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Há muitos Faulkner

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Por Juan Tallón Há algumas semanas, numa biografia pouco conhecida, li que William Faulkner trabalhou durante três meses na fábrica de armas Winchester, em New Haven (Connecticut). Fiquei petrificado, desconcertado ante a sorte de trabalhos que alguns autores precisam assumir às vezes para chegarem a viver da escrita. Até esse ponto amam a literatura. Por outro lado, senti-me fascinado, pois num momento de nossa infância, quando a televisão exibia westerns a toda hora, os meninos queríamos ter um Winchester e um cavalo. Só anos depois, talvez poderemos querer escrever como Faulkner. Pareceu-me que aquele emprego na fábrica de rifles explicava muitas coisas, embora não soubesse quais. Talvez que Faulkner seria um grande escritor, antes ou depois. Um escritor, depois de tudo, não pode ser apenas um escritor. Nesse caso não tardaria em deixar de sê-lo. Até alcançar essa condição, peregrina por outros empregos, inclusive outras profissões. Há muitos Faulkner num só. Na...

Boletim Letras 360º #242

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Eis outra edição do Boletim Letras 360º. São as notícias copiadas do Letras no Facebook durante esta semana. A página alcançou agora a marca de 27 mil amigos. Novamente, só temos uma coisa a dizer: obrigado a todos! Segunda-feira, 02/10 >>> Brasil: A moça do internato , de Nadiêjda Khvoshchínskaia é o primeiro texto da literatura russa a trazer uma personagem feminina com um discurso claro sobre a emancipação da mulher Dentre as escritoras do século XIX que ajudaram a sedimentar a mulher como profissional de literatura e a agenciar representações de um feminino independente está Nadiêjda Khvoshchínskaia (1824-1889). A moça do internato  é uma novela narrada em terceira pessoa, e estruturada em 13 capítulos. Liôlienka é uma jovem provinciana dos anos 1850 cuja vida muda ao conhecer Veritítsin, poeta e intelectual politicamente decadente que se torna seu vizinho. À adolescente, Veritítsin começa a apresentar leituras e visões de mundo que cont...

Os melhores diários de escritores

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Um diário é, como diz sua própria definição, um texto que cresce à medida que se anotam os acontecimentos do cotidiano, incluindo a reflexão de índole íntima, isto é, o lugar invisível do eu, suas emoções. É em parte um texto livre, despojado do artifício da ficção, e por isso, pelo qual se entrevê a alma do escritor, seus medos, alguns dos movimentos de sua psique e os envolvimentos com extensões mínimas da existência. Podem acompanhar o escritor para uma vida, ou passagens das mais difíceis, agitadas, trágicas. Ou podem ser apenas uma proposta ambiciosa de contenção da areia do tempo que se esvai. Nesses registros ficam ainda, quando estamos ante diários de escritores, suas inquietações com os afazeres da criação, as relações interpessoais com outros de sua seara. Apresentamos uma seleção desse espírito descoberto de grandes escritores que mantiveram o gesto do diário pessoal e se atreveram torná-lo público, alguns só depois de sua morte, outros, como um exercício narcí...

Em má companhia, de Vladimir Korolenko

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Por Pedro Fernandes Quem por acaso já tiver lido Capitães da areia , do brasileiro Jorge Amado, não deixará de lembrá-lo durante a leitura de Em má companhia , do ucraniano Vladimir Korolenko. As narrativas que compõem o romance e a novela dos dois escritores se assemelham porque estão marcadas pelo protagonismo da gente simples; em ambas prevalece uma radiografia do mendicante habitante da periferia da zona urbana e vítima de um triste modelo opressor responsável pela segregação de camadas diversas da sociedade, sobretudo aquelas que vidas não foram agraciadas com determinadas benesses oferecidas a uns poucos. Os dois livros, aliás, se utilizam da mesma regra de composição: a fim de melhor comover o público, as narrativas são entrevistas pelo ponto de vista da criança marginalizada, um público recorrente em toda literatura interessada em denunciar alforra causada pelo capital. O título de Vladimir Korolenko recupera um daqueles caros conselhos que nos dão na infância...

Frantz, de François Ozon

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Por Pedro Fernandes A beleza de Frantz não está na impecável fotografia preto e branco. Não está na narrativa seguramente bem construída e marcada por um controle extremo do caudal de emoções tão variado quanto pesado. Nem no drama dos sentimentos que carregam suas personagens. Está na terrível atualidade dos sentimentos aí evocados. Terrível porque sendo um filme que trata das cicatrizes da Primeira Guerra Mundial era de esperarmos que boa parte delas já tivesse sido superada de um todo tantos anos depois. Mas, tantos anos depois e ainda passado outra guerra de maior proporção, a intolerância entre povos, raças e culturas – para citar o principal dos sentimentos presentes nesta obra – parece ainda ser a mesma; ou ainda pior, se consideramos que mesmo o passado de proporções catastróficas não parece ter servido de lição. Frantz é o nome de um jovem alemão que seduzido pelo discurso patriótico e heroico premente no seu tempo – incutido pela propaganda militar e pelo in...

Os livros que prometeram: nuances da literatura argentina

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Por Pablo de Santis É recorrente na literatura fantástica os livros malditos, como O rei de amarelo de Robert Chambers ou Necronomicon. O livro dos mortos de H. P. Lovecraft, que enlouquecem quem os lê. Não há por sua vez contos que falem de livros intangíveis como fantasmas. Para existir, não falariam de livros destruídos e voltados à vida com desejos de vingança. Falariam de livros prometidos, livros não escritos. Porque o verdadeiro fantasma de um livro não exige fogo: exige uma pluma que se detém, o silêncio de uma máquina de escrever. Um fantasma pode assustar qualquer um. Mas estes livros espectrais só poderiam assustar a uma pessoa: o seu autor. Que eu saiba, o único autor que dedicou um volume inteiro aos seus abandonos é o grande crítico George Steiner. Seu ensaio Os livros que não escrevi é quase uma autobiografia contada a partir das obras que planejou e não começou o não terminou. “Um livro não escrito é algo mais que um vazio – escreveu. Acompanha a obra ...