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Mostrando postagens com o rótulo Karl Ove Knausgård

O fim, de Karl Ove Knausgård (2)

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Por Pedro Fernandes Karl Ove Knausgård. Foto: Nina Rangoy     Na primeira parte da leitura sobre O fim , de Karl Ove Knausgård ( leia aqui ) observamos sobre o descompasso entre o conteúdo dessa passagem do romance e as demais. Evidenciamos esse tratamento como produto de um contínuo adiamento da conclusão que seria facilmente evitável se o longo ensaio sobre Mein Kampf e outros desdobramentos sobre a personagem seu autor e a história do Ocidente não existissem ou mesmo se fossem sintetizadas, ainda que seja fácil identificar alguma importância no cômputo geral da narrativa, o de, por exemplo, dissociar os valores entre essas obras a partir de reafirmação do eu enquanto entidade submetida na extensão do outro . Mas, existem outros detalhes que, preferimos, não sem deixar de acompanhar certo modo do próprio romancista, tratar num segundo texto.   Uma das constatações mais veementes nesta última parte de Minha luta é a reafirmação da linguagem como matéria enformadora d...

O fim, de Karl Ove Knausgård (1)

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Por Pedro Fernandes Karl Ove Knausgård. Foto: Nina Rangøy    O último volume de Minha luta é um contínuo adiamento do fim e sua leitura cobra o mesmo esforço do leitor. No sexto livro, Karl Ove Knausgård pratica o realinhamento do tempo. A narrativa salteia por circunstâncias do seu passado, recupera-se mesmo passagens das partes anteriores, mas agora, o tempo do organizador se confunde entre o do acontecimento e do presente da narração. Isso acontece em parte porque o ponto final do longo romance coincide com a feitura do seu desfecho, ou seja, nesse instante, arma-se uma maratona para a escrita do restante do romance enquanto os primeiros tomos são publicados e numa curta distância temporal entre um e outro mais uma variedade de empecilhos familiares. Como então se conciliam o elastecimento da conclusão e a necessidade de atender o plano da editora?   O caso é que não se conciliam. É verdade que O fim não chega a ruir com a estrutura do projeto autobiográfico, em que ...

Sobre Minha Luta, de Karl Ove Knausgård

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  Por Davi Lopes Villaça Cheguei ao fim do terceiro volume da série Minha luta tentando entender o que me atraiu na escrita do norueguês Karl Ove Knausgård. No que consiste sua estranha força poética? Acho que é preciso considerar, antes de mais nada, o tipo de relação que essa obra, exemplo recente de autoficção, estabelece com o tempo e a memória. No início do primeiro volume, o autor recorda um episódio em que, ainda criança, vê o pai trabalhar no jardim. A partir da imagem desse homem ele estabelece uma ponte entre o seu eu de antes e o seu eu de agora: “Quando meu pai erguia a marreta acima da cabeça e a deixava cair sobre a rocha naquele entardecer de primavera da metade da década de 1970, fazia isso num mundo que conhecia bem e que lhe inspirava confiança. Somente ao atingir aquela mesma idade eu aprendi que é preciso pagar um preço por isso. Quando sua perspectiva de mundo se amplia, não mitiga apenas a dor que acarreta, mas também o sentido dessa dor. Comp...

A descoberta da escrita, de Karl Ove Knausgård

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Por Pedro Fernandes Desde A morte do pai , o primeiro volume de Minha luta , um extenso romance no qual Karl Ove Knausgård esboça passar a limpo sua vida, já era possível suspeitar a que se refere este simbólico título que encontra ecos em tradições não tão celebrativas no universo dos livros – ao dizer isto, pensamos no mesmo título escolhido por Adolf Hitler para sua imoral autobiografia. E contra o quê luta o escritor norueguês? A resposta para a pergunta está pronta e a essa altura, quando da leitura do quinto volume de um total de seis que formam sua obra-prima, é possível apresentá-la sem receio do erro ou da contradição. Em A descoberta da escrita , Karl Ove Knausgård trata de explorar os lugares, as situações e a insistente tentativa de escrever. Mais que isto: de construir o que poderíamos chamar de ethos do escritor. Por toda a parte está em contato com figuras, grande parte delas são pessoas mais jovens que ele, entregues ao ofício de manipulação da palavra...

Uma temporada no escuro, de Karl Ove Knausgård

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Por Pedro Fernandes Entre as possibilidades que possam explicar a razão porque essa série de livros de Karl Ove Knausgård ataca os leitores e os faz, submissos, enfrentar – sem parar um instante a leitura e quando para ficar preso ao torvelinho de situações que poderão se desenvolver em passagens seguintes ou até o desfecho de “Minha luta” – está um mal do qual padecem todos os humanos: essa curiosidade em saber sobre a vida alheia. Talvez não seja isso um ponto que tenha feito o escritor mergulhar nos mais de quarenta anos de sua existência para contá-la em livro; mas, é uma justificativa que responde não apenas por fenômenos editoriais em torno de romances desse gênero, também para aqueles cuja memória narrada é de um ser meramente ficcional. Logo, não se trata de uma curiosidade em torno do homem Karl Ove Knausgård, nem porque o narrado aqui pode e confunde-se com o experienciado pelo próprio escritor, mas porque as situações recobradas, de uma maneira ou de outra,...

Viagem à origem da identidade

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Por Karl Ove Knausgård Este ano cumpre-se um século da aparição de Retrato do artista quando jovem . A história de seu nascimento é longa e tortuosa – Joyce começou o romance em 1904 –, e o caminho até sua canonização como um dos romances fundamentais da literatura ocidental tampouco foi curto: em resenhas daquela época se escreveu sobre “cloacal obsession” (obsessão cloacal) e “águas sujas”, algo que nos é estranho hoje em dia, quando talvez sejam os aspectos psicológicos do livro, a luta que se arma na alma do jovem protagonista, o que mais chama a atenção. O que então resultava desconhecido no romance é o que hoje estamos acostumados, enquanto que aquilo que então estavam acostumados é o que hoje é esquecido dele.  A razão pela qual o romance segue vivo, ao contrário de quase todos os demais romances publicados em 1916, é simplesmente porque Joyce buscou nele uma linguagem idiossincrática, uma linguagem própria para a história que queria contar sobre o jovem Stephen...

Duas play-list a partir da obra de Karl Ove Knausgård

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Provavelmente a relação entre literatura e outras artes, apesar de ser um fenômeno pouco observado pela crítica ou mesmo nos trabalhos de maior fôlego acadêmico, nunca foi contemporânea. Isso inclui a proximidade entre a literatura e música. Geralmente os grandes músicos são, por certa exigência do ato criador, intensos leitores; e muitos buscaram nos livros apoios para suas composições ou mesmo, quando estiveram interessados em se organizar grupos musicais, foram beber na fonte da arte de todas as artes. Agora, contemporaneamente (por modo de falar, mas também não é novidade), há uma quantidade sem fim de obras literárias que fazem o trajeto contrário. Isto é, vão ao grande manancial de ritmos e trazem para o interior da narrativa uma quantidade significativa de títulos. E, antes de citar, o caso Karl Ove Knausgård, vou citar algumas obras lidas nos últimos três anos em que, vez ou outra, topei com peças musicais, obrigando-me a, um curioso como eu, correr às pressas nas...