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Visita ou Memórias e Confissões, de Manoel de Oliveira

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Por Solange Peirão   Visita ou Memórias e Confissões é um filme do cineasta português Manoel de Oliveira, apresentado ao mundo em 2015. Foi realizado em 1982. Porém, por determinação explícita de seu realizador, só poderia ser divulgado após sua morte, que ocorreu naquele ano. Não, segundo ele, porque tivesse algo surpreendente a revelar, ou proibitivo a esconder. Simplesmente, porque tratava-se de um filme autobiográfico, um filme sobre ele e sua família.   O fato é que essa condição já veio derramar sobre a película um certo clima de suspense que, igualmente, acabou por se tornar também uma de suas marcas.   Os principais personagens/atores (ou atores/personagens), quem serão? Manoel de Oliveira e sua família? Os visitantes/fantasmas (ou seriam fantasmas/visitantes?) da casa que, em princípio, vieram agradecer o jantar que os Oliveira lhes haviam oferecido recentemente? Ou, ainda, seria a própria casa?   Sobre documentário e ficção   Ao assistir Visita ou Mem...

Pier Paolo Pasolini e O Evangelho segundo São Mateus

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Por Solange Peirão   Um, entre tantos filmes expressivos e belos do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, é  O Evangelho segundo São Mateus , de 1964. Na comemoração do centenário do cineasta, está disponível temporariamente na plataforma de streaming MUBI.   Sua principal marca é, sem dúvida, a simplicidade minimalista. A locação foi estabelecida no sul da Itália. O texto é integralmente o Evangelho de Mateus — fiz o exercício encantador de acompanhar paralelamente o andamento das cenas e a leitura na Bíblia. Os atores são amadores, muitos, inclusive o Cristo, a atuarem pela primeira vez. Maria, mais velha, é a própria mãe de Pasolini, Suzanna. E a música, clássica e popular, costura este conjunto.   O filme oscila entre planos-sequências e enquadramentos de rostos ou de cenas em que alguma questão específica do discurso bíblico está sendo narrada.   A beleza dessas alternâncias está justamente no fato de que os primeiros se mostram adequados para desnud...

O próximo passo, de Cédric Klapisch

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Por Solange Peirão O filme O próximo passo integrou o Festival Varilux de Cinema Francês 2022, e certamente voltará às salas de exibição, em breve. Com direção de Cédric Klapisch, e roteiro em parceria com Santiago Amigorema, insere-se na área do cinema de entretenimento, nesse caso uma “quase” comédia, na medida em que algumas passagens hilariantes e a ironia bem francesa se entrelaçam para expor um drama pessoal.   O enredo   Trata-se de um roteiro relativamente simples. Elise (Marion Barbeau) é uma bailarina clássica de sucesso que se acidenta gravemente em uma de suas apresentações e que vê cair por terra sua vida de longos anos de treinamento árduo. Isso porque, dada a gravidade da lesão, deve, aparentemente, segundo os prognósticos médicos, abandonar o sonho da carreira construída com tanta disciplina. Será?   E aqui, se coloca, talvez, o ponto central do roteiro: o que fazer quando a escolha profissional supõe um longo período de aprendizagem, e este é quase sempr...

Saúde tem cura, de Silvio Tendler

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Por Solange Peirão     Os primeiros sintomas   Os processos históricos de desenvolvimento, sejam pessoais ou institucionais, são interessantes. Para o bem ou para o mal. Em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS), para o bem. E lava a alma dos brasileiros que têm, é inegável, tantos motivos para se entristecerem, especialmente nos dias que correm.   O documentário Saúde tem cura , do cineasta Silvio Tendler, disponibilizado via YouTube , nos mostra os caminhos que o atendimento público à saúde percorreu, do século XIX aos dias atuais. E nesse contexto, se coloca a implantação do SUS, um projeto memorável que tanto nos envaidece.   E como a perspectiva é de resgate histórico, o documentário, já de início, registra a precariedade das condições sanitárias no Brasil do século XIX. Homens livres pobres e escravos, sem atendimento, são os que mais sofrem; estão à mercê das grandes epidemias que ocorrerão até as primeiras décadas do século XX. Interessante ressaltar o ...

Ilusões perdidas, de Xavier Giannoli

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Por Solange Peirão   Quando Lucien de Rubempré, o jovem poeta provinciano e idealista, inicia seu trânsito por Paris, em busca de emprego e reconhecimento, acaba entre editores, de livreiros a jornalistas. A primeira confrontação mais direta foi com Étienne Lousteau, jovem como ele, de quem ouve a indagação: “você sabe o que é o meu trabalho?” E o romântico Lucien responde: “escrever sobre a Arte, a Beleza, o mundo…” A que o jornalista, sem rodeios, responde, na lata: “meu trabalho é enriquecer o dono do jornal!”   Estava dado, assim, o núcleo desse bonito filme de Xavier Giannoli que se inspira em Ilusões perdidas , uma trilogia que compõe, por sua vez, A Comédia Humana , como é conhecido o conjunto da obra de Honoré de Balzac.   E, em Paris, irá se cristalizar o que já se prenunciava na distante Angoulême. Aqui Lucien trabalha na gráfica do cunhado, escreve poesia e tem um affaire com Louise. Por meio dela, é introduzido no mundo da nobreza, pouco letrada e arrogante, ...

A Palavra, de Carl Theodor Dreyer

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Por Solange Peirão Para quem assiste ao filme do dinamarquês Carl Theodor Dreyer, e tem alguma aproximação, seja por interesse intelectual ou por opção religiosa, com o Evangelho Segundo São João, lembra de imediato dos termos de abertura: “no princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus”.  Verbo ou Palavra, expressões que remetem, ao mesmo tempo, à potência criadora de Deus e à divindade de Cristo, o Verbo encarnado.   Particularmente, acredito que esse partido estava mais presente para o cineasta, ao intitular esse belo A Palavra , do que uma possível referência ao que é discursivo. À potência criadora do discurso, sim, mas na perspectiva teológica que o evangelista anuncia. Basta nos debruçarmos sobre o filme para confirmar essa suspeita.   Trata-se, aqui, de uma comunidade, em reflexão e questionamento ferrenhos sobre a doutrina cristã e a instituição que lhe dá suporte.   A família que centraliza a ação é a do fazendeiro, o velho patriarca ...

A fratura, de Catherine Corsini

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Por Solange Peirão   A fratura , filme da diretora francesa Catherine Corsini, lançado recentemente no Brasil, se estrutura em torno de quatro protagonistas: Rafhaëlle, ou simplesmente Raf, (Valeria Bruni Tedeschi) e sua companheira Julie (Marina Foïs), o caminhoneiro Yann (Pio Marmaï) e a enfermeira Kim (Aïssatou Diallo Sagna).   A interação entre eles acontece em um hospital público de Paris, em 2018, durante a fase mais dramática das manifestações dos “gilets jaunes”. Os “coletes amarelos” fazem alusão às jaquetas fluorescentes dos manifestantes e que são de uso obrigatório para os motoristas na França em caso de acidente.   O estopim do movimento que se alastrou pelo país, mas que teve em Paris sua visibilidade mais expressiva, era o imposto ecológico sobre os combustíveis, anunciado pelo presidente Emmanuel Macron.   Fraturas sociais e políticas   Obviamente que havia muito mais por trás dessa motivação aparente. Trabalhadores questionavam o valor do salá...