativos de todas as fases da escrita camiliana.

A equipe que dirigida por Ivo Castro reforça que, em paralelo às edições críticas, todos os do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa estão debruçados em estudos sobre os processos de criação de Camilo Castelo Branco e que serão objeto de publicações independentes à coleção editada pela INCM.

O itinerário de um manuscrito

manuscrito de Amor de perdição

O manuscrito de Amor de perdição – como dissemos anteriormente – data de 1861, quando Camilo Castelo Branco esteve preso na Cadeia da Relação. Em 1850, o escritor se apaixonara por Ana Augusta Plácido, então casada com o negociante Manuel Pinheiro. O envolvimento dos dois caracterizou na época crime de adultério e foram capturados, julgados e presos no Porto até ser absolvido pelo juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós; o nome aqui importa porque o magistrado era ninguém menos que o pai de Eça de Queirós. Ao sair da prisão, se publica, ainda no Porto, a primeira edição do romance, editada pelo francês Nicolau Moré. O manuscrito ficou em mãos da tipografia e daí foi para a Livraria Moré. Um revisor anônimo, diante da primeira fase da edição introduziu já várias emendas ortográficas sob consentimento, é claro, do próprio autor. Já por essa época, a edição era tratada como relíquia.

Quando Alberto Pimentel preparava as notas para uma outra edição do livro, publicado agora em Lisboa, deu como manuscrito na casa da filha de José Gomes Monteiro, o gerente da Livraria Moré. O arquivo tinha já mais de 50 anos e, sem que se saiba o que se passou depois, foi reaparecer já em 1926, no Rio de Janeiro como arquivo de uma biblioteca pertencente a uma figura desconhecida que cedeu de presente o manuscrito a um vendedor ambulante de livros que depois vendeu a Francisco Garcia Saraiva, bibliófilo e comerciante português radicado na capital do Brasil, ao valor de quinhentos mil réis, duas camisas de seda e alguns jantares. Saraiva foi quem deixou como patrimônio o importante centro Real Gabinete Português de Leitura.

Abaixo reproduzimos o fac-símile do prefácio à segunda edição redigido pelo autor e incluído na quinta edição publicada pela Moré, em 1879.




* As informações sobre a coleção da Imprensa Nacional-Casa da Moeda foram repassadas pela consultora de imprensa Marta Dias sob entrevista realizada por e-mail, a quem fica o registro de agradecimento pelo pronto atendimento. 

Sobre o itinerário do manuscrito ver página editada on-line pela Biblioteca Nacional de Portugal, aqui.


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