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A desumanização, de Valter Hugo Mãe

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  Por Pedro Fernandes Pode-se dizer que A desumanização é um romance de retornos. Embora, uma das obsessões de Valter Hugo Mãe, segundo o autor tem confessado, seja a de não buscar se repetir e fazer de cada romance um começo de tudo porque lhe frustra a ideia de viver toda uma vida para ser autor de um só texto; embora não alcancemos certa limitação criativa, fato que se verifica em alguns nomes já conceituados como Mia Couto (julgamento que é uma birra particular com seu último romance, A confissão da leoa ); A desumanização é um corolário de obsessões muito particulares da obra de Valter Hugo Mãe. E isso não o limita. No seu caso específico, é o contrário: inaugura uma feição literária até certo ponto inovadora na literatura de língua portuguesa – consideração que vai de encontro ao que o próprio escritor tem dito buscar, fazer do seu texto um texto universal. Um desses retornos notados está um novo ângulo para o tema da morte tomando por base a ótica de uma cr...

Boletim Letras 360º #61

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Semana intensa e com um desfecho triste. As letras, mais uma vez, vestem-se de luto pela morte de Gabriel García Márquez, um dos grandes escritores do século passado. Pertencente ao seleto grupo dos seis nomes latino-americanos que já receberam o Prêmio Nobel da Literatura, a obra de García Márquez é um marco por ter reaberto os eixos do cânone e dado a conhecer para o mundo outros universos, igualmente ricos, da criação humana. Mas, depois do escritor, fica a obra – e nela pulsa sua existência toda vez que voltarmos à leitura. Neste BO, as notícias destaque da semana do Letras no Facebook, mais um apanhado de singelas homenagens que temos conduzido desde o último dia 17, quando ficamos sem o mestre Gabo. Segunda-feira, 14/04 >>> Brasil: Mais inéditos de Dalton Trevisan Pelo menos dois títulos do escritor foram anunciados para breve. Some a esses mais um. No segundo semestre de 2014 – é isto uma previsão – deve sair pela Editora Record, O beijo na nuc...

A lamentável leveza da morte

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Por Rafael Kafka Gabriel García Márquez, aplicado às letras desde quando jornalista. Dessa dedicação brotou obras clássicas como Cem anos de solidão . Lembro-me de um professor meu, em meus tempos de cursinho, no Centro Federal de Educação e Tecnologia do Pará (CEFET/PA) em 2007, apresentando para mim um livro de título bem singelo: Memórias de minhas putas tristes . Lembro igualmente de outro professor, no mesmo recinto, dizendo que não entendia como aquele autor conseguira ganhar o Prêmio Nobel de literatura. Eu levaria sete anos para comprar o livro e deixá-lo me esperando na prateleira improvisada de meus livros. Levaria um pouco menos, seis anos, para comprar o maior clássico de Gabriel García Márquez , Cem anos de solidão , que seria dele a primeira leitura feita por mim. No excelente prefácio de Eric Nepomuceno, uma cena a qual eu adoraria ter vivido: a do jovem tradutor encontrando o seu mestre e criando uma rara e profunda relação de amizade com o mítico escrito...

O rei se inclina e mata, de Herta Müller

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Por Pedro Fernandes Quando Herta Müller ganhou o Prêmio Nobel em 2009 até seu nome me era desconhecido, embora já circulasse no Brasil algumas traduções de livros seus. Resisti certo tempo em buscar a leitura de sua obra, por razões diversas, mas cito ao menos duas delas: o interesse pelas literaturas de expressão portuguesa, cuja formação acadêmica me exige, e o tempo escasso para permitir a entrada de outros nomes em meu cânone particular. Sobre esta última, basta ter uma dimensão do que é a literatura dos cinco países falantes do português para se dar conta que, ainda que eu tivesse todo o tempo do mundo, nunca irei contorná-lo. Mas, o encontro com obras da escritora romena nas várias idas às livrarias após sua premiação e a leitura de uma crítica qualquer, esparsa e vulgar, dessas que sai com frequência nos ditos cadernos de cultura que circulam no Brasil sempre me mantiveram um alerta de que há algo na obra de Herta que quase me obriga a ler alguma coisa dela. Já ...

O Balzac brasileiro de um húngaro

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Por Alfredo Monte A 4ª. edição de Balzac e A Comédia Humana 1 , de Paulo Rónai (1907-1992) reapareceu na esteira do relançamento dos 17 volumes de traduções da obra balzaquiana que ele coordenou nos anos 1940-50. Há todo um charme recôndito no pequeno volume, no qual o húngaro, que viveu no Brasil boa parte da sua existência, destila sua íntima convivência com os textos do autor de A Comédia Humana e nos faz relevar os aspectos datados, quiçá superados, das suas análises, principalmente as literárias, pois se o texto de Rónai é um manancial de informações valiosas e de conhecimento de primeira mão, por vezes soa esquemático demais, professoral e “quadradinho” (por exemplo, nele se fala em  “qualidades típicas do espírito francês”, em “ilustre gentil-homem”— e ele não está falando de um personagem de Balzac, não, mas de um estudioso de sua obra!; há também afirmações genéricas do tipo: “A Comédia Humana presta-se a todas as interpretações”). Como atualmente constata-...

Quando a pintura vai buscar diálogo com a poesia - Carlos Drummond de Andrade e Yara Tupynambá

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Por Pedro Fernandes Já outro dia examinamos por aqui o lado oposto desta relação, isto é, quando a poesia vai buscar diálogo com a pintura . E também a partir de obra de Carlos Drummond de Andrade. Trata-se de “Quixote e Sancho” poemas publicados em  As impurezas do branco e as ilustrações de Cândido Portinari. Agora, em questão, o extenso poema narrativo “A mesa”. O texto ganhou uma versão com imagens a partir do trabalho pictórico de Yara Tupynambá. O poema foi publicado pela primeira vez em 5 de fevereiro de 1951 como livro editado pela Hipocampo e ilustração de Eduardo Sued. O livro de páginas soltas teve uma tiragem curta, apenas setenta exemplares numerados e assinados pelo autor. No mesmo ano, “A mesa” foi incluído no livro Claro enigma , editado pela José Olympio. Carlos Drummond de Andrade, o de braços cruzados em pé à esquerda, acompanhado da família com parte dos irmãos. A foto é de 1915. O tema central do poema é a família do poeta. De ún...