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O beabá das biografias*

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  Por Pedro Fernandes  Em briga de cachorro grande quem sou eu para meter minha língua? Enquanto a questão estava entre os reis da MPB acompanhei de camarote o disse me disse; quando a coisa descambou para o terreno da literatura (perdão pela divisória de áreas, como se a biografia não fosse um gênero textual e estivesse alheio à literatura, mas já me explico sobre), como dizia, quando a questão aqui chegou, dei algumas deixas na minha página no Facebook, principalmente no caso Paulo Leminski, e, enfim, quase um mês depois, é impossível não dizer nada sobre o caso. Ao menos posso ter uma opinião formada sobre, mesmo porque a briga é de cachorro grande, mas o que respinga, respinga diretamente no cidadão comum. E por isso mesmo me vejo um tanto quanto obrigado a dizer alguma coisa, a emitir um parecer sobre. Permitam-me um esclarecimento: não é o caso de ser a biografia um gênero que me apetece ler. Não. Acho esse texto maçante, chato, e foram muito poucos aut...

"Pena mínima", o primeiro livro potiguar dedicado (completamente) ao haikai

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Haikais e poemas curtos constituem essa Pena Mínima do poeta Lívio Oliveira, que parece-nos não querer findar-se, uma vez que, deixa a sensação de que o autor ainda tenha algo mais a declarar. Se finda rápido como um cometa, antecedido em página em branco, como a esperar que a pena lhe venha preencher; cruza sertão e beco e deságua no alto mar, e inicia-se como consequência de uma busca, de um duelo, do desejo humano mais íntimo e ao mesmo tempo paradoxal, posto que, ao mesmo tempo é simples e complexo como a relação do corpo e do espírito, da razão e da desrazão, numa paisagem na qual se descortina a teleologia, que de repente apresenta-se como renovação, recomeço, apontando em direção a um epílogo, que não aparece como fim pelo fim em si, mas chega com segurança e sem temor, como se continuasse a nos transportar a cumprir a pena mínima cotidiana com a liberdade de voar pela literatura norte-rio-grandense.  Pena Mínima é o primeiro livro da poesia potiguar totalmente ...

O Livro de Cesário Verde – Cesário Verde (Parte I)

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Por Pedro Belo Clara Cesário Verde (detalhe) Biblioteca Nacional de Portugal. Nascido em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855, José Joaquim Cesário Verde é hoje por muitos considerado o percursor da poesia portuguesa do século XX, onde se edificaram nomes como Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Eugénio de Andrade, José Régio ou Miguel Torga. Filho de um lavrador e comerciante, Cesário chegou a frequentar o Curso Superior de Letras na cidade onde nasceu; mas apenas por breves meses, antes de assumir as actividades profissionais do pai. Contudo, mesmo que exíguo tenha sido o tempo em que convivera nas esferas das letras académicas, o poeta viria aí a conhecer Silva Pinto, um amigo para toda a vida e ao qual todos de nós, leitores ou meros curiosos, devemos uma sentida gratidão. Passo a explicar: Cesário Verde nunca publicou um livro durante a sua curta vida, e tudo o que nos chegou foi fruto dos louváveis esforços desse seu fiel e dedicado amigo. O Livro de Cesário Ver...

Doris Lessing

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Num texto recente para o jornal El País , Alberto Manguel relembra dos quinze anos de amizade cultivada entre ele e a escritora britânica Doris Lessing: “a nossa era, num sentido literal, uma amizade baseada na palavra escrita. Por carta, discutimos sobre política, sobre livros, sobre as mentiras da história e a verdade da literatura, do teatro e do cinema, e dos laços familiares de cada um, dessa vontade humana de criar obrigações afetivas que Francis Bacon chamou ‘reféns da Fortuna’. Criticamos editores, publicações, governos e lamentamos a sorte dos países que sentimos inexoravelmente nossos: em seu caso, Rodésia.” A Manguel, Lessing teria confessado – “Uma parte de mim estará sempre na África”. A escritora que nasceu no Irã em 1919 morreu no início desta semana em Londres, onde vivia desde adulta. Tinha 94 anos e há três anos fora a ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura. Aos cinco anos de idade mudou-se com os pais para uma província na Rodésia (hoje Zimbábue) onde viveu...

Desassossego e Salvação

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Por Rafael Kafka ilustração de Joana Imaginário Descobri o verdadeiro da leitura quando estava com 17 anos. Na primeira semana de 2006, para ser mais específico. Já escrevi em um texto meu chamado de “O Poder da Leitura” sobre como se deu o começo de meu hábito de leitura: um belo dia, preocupado em descambar para um ociosidade perigosa demais resolvi ocupar meu tempo com leitura e escrita. Eu era um jovem sem perspectiva como muitos oriundos de camadas pobres e moradores de bairros periféricos em nosso país. Mas, no momento em que consegui ler dez livros em dois meses e fiquei com a cabeça cheia de ideias, decidi o que queria de minha vida. No ano anterior, eu conhecera o rock 'n' roll . Em especial a história do Nirvana me tocara: começar algo do nada, em garagens e shows para amigos, fazer das músicas um diário confessional e do som uma transcendência me parecia uma forma poética de viver. Eu queria algo assim! Todavia, não sabia tocar nenhum instrumento, ne...

Boletim Letras 360º #39

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16 de novembro é para ser um dia diferente dos demais – diferença que depois espera ser tornada em gesto comum, mas nunca sem perder o status quo da diferença. Foi nessa data que nasceu o escritor José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, o único até hoje atribuído a um escritor de língua portuguesa. Não pela honraria, mas Saramago é além de um dos grandes nomes da literatura, uma figura que nunca se cansou em fazer do seu pensamento inquietação sobre a ordem do mundo.  E diante dessa constatação, que não é mera observação vazia, a obra saramaguiana está aí para dizer-nos sobre essa inquietação perante as coisas, a Fundação José Saramago elege a data de hoje como o Dia do Desassossego. Tal como o Dia de Bloom, que celebra o dia da personagem de Joyce por Dublin no célebre romance Ulysses , o Dia do Desassossego tem motivações de revisitar O ano da morte de Ricardo Reis e mais que celebrá-lo, fazê-lo ação, a de não contentar-se com o espetáculo vazio do mundo. A semana ...