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Desenhos para Guerra e paz, de Tolstói

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Nos anos 1950, o artista plástico português Júlio Pomar foi convidado para compor as ilustrações para uma edição do grande romance de Liev Tolstói  Guerra e paz , obra clássica da literatura universal. Um tipo de convite que logo chamamos também de desafio.  Desafio aceito, entre 1955 e 1958, Pomar compôs uma média de 200 estudos, dos quais selecionou 55 que resultou nas ilustrações para o livro que veio a ser publicado no último ano em que findou seus trabalhos. A época de Portugal, entretanto, era de trevas. O livro caiu nas mãos da ditadura e deixou de circular. Publicado pela Editorial Sul Limitada, os três volumes de Guerra e paz  que somam 1377 páginas saíram com tradução de João Gaspar Simões, incluindo edição de luxo encontrável agora apenas em selecionados alfarrábios ou em criteriosos leilões. Apenas muitos anos depois, foi feita uma triagem dos estudos de Pomar e o número de ilustrações é ampliado para 71 e reunido para publicar-se numa ediç...

Paris-Manhattan, de Sophie Lellouche

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Por Pedro Fernandes Até onde vai a admiração pessoal de alguém pelo trabalho de um artista? Será que somos, no itinerário da admiração, tão influenciados pelo trabalho do artista a ponto de vivê-lo como uma de nossas manias e obsessões? Duas perguntas caras para responder assim tão facilmente, no entanto, uma coisa certa: não há como explicar determinadas paixões e talvez não haja mesmo limite para admiração, tampouco possamos nos ‘livrar’ das influências. Em Paris-Manhattan , que é o primeiro longa metragem da francesa Sophie Lellouche, Alice é uma jovem parisiense que tem mais que admiração pelo cineasta Woody Allen. Os seus filmes não apenas são vividos pela personagem, como ela admite numa voz alter-ego da própria diretora, que eles são extremamente ricos pela capacidade de abordar as coisas mais comuns da vida humana no tom certo. E o diálogo costurado com a produção do cineasta é tanto que, não se restringe à conversa que a personagem mantém com um pôster e que vai...

John Fante: a fama pode esperar

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Por Javier Nix Calderón Há escritores que estão à frente de seu tempo. Escritores fiéis a um estilo próprio, que enfrentam um mundo que não lhes compreendem e pegam seu atrevimento com o anonimato. Artífice de um novo estilo literário, absolutamente inovador por sua simplicidade e realismo, o nome de John Fante haveria se perdido na voragem do século XX se não fosse o reconhecimento de Charles Bukowski sobre sua obra em finais dos anos 1970. Sua literatura, fortemente alimentada pelas emoções, descreve com delicadeza e sensibilidade a vida de um sobrevivente. Um sobrevivente do fracasso, do não, apaixonado pelo ofício da escrita até às últimas consequências. Um sobrevivente que não titubeou em desnudar sua alma para mostrar ao mundo que a vocação não está à venda. Esta é sua história. Uma história de sobrevivência. Do Colorado a Los Angeles: infância e juventude John Fante nasceu em 1909 em Boulder, Colorado (Estados Unidos) no interior de uma família pobre de imigrantes i...

Uma novo rosto para Emily Dickinson?

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Por Pedro Fernandes A necessidade da novidade, do furo, do inédito, às vezes até bestial, da mídia interessada na curiosidade, no ti-ti-ti sobre escritores parece ter ganhado um centro no âmbito do jornalismo cultural interessado em falar sobre literatura. Se por um lado isso é desvantajoso, por outro pode até servir de iniciativa para o incentivo à leitura ou ao acesso a determinado escritor ou obra literária. Quer dizer, o interesse pela descoberta de um tipo muitas vezes tem suas vantagens para outros interesses. Isso daria um bom debate, mas deixemos, é coisa para se tratar noutra ocasião. Toquei no assunto porque foi apresentado recentemente o que ser um novo rosto de Emily Dickinson. Até então só a conhecíamos através da reprodução de um daguerreótipo que continua sendo o único registro fotográfico da poeta. O original pertence ao arquivo do Amherst College e chegou à instituição em 1956 com a doação de material de arquivo dos Todd.  David Todd deve ter mantido a...

Paixão, resistência e exílio na novela camiliana

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Por Lilian Jacoto     Se quisermos defender a liberdade, precisamos negar o mundo exterior. Johann Gottlieb Fichte Ilda David. Ilustração para Amor de perdição . A novela, desde sua origem mais remota até os dias de hoje, sempre teve a função e o poder do rapto. Com todas as transformações que sofreu ao migrar do folhetim para o livro, e deste para a televisão, a novela sempre nos arranca da vida, por uma hora do dia que seja, suspende o nosso mundo para viver ou brincar de viver a vida dos outros. Promove, portanto, uma saída forçada para outra realidade, paralela, ao mesmo tempo muito perto e muito longe do real cotidiano.   Seu poder de rapto pressupõe alguma violência ou coação: somos enredados nesse mundo paralelo, muitas vezes sem saber por quê. Essa força se explica pelo fato de a ficção ter armas próprias — os recursos de sedução que uma história bem contada esconde na manga. A matéria essencial do gênero é, naturalmente, as paixões, isto é, sentimentos que incend...

Intocáveis, de Eric Toledano e Olivier Nakache

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Por Pedro Fernandes Quando saí da lotadíssima sessão de Intocáveis , que segundo soube, repetiu o êxito de público na segunda exibição no Festival Varilux de Cinema Francês, ouvi de alguém da plateia que este foi o filme que melhor já havia assistido de todos os que integravam a programação do festival. Não devo concordar diretamente com essa constatação, mas a partir dela vou procurar entender seu sentido vendo alguns aspectos que faz do longa de Toledano e Nakache despertar no telespectador a importante observação de melhor filme do festival. Uma razão parece ser que este filme muito se aproxima dos tradicionais dramas de superação hollywoodianos que tanto já vimos que estamos já intocáveis (permita-me o trocadilho). Tendemos a aceitar melhor aquilo que já somos adestrados a ver. A primeira vez que entra em cena o ator Omar Sy, com sua incivilidade numa entrevista para contratação de um cuidador para um milionário tetraplégico, associei logo com outra especialidade holly...