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Mostrando postagens com o rótulo Juan Rulfo

La carretera del tiempo — uma leitura da obra de Juan Rulfo por Cristina Rivera Garza*

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  Por Felipe de Moraes     [...] Al fin me encuentro con mi destino sudamericano.   — De Jorge Luis Borges, em “Poema conjetural”     “—¿Qué país es éste, Agripina?”   — De Juan Rulfo, em “Luvina” Ilustração: Santiago Solís   Paul Valéry, em suas Lições de Poética ministradas no Collège de France no ano de 1937, observa que é impossível mensurar as forças envolvidas no ato da escrita (2018, p.11 e ss); isso porque a obra literária não é apenas um reflexo da interioridade do seu autor, vista como um produto exclusivo de suas faculdades subjetivas e racionais, ao contrário, o romance, o conto, o poema, o drama só ganham vida no contato com o mundo externo, ou seja, com os seus receptores e na sua circulação histórica e cultural. O texto literário, portanto, pode e deve ser compreendido como uma forma que abriga tensões constantes entre os elementos contraditórios que o constituem: tradição e modernidade, civilização e barbárie, utopia e conservado...

“Me mataron los murmullos”: um comentário acerca da tensão entre o real e o insólito no conto “Paso del Norte”, de Juan Rulfo

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Por Felipe de Moraes   — O cassaco de engenho quando o carregam, morto: — É um caixão vazio metido dentro de outro.   João Cabral de Melo Neto, Dois parlamentos (1958-1960) Juan Rulfo em Nevado de Toluca. Autorretrato, anos 1940.      Meu objetivo neste pequeno ensaio será o de analisar, através de uma leitura cerrada dos aspectos formais, a tensão existente entre um “resíduo histórico”, portanto realista, da realidade e o insólito (ou “fantasmagórico”, nos dizeres do crítico Davi Arrigucci Jr.)  no conto “Paso del Norte”, do mexicano Juan Rulfo. Desentranhar os significados profundos contidos no relato através de sua sonoridade expressiva, sua estrutura dinâmica na forma de falas diretas, e sua divisão em três partes, são os aspectos aos quais pretendo dar mais ênfase. Sempre tendo em mente, contudo, que para um autor como Rulfo, qualquer que seja a abordagem utilizada, será sempre parcial frente a uma obra que nasceu clássica, como diz Borges, no sentido ...

Juan Rulfo, literatura e sobrevivência

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  Por Roberto García Bonilla Juan Rulfo. Foto: Daisy Ascher.   Juan Rulfo estava prestes a completar trinta e oito anos quando Pedro Páramo foi publicado. Entre a publicação de seu romance e a morte de seu autor, passaram-se mais de três décadas que viram crescer o prestígio do escritor; seu romance e as histórias reunidas em Chão em chamas (1953) foram traduzidos para mais de cinquenta línguas e as tiragens em espanhol foram reproduzidas por centenas de milhares. Com a idade de dezessete anos, o escritor abraçou sua liberdade e começou seu trabalho literário. Ele assimilou os conflitos da fé e uma espinhosa disciplina formativa que alimentava do confinamento no orfanato e no seminário (1927-1934). Sua vocação surgiu e um de seus germes foi o assassinato de seu pai quando o futuro escritor tinha seis anos. A crise da perda se acentuou quatro anos depois com a morte da mãe. A criança mergulhou e elaborou o duelo entre os livros da casa mãe de São Gabriel onde estava a bibliot...

Sobre a complexa relação entre literatura e história: apontamentos a partir de Juan Rulfo

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  Por Ronaldo González Valdés   1. A primeira coisa que se deve presumir, com Saramago (ou com Ortega y Gasset ou com O’Gorman ou com quem vocês queiram dos não poucos que disseram algo semelhante, sejam historiadores ou escritores), é que a história é de alguma forma uma invenção. Burckhardt e Nietzsche foram os primeiros a afirmar que o historiador é um criador. Ampliando um pouco o time, como escreveu Luis González y González em El oficio de historiar , talvez devêssemos começar concordando que o historiador é um “criador de romances verídicos”. Por isso Burckhardt afirmava que se pode partir do mesmo ponto, navegar nas mesmas águas em um barco muito parecido e, no entanto, chegar a portos diferentes aos de outros navegadores pelos mares de Clio. Como se duas histórias fossem escritas sobre o mesmo personagem ou evento; ambas podem se apoiar nas mesmas fontes e contar histórias diferentes. E se forem feitas com rigor, ambas serão “romances verídicos”.   2. Ler litera...

O primeiro roteiro escrito por Gabo

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Por David Marcial Pérez Cansado do jornalismo e com a esperança de conseguir melhor proveito de sua paixão pelo cinema, Gabriel García Márquez chegou ao México em 1961. Carlos Fuentes estava há quatro anos casado com uma atriz, Rita Macedo, era íntimo de Luis Buñuel e já havia dado seus primeiros passos nessa seara escrevendo algum curta. Enquanto isso, Juan Rulfo, dez anos à frente e com suas duas grandes obras publicadas, era o mais envolvido com o meio da época: havia filmado com María Félix e escrito roteiros para Indio Fernández. Tomados por uma espécie de febre do ouro, a flutuante indústria cinematográfica mexicana não apenas atraiu aos três gigantes da literatura, como os colocou para trabalhar juntos. Tudo se forjou no “castelo do Drácula”, como chamava Gabriel García Márquez a sede da produtora de Manuel Barbachano. Aí, nas tertúlias do escuro casarão da capital e da mão de seu compatriota colombiano Álvaro Mutis, o recém-chegado entrou em contato com exilados e...